Autoridades já sabiam sobre a possibilidade de um novo surto da doença
Por Rebeca Letieri
Jornal do Brasil
“A corrida aos postos de saúde acontece por conta de um alerta. Mas desde o final de 2016 vemos um novo ciclo de avanço da febre amarela, e as pessoas não se vacinaram nas regiões afetadas”, criticou a pesquisadora Danielle Sanches de Almeida. O medo da doença tem levado populações inteiras de diversos municípios do Sudeste a procurar logo cedo as unidades de saúde que disponibilizam a vacina. Longas filas, de dobrar quarteirões, só aumentam a tensão e a preocupação com o tema.
Em São Paulo, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, a busca desenfreada está causando desabastecimento ‘pontual’ de vacinas e insumos, como agulhas. Postos que aplicavam 500 doses por mês agora vacinam mil pessoas por dia. A demora e a falta de planejamento nas ações preventivas, e a má distribuição das vacinas - sem o foco nas cidades mais afetadas e onde ocorreram mais mortes pela doença - facilitaram o avanço da febre amarela no país, segundo o estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DAPP/FGV), do qual Danielle Sanches fez parte.
A atenção das autoridades devia ter sido com regiões de mata e floresta
“O que verificamos foi a estratégia de vacinação que foi focada nos grandes centros. Vacina tinha, mas as escolha das regiões teve uma prioridade diferente. E já que nós estamos falando de uma febre amarela de tipo silvestre, a atenção das autoridades devia ter sido com regiões de mata e floresta”, concluiu a pesquisadora.
Enquanto isso, a cobertura vacinal está muito aquém do necessário. A estimativa da Secretaria Estadual de Saúde do Rio é que mais de oito milhões de pessoas (cerca de 60%) de um público alvo de 14 milhões — incluindo grupos inseridos em 2018 pelo Ministério da Saúde, como os idosos com aval médico — ainda não foram vacinadas. Na capital, a Secretaria municipal de Saúde informa que apenas 1,69 milhão procurou os postos no ano passado para tomar a vacina, sendo necessário imunizar outros dois milhões.
A recomendação é que se vacine toda a população de mais de nove meses de idade. Pessoas acima de 60 anos, gestantes, mulheres amamentando e pessoas com HIV cujo sistema imunológico não esteja comprometido, devem passar por uma avaliação criteriosa do médico. A vacina possui contraindicações absolutas, como para pessoas com alergia grave a componentes, como ovo, e pacientes com imunossupressão.
“É preciso haver um bloqueio para que não haja epidemia. E para isso é preciso ter uma cobertura vacinal de 90% a 95% do estado”, explicou o infectologista Alberto Chebabo, chefe do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – UFRJ. Para não haver pânico, Chebabo pondera: “Se as medidas forem tomadas adequadamente, podemos evitar uma epidemia. Não temos caso de febre amarela na região metropolitana e urbana, o que temos até agora são casos de macacos mortos em algumas regiões no entorno. Mas para que isso continue assim, precisamos vacinar a população”.
Quando houve a redução dos casos, podia ter tido vacinação
O pesquisador do Instituto Nacional de Infectologista Evandro Chagas (INI/Fiocruz), André Siqueira, afirma que poderia ter sido feita uma mobilização de vacinação para outras áreas. Isso porque, o especialista explica, a febre amarela é cíclica, e com os casos no fim de 2016, e vacina suficientemente disponível, as autoridades já tinham conhecimento da possibilidade de haver um novo surto em 2018. “A circulação da febre é sazonal, sabemos que existe um pico de epidemia. Quando houve a redução dos casos, podia ter tido vacinação. O inter-epidemia é um momento onde se pode agir com mais tranquilidade na tentativa de antever a possibilidade de novos surtos e proteger o máximo de pessoas possíveis. Esse deve ser um momento de atuação mais efetiva”, reforçou.
As medidas estão sendo tomadas com certa urgência e confusão. Há reclamações de longos períodos de espera - que em alguns postos chega a oito horas na fila -, falta de orientação do profissional da saúde, falta de vacina e equipamento necessário, e até brigas e invasões aos postos.
De acordo com Siqueira, não há risco de falta de estoque, já que será adotada a dose fracionada – tão eficaz quanto a dose única. A diferença entre as duas está no tempo de garantia de efeito. Enquanto a dose única foi confirmada para a vida toda (antes ela valia por 10 anos), a dose fracionada tem validade de oito anos, de acordo com estudos feitos até agora. “Temos quantidade suficiente de vacina para cobrir a população. Mas isso vai depender de uma ação organizada dos gestores públicos”, alertou Siqueira.
O fracionamento já se mostrou totalmente eficaz
“O fracionamento já foi usado tanto em Angola em 2013, quanto no Congo em 2016, para controle de febre amarela urbana, inclusive. E isso se mostrou totalmente eficaz. O que pode acontecer, em longo prazo, é revacinar as pessoas que receberam apenas a dose fracionada. Mas para uma situação crítica como temos agora, essa é a melhor estratégia”, explicou o infectologista Chebabo.
Secretarias de Saúde negam falhas
As secretarias de Saúde dos estados do Rio de Janeiro (SES-RJ), São Paulo (SES-SP) e Minas Gerais (SES-MG) negaram as afirmações dos especialistas com relação a falhas na estratégia de vacinação.
A SES-RJ defendeu que sua função é distribuir vacinas e orientar os municípios, já “a procura depende da população”. “A subsecretaria de Vigilância em Saúde vem realizando mensalmente reuniões com os secretários de saúde dos 92 municípios do estado recomendados para acompanhar a situação vacinal e o desenvolvimento da doença em cada região”, informou em nota ao Jornal do Brasil.
A SES-MG afirmou que “essa vacina sempre está e esteve disponível nos postos de saúde dos municípios, não sendo registrada falta em nenhum período, mesmo durante o surto do último ano”. E acrescentou: “O que ocorreu foi, eventualmente, nos meses do surto, uma falta momentânea de vacina em alguma unidade de saúde, visto que há exigências importantes referentes ao armazenamento e administração das doses, sendo que a reposição era sempre realizada com a máxima celeridade, a partir dos estoques contidos nas Unidades Regionais de Saúde da SES-MG ou do estoque central”.
A SES-SP informou que aplicou, em 2017, mais de sete milhões de doses da vacina, e nos últimos dez anos, de 2006 a 2016, 7,6 milhões. “Nós temos no estado 445 municípios, de um total de 675, marcados como áreas de recomendação para vacina. Em abril de 2016 teve o primeiro caso humano de febre amarela que veio a óbito em São José do Rio Preto. Nesse mesmo ano, 75% da área recomendada de São Paulo já era vacinada. Em fevereiro de 2017, aparece um animal morto no município de São Roque - área não-recomendada para vacina, assim como em Mairiporã. E a partir daí, começamos a olhar mais atentos para estas áreas”, disse a diretora do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) da secretaria de estado da Saúde, Regiane de Paula.
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