Folha de S.Paulo
Jornalista: Sara Hussein
07/02/20 - Desvendar os segredos do genoma dos tumores cancerígenos para melhor compreendê-los e combatê-los: eis o objetivo de um projeto em que mil pesquisadores trabalharam por vários anos, na esperança de um dia conseguir tratamentos mais direcionados e eficazes.
Fruto da colaboração de 1.300 pesquisadores de quatro continentes, o Pan-Cancer Project, o mais abrangente já realizado nesta área, baseia-se no sequenciamento do genoma de mais de 2.600 tumores, correspondendo a 38 tipos de câncer de cerca de 2.800 pacientes.
Os resultados foram publicados nesta semana em 20 artigos na revista Nature e em outras publicações médicas do mesmo grupo.
Mesmo que não tenha aplicação terapêutica concreta a curto prazo, suas lições teóricas são numerosas: melhor conhecimento das mutações genéticas que provocam a multiplicação das células cancerígenas, similaridades às vezes surpreendentes entre diferentes tipos de câncer e variedade extrema de tumores de um indivíduo para outro.
“Com o conhecimento que adquirimos sobre as origens e evolução de tumores, podemos desenvolver novas ferramentas e terapias para detectar o câncer antecipadamente, desenvolver terapias direcionadas melhores, e tratar pacientes com mais sucesso”, disse Lincoln Stein, membro do comitê diretivo do projeto, em comunicado divulgado pelo Instituto de Pesquisa do Câncer de Ontario (Canadá).
Uma das lições é a grande variedade de genomas para tumores cancerígenos, disse à AFP Peter Campbell, do Instituto Wellcome Sanger, que também esteve envolvido no projeto.
"A descoberta mais impressionante é a diferença que pode haver entre o câncer de um paciente e o de outro", afirmou.
Isso se deve ao grande número de possíveis mutações genéticas para cada tumor, que às vezes podem depender de fatores ligados ao estilo de vida do paciente, como o tabagismo.
O estudo também identificou milhares de combinações de mutações em portadores individuais, bem como mais de 80 processos que causam as mutações, alguns deles relacionados à idade e outros hereditários ou vinculados a fatores de estilo de vida, como o fumo.
DIAGNÓSTICO PRECOCE
Outro ponto em destaque é o fato de que o processo de desenvolvimento de certos tipos de câncer pode começar anos antes do diagnóstico, às vezes até na infância.
"Isso mostra que a janela para intervenção precoce é muito maior do que pensávamos", diz Campbell.
O trabalho revelou ainda que cânceres em partes diferentes do organismo às vezes são muito mais parecidos do que se imaginava.
“Podemos ter tipos de câncer de mama e câncer de próstata em que as mutações são semelhantes”, disse Joachim Weischenfeldt, um dos autores do estudo, professor associado da Universidade de Copenhagen.
“Isso significa que o paciente com câncer de próstata pode se beneficiar do mesmo tratamento que seria aplicado a uma paciente com câncer de mama”, disse em comunicado distribuído pela universidade.
Em média, cada genoma tumoral contém de 4 a 5 mutações que podem ter causado o câncer, o que é, no entanto, muito variável, dependendo do tipo de doença.
Para 5% dos tumores, nenhuma mutação foi identificada, o que significa que as pesquisas nessa área devem continuar.
Um melhor conhecimento dos cânceres do ponto de vista genético pode melhorar a identificação nos casos em que o diagnóstico é complicado e possibilitar o direcionamento dos tratamentos de acordo com as mutações específicas de uma determinada doença.
"Se pudermos entender o que está acontecendo em nossos órgãos à medida que envelhecemos, o que causa o acúmulo de mutações genéticas e como o estilo de vida pode virar a balança, podemos considerar maneiras de intervir mais cedo, com o objetivo de prevenir, ou de retardar, o surgimento de cânceres de difícil tratamento", disse Campbell.
Em termos práticos, as descobertas ajudarão a identificar cânceres de diagnóstico difícil, permitirão tratamentos mais direcionados baseados nas mutações condutoras específicas por trás de um determinado câncer, e permitirão, potencialmente, o diagnóstico antecipado de tumores em desenvolvimento.
“Estamos descobrindo que o câncer representa o extremo de um enorme espectro de mudanças”, afirmou Campbell.
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