Há 10 anos, o caçador de medicamentos Mark Murcko estava pensando em movimentos.
À época diretor de tecnologia da Vertex Pharmaceuticals, Murcko era um pioneiro. É raro que um cientista consiga levar uma única droga ao mercado no decorrer da carreira. Murcko ajudou a descobrir cinco, incluindo tratamentos contra a hepatite C e o HIV. O sucesso de que ele e a Vertex desfrutaram se baseava em uma ideia aparentemente simples: compreender a estrutura física das proteínas que provocam doenças é a chave para produzir medicamentos que funcionam.
Revelar a constituição de proteínas doentes transformou a Vertex, fundada em 1989, em uma das maiores empresas de biotecnologia do mundo. Ajudou também a revolucionar a pesquisa farmacêutica. Antigamente, a descoberta de novos medicamentos era, em grande parte, um exercício de tentativa e erro, e os métodos que Murcko e a Vertex usavam transformaram a identificação de novos medicamentos em um processo mais racional.
Mas Murcko estava consciente do que não sabia. Ele não sabia como as proteínas se moviam.
As proteínas, incluindo aquelas que contribuem para as doenças, estão em constante movimento e se transformam rapidamente. Murcko acreditava que se os pesquisadores pudessem compreender melhor esse movimento, conseguiriam prever com mais precisão onde uma droga se ligaria a uma molécula, um avanço que poderia tornar mais rápida e previsível a descoberta de novos medicamentos.
A pesquisa que ele e outros caçadores de medicamentos usavam se baseava em imagens tridimensionais da forma das proteínas. Para fazer as visualizações, os cientistas transformam as proteínas em cristais que parecem joias ou cacos de vidro quando vistos em um microscópio. Os pesquisadores, então, fazem uma radiografia da molécula cristalizada, e a partir do padrão da luz espalhada conseguem extrapolar sua estrutura.
O problema é que, para modelar o movimento de uma proteína, Murcko precisava de um poder de computação que ninguém tinha -- máquinas que precisariam ter ordens de magnitude mais poderosas que qualquer coisa disponível à época.
"Passei muito tempo naquele ano analisando o problema, não do ponto de visto teórico, mas de um ponto de vista bastante pragmático", disse Murcko, que é também professor de Engenharia Biológica do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). "A pergunta era, será que as ferramentas disponíveis para a ciência no momento são boas o bastante para possibilitar a compreensão do movimento das proteínas? Minha conclusão em 2008 foi que não."
A situação mudaria vários anos depois, contudo, graças a um dos analistas quantitativos mais célebres de Wall Street.
David E. Shaw é um dos gerentes de fundos de hedge de maior sucesso da história, um gênio da matemática cuja abordagem quantitativa para os investimentos, muito semelhante à do contemporâneo James Simons, da Renaissance Technologies, ajudou a revolucionar o negócio antes parado de equilibrar os riscos financeiros enfrentados por seus clientes ricos. A firma de investimentos que ele fundou em 1988, a D.E. Shaw & Co., administra mais de US$ 47 bilhões atualmente.
A antiga estrela do gerenciamento de recursos havia feito uma segunda carreira como biólogo computacional de renome internacional. Em 2014, Shaw foi eleito para a Academia Nacional de Ciências dos EUA, honraria recebida também por Albert Einstein, J. Robert Oppenheimer e Robert Langer, um professor de Engenharia Química do MIT e uma figura reverenciada no setor de biotecnologia.
Shaw estava bastante ciente do enigma que incomodava Murcko.
Antes que seu grupo de pesquisa começasse a trabalhar, em 2002, a simulação molecular mais longa já executada havia durado 10 microssegundos -- 10 milionésimos de segundo. Para observar mutações em proteínas, o grupo de Shaw precisaria executar uma simulação que pudesse durar um tempo exponencialmente maior do que a tecnologia atual permitiria.
Aquilo era um enorme problema de computação. Uma simulação do tipo estaria "muito além da capacidade de um supercomputador comum de propósito geral, até mesmo da capacidade dos mais rápidos do mundo", disse Shaw, em conferência de 2016 na Biophysical Society, uma organização científica internacional com sede nos EUA.
style="display:block; text-align:center;" data-ad-layout="in-article" data-ad-format="fluid" data-ad-client="ca-pub-6652631670584205" data-ad-slot="1871484486">Para conseguir simulações mais longas, o grupo de Shaw teria que construir seu próprio supercomputador. A máquina que construíram, batizada de Anton em homenagem ao cientista holandês do século 17 Anton van Leeuwenhoek, a primeira pessoa a ver bactérias em um microscópio, é um chamado supercomputador massivamente paralelo. Construído em 2008, o Anton é usado exclusivamente para simulações de proteínas e outras moléculas. Um sucessor, o Anton II, construído em 2013, era na época 180 vezes mais rápido que o supercomputador de propósito geral, em parte porque foi desenvolvido para um único propósito.
"Isso não significa que sejamos mais inteligentes que os outros desenvolvedores de supercomputadores", disse Shaw no discurso para o grupo de biofísicos. "Apenas podemos nos dar ao luxo de desenvolver para uma finalidade particular."
Em outubro de 2014, Murcko, que havia deixado a Vertex e pensava no que fazer a seguir, se reuniu em Bar Harbor, no estado americano de Maine, com Alexis Borisy e Craig Muir, do Third Rock Ventures, um fundo de investimento com sedes em Boston e São Francisco que tem financiado algumas startups de biotecnologia elogiadas, como Editas Medicine, Bluebird Bio e outras. A exemplo de Murcko, eles se perguntavam como desvendar o movimento molecular.
Murcko, os executivos do Third Rock e outras pessoas do setor farmacêutico acompanhavam de perto o trabalho que Shaw vinha fazendo após abandonar o mundo das finanças. O ex-gerente de recursos havia publicado diversos trabalhos científicos que geraram um alto nível de interesse. O grupo abordou Shaw para tratar de uma possível colaboração.
Quase dois anos depois, em setembro de 2016, a Relay Therapeutics foi fundada por Shaw e seu grupo de pesquisa, Murcko, Matthew Jacobson, professor e presidente do conselho do Departamento de Química Farmacêutica da Universidade da Califórnia em São Francisco, e Dorothee Kern, professora de Bioquímica da Universidade Brandeis e investigadora do Howard Hughes Medical Institute.
Em escritórios apertados em Cambridge, químicos medicinais, biólogos estruturais e pesquisadores em informática estão desenvolvendo os modelos de proteínas da Relay. Trabalhando a partir de raios X tridimensionais, os especialistas em computação fazem previsões a respeito de como as moléculas poderiam se mover, que são validadas no laboratório. Posteriormente, eles usam algoritmos para combinar substâncias químicas que se liguem a moléculas para ver como esses medicamentos seriam afetados pelo movimento da proteína. Os químicos fazem os compostos e os biólogos os testam.
Trata-se de um casamento de técnicas experimentais e computação de ponta que é diferente do que fazem os departamentos de pesquisa de empresas maiores, e isso tem animado os investidores. Até o momento, a empresa captou US$ 120 milhões em financiamento, incluindo investimentos do Third Rock, da GV, braço de capital de risco da Alphabet, e da Section 32, uma firma de capital de risco criada por Bill Maris, fundador da Google Ventures.
A Relay espera desenvolver seus primeiros medicamentos para o tratamento do câncer. A empresa de capital fechado não forneceu nenhum detalhe a respeito dos compostos que seu processo gerou, ou de quantos candidatos a medicamentos possui até o momento. Mas a companhia espera iniciar os testes clínicos no ano que vem. Se a companhia for bem-sucedida, o cronograma vislumbrado pela Relay eliminaria anos do processo tradicional de descoberta de medicamentos.
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