‘Há interesses privados contrários às mudanças’

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O empresário Guilherme Leal, cofundador e copresidente do conselho de administração da Natura & Co, acredita que os empresários estão silenciosos em relação ao governo Jair Bolsonaro porque aguardam as reformas da Previdência, a tributária e a melhora no ambiente de negócios.

Sua percepção, contudo, é que o setor privado não concorda com a agenda de comportamento, de comércio exterior e várias outras desta gestão. “Há uma perplexidade diante de diversas posturas”, reconhece Leal, 69 anos, que fundou com outros dois sócios o que hoje é a multinacional brasileira de higiene e cosmética com as marcas Natura, Body Shop e a australiana Aesop e que faturou R$ 13,4 bilhões em 2018.

É verdade que o setor privado muitas vezes se esconde atrás de governos para não assumir posições de vanguarda em negociações internacionais climáticas e ambientais, registra. “Existem muitos interesses privados que não querem provocar a mudança”, diz. “Mas o setor privado é diversificado. Faço parte de movimentos que procuram trazer a consciência de que os negócios são agente de transformação importantíssimo.”

Candidato a vice-presidente pelo Partido Verde na chapa de Marina Silva em 2010, Leal diz que “sem a política não se promove mudança em escala”. Para ele, o momento atual do Brasil e do mundo é preocupante, com lideranças voltadas ao nacionalismo. “As forças da extrema direita estão com discurso polarizado dominando as novas mídias e a formação de opinião. São muito competentes nisso.

Com linguagem rancorosa, mas efetiva”, analisa. “É um desafio nosso, de quem quer ver as coisas progredirem de maneira responsável, encontrar maneiras mais simples de se comunicar. Temos um linguajar complexo, não conseguimos explicar com clareza, e com isso estamos perdendo público, apoio político e força.” Ele dimensiona a crise ambiental climática como “uma grande guerra”. Paulista de Santos, para ele pensar que a defesa do ambiente é uma bandeira da esquerda é “uma discussão pouco qualificada. É a mesma coisa que dizer que o nazismo era de esquerda”.

Ele segue: “É preciso ter bom senso em lidar com as coisas, entender que não é conservar ou produzir, mas conservar e produzir”. Envolvido com a criação de diversas organizações da sociedade civil, Leal imagina o desenvolvimento da Amazônia baseado na biotecnologia somada à inteligência artificial e à nanotecnologia. “Sonho com a ideia de uma grande universidade panamericana na Amazônia, produtora de um conhecimento valiosíssimo para a humanidade.” No início deste mês, Leal esteve na Universidade de Harvard, em Boston.

O Instituto Arapyaú, que fundou em 2008 e que promove projetos com foco em mudança climática, cidades sustentáveis e desenvolvimento do Sul da Bahia, apoiou um seminário sobre Amazônia e mudança do clima que reuniu renomados pesquisadores brasileiros e estrangeiros. O Arapyaú é o maior investidor do MapBiomas Alerta, plataforma desenvolvida por universidades e organizações que possibilitará a identificação de desmatadores em tempo real.

Leal ambiciona morar em um país com melhor qualidade de vida. “Não quero sair do Brasil, embora esta seja uma tentação nos dias de hoje”, confessa. “Mas ainda tenho esperança de ver um Brasil melhor.”

A seguir, a entrevista concedida no intervalo da conferência na Universidade de Harvard:

Valor: Por que o senhor decidiu apoiar um congresso em Harvard para discutir Amazônia e clima?

Guilherme Leal: Desde antes de aflorar a consciência ambiental, há 50 anos, que não enfrentamos um desafio desse tamanho, da crise climática. A gente fica pensando: jogamos a toalha ou nos unimos? Esta é a opção de quem tem um mínimo de bom senso e quer ver desenvolvimento, inclusão e prosperidade, mas com conservação dos recursos naturais, que é o nosso patrimônio e um fantástico vetor de desenvolvimento.

“Faço parte de movimentos que procuram trazer a consciência de que os negócios são agente de transformação importantíssimo”

Valor: O físico e climatologista Paulo Artaxo diz que o setor privado, no Brasil e no mundo, tem se escondido atrás dos governos nas negociações internacionais climáticas e ambientais. E que o custo depois, vem para o setor público e todos nós. O custo da indústria de poluir com plásticos, por exemplo.

Leal: É verdade, mas não se pode dizer que o setor privado é um bloco monolítico. É diversificado nos países, dentro dos países e nos diversos setores. Que existem interesses, existem. Que o subsídio aos combustíveis fósseis, por exemplo, é uma realidade inquestionável, é. Não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Existem muitos interesses privados que não querem provocar a mudança.

Valor: Quem quer mudança?

Leal: Existem lideranças do setor privado, como aqui nos Estados Unidos, por exemplo, que independente das políticas de Trump [Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, que promove constantes retrocessos ambientais], não vão investir mais em produção de energia a base de carvão porque não é inteligente. Existe um setor financeiro que começa a perceber que não irão se pagar pensões daqui a 20 ou 30 anos porque talvez nem existam mais as empresas em que eles estão investindo. O setor privado é diversificado. Faço parte de movimentos que procuram trazer a consciência de que os negócios são um agente de transformação importantíssimo. Mas esta não é a realidade predominante. Não é o mainstream.

Valor: O sr. sente que cresce a adesão a esses grupos de vanguarda?

Leal: Sim, a percepção de que é preciso mudar é crescente. É um universo pequeno, de lideranças esclarecidas em diversos países. A indústria financeira, por exemplo, é fundamental nesse processo. É um setor que gerencia US$ 200 trilhões a US$ 300 trilhões, se não houver uma mudança de consciência desses investidores, não vai mudar o mainstream. Mas começa a existir, nosso amigo lá do BlackRock [Laurence D. Fink, fundador da maior gestora global de recursos, com sede em Nova York anunciou que a empresa está se tornando “verde” e que o setor privado tem que servir a propósitos sociais] dizendo que, se não houver responsabilidade social e ambiental, não existirá sustentabilidade econômica. As coisas estão interligadas.

Valor: Mas o sr. reconhece que não é mainstream e que muitas vezes o setor privado se esconde atrás de governos que atrasam a agenda.

Leal: É uma tendência predominante? Está crescendo? Não sei essas respostas, mas temos que lutar para que cresça. Porque a ameaça está aí. As crianças e os jovens estão mostrando a nossa responsabilidade, temos que fazer alguma coisa. Particularmente, o que nos estimula na nossa atividade empresarial é mostrar que fazer a coisa certa com consciência socioambiental dá certo economicamente.

Valor: Natura é um exemplo que dá para ganhar dinheiro agindo assim?

Leal: Tentamos demonstrar que é possível. Que não é só bom-mocismo, que também é inteligência. Que dá para ganhar dinheiro. Gerar prosperidade, emprego, dividendos, renda. Essa é a nossa missão de vida. Neste momento, a situação brasileira é preocupante.

Valor: Em qual dos contextos?

Leal: Não só o brasileiro, mas o quadro global, com as lideranças se voltando para o nacionalismo. Eu acho um desperdício.

Valor: Um desperdício?

Leal: Sim, essa coisa do nacionalismo. Historicamente as sociedades inventaram as guerras para resolver problemas econômicos, questões geopolíticas e como forma de estimular o desenvolvimento tecnológico. Nós temos uma grande guerra, que é a crise ambiental climática. Nós, nações do mundo, poderíamos ter um inimigo comum, e não precisaríamos lutar uns contra os outros, se lutássemos contra isso.

Valor: Como é possível abrir essa bandeira, para que não seja uma pauta percebida apenas como da esquerda?

Leal: É um absurdo, pensar que é uma pauta da esquerda. Veja a Alemanha. A China, marxista com pitadas de capitalismo e pouco democrática, está se tornando uma grande liderança ambiental.

Valor: A China está tomando a dianteira, reflorestando seu território inteiro.

Leal: É uma discussão pouco qualificada dizer que o ambientalismo é uma bandeira de esquerda. É a mesma coisa que dizer que o nazismo era de esquerda. Uma coisa sem sentido.

Valor: Como se faz com que traz a sociedade entenda tudo isso?

Leal: Existe um desafio de linguagem. Temos discutido bastante esse ponto. É preciso ter bom senso em lidar com as coisas, entender que não é conservar ou produzir, mas conservar e produzir. Que é também incluir, considerar que temos mais de 2 bilhões de pessoas abaixo da linha de pobreza no mundo. Acho que está faltando uma competência de comunicação para essas forças.

Valor: Quais forças?

Leal: As forças de extrema direita estão com um discurso muito polarizado, dominando as novas mídias e a formação de opinião. São muito competentes nisso. Com linguagem rancorosa, mas efetiva. É um desafio nosso, de quem quer ver as coisas progredirem de maneira responsável, de encontrar maneiras mais simples e eficazes de se comunicar. Temos um linguajar muito complexo, não conseguimos explicar com clareza, e com isso estamos perdendo público, apoio político e força. E portanto políticas públicas que precisariam ser adotadas não estão sendo. Pelo contrário, estamos enfrentando até retrocessos. Esse é um grande desafio. Comunicar não só com as novas gerações que estão assumindo o poder, mas com a população em geral, para que se perceba que a crise climática e a necessidade do desenvolvimento sustentável são necessidades de cada um de nós. O nosso cotidiano é afetado por isso. “Tentamos demonstrar que é possível. Não é só bom­mocismo, que também é inteligência. Que dá para ganhar dinheiro”.

Valor: O que existe no Brasil neste momento é um silêncio atemorizado. Os cientistas têm sido mais vocais, mas vários, em várias áreas, têm tido receio de se expressar sobre o que está acontecendo. O que o sr. acha?

Leal: Em primeiro lugar, todos nós brasileiros temos que respeitar os resultados das eleições. O governo atual foi legítima e democraticamente eleito, portanto, temos que esperar que governe e seja bem-sucedido para o bem de todos os brasileiros. Que governe não só para os que o elegeram, mas para todos. Em segundo lugar, tem uma agenda econômica que obviamente precisa ser implementada.

Valor: O sr. se refere às reformas?

Leal: O Brasil não se sustenta mais. A política econômica que vinha sendo adotada pelos governos anteriores naufragou. Existe uma discordância com uma série de posturas comportamentais [do governo de Jair Bolsonaro] em várias áreas, mas existe ao mesmo tempo um apoio, até uma esperança, de que possa prosperar a reforma da Previdência e outras várias. É preciso simplificar e melhorar o ambiente de negócios.

Valor: O sr. se refere a um apoio do setor privado à agenda econômica liberal, mas não à pauta ambiental e comportamental.

Leal: Exatamente, não à pauta comportamental. É isso que vejo predominantemente. Porque há necessidade de criar e melhorar o ambiente de negócios, não para as empresas, mas para gerar mais emprego e prosperidade. É óbvio que temos um sistema tributário totalmente disfuncional. É uma coisa absurda, uma loucura fazer negócios no Brasil tanto para o microempresário como para a megaempresa multinacional.

Valor: Por isso o silêncio empresarial?

Leal: Esta é uma interpretação talvez superficial, mas é um pouco da realidade que vejo acontecer. Existe, por um lado, um desejo que este governo prospere e faça evoluir a pauta econômica, e, por outro lado, uma perplexidade diante de diversas posturas e campos do comportamento, ou de comércio exterior e várias outras áreas. As pessoas ficam então temerosas de se manifestar, parecendo que estão contra uma pauta que é relevante e que está hoje sendo discutida no Congresso. Os empresários precisam, para gerar investimento e emprego, ter confiança no desenvolvimento da economia. Precisamos que várias dessas reformas prosperem.

Valor: Como o sr. enxerga os caminhos da política no Brasil de hoje?

Leal: A gente olha com preocupação a relação entre o Executivo e o Congresso. Não adianta não gostar de política. Política é da realidade, é a democracia. Fora da política, o que existe? A barbárie? A guerra? A agressão? Precisa se fazer política e fazer uma reforma, não é uma coisa simples. Especialmente uma reforma previdenciária ou tributária, em qualquer país do mundo são altamente complexas. Então, tem que usar a liderança, a força das urnas. Foi eleito? Que bom. Use essa sua competência particular. Velha política, nova política, não interessa. Tem que existir liderança e fazer prosperar as ideias que precisam ser implementadas. É isso o que a gente espera que aconteça.

Valor: Porque o Instituto Arapyaú está apoiando um evento como o realizado em Harvard ou uma ferramenta de alerta de desmatamento como o MapBiomas Alerta?

Leal: Negócios comprometidos com a mudança são fundamentais para promover uma sociedade de melhor qualidade. Tenho ambição, como brasileiro, de viver em um país com melhor qualidade de vida. Não quero sair do Brasil. Esta é uma tentação nos dias de hoje, mas eu ainda tenho esperança de ver um Brasil melhor. E para ver um Brasil melhor, tem que haver empresas mais comprometidas, fazendo o que tem que ser feito, com ética, com responsabilidade social, com responsabilidade ambiental. É suficiente? Não.

Valor: O que mais precisa, na sua opinião?

Leal: A sociedade civil precisa estar organizada. Nós, como cidadãos, precisamos exercer nossa cidadania de maneira plena e nos articularmos em torno de organizações da sociedade civil para exercer controle social, propor políticas públicas, monitorar o desempenho de governos. Precisamos da academia, de ciência, de tecnologia para poder prosperar e gerar inovação.

Valor: Inovação e tecnologia estão hoje em baixa no Brasil, completamente sem estímulo público. Mas há iniciativas privadas, como o Instituto Serrapilheira, de Branca Vianna e João Moreira Salles.

Leal: Exatamente. As iniciativas privadas não substituem uma ação de Estado na promoção do desenvolvimento acadêmico, mas são fundamentais. Idealmente deveriam se complementar. E, finalmente, sem a política não se muda, não se promove mudança em escala. Precisamos trazer juntos os diversos elementos, os diversos atores sociais, o Estado, o setor privado, o setor acadêmico, a sociedade civil organizada, para promover esta mudança. Temos que olhar lá para a frente e dizer: qual é o nosso desejo? O que nos une? Que tem muita coisa que nos separa, nós sabemos. Mas temos que encontrar aquilo que nos une para construir um caminho de desenvolvimento, para este Brasil do futuro que nunca chega. O Arapyaú e outros movimentos dessa ordem vão nessa direção.

Valor: Há décadas se ouve que a Amazônia precisa de um desenvolvimento diferente de São Paulo e Rio. O climatologista Carlos Nobre diz que, se seguirmos com o desenvolvimento do passado, perderemos a floresta.

Leal: A Amazônia é uma riqueza, um bioma tão importante para o Brasil e para o mundo. Acredito que a biotecnologia é um vetor do conhecimento humano que vai promover uma grande revolução nas próximas décadas. Juntando isso com inteligência artificial e nanotecnologia, obviamente abrimos uma avenida de desenvolvimento fantástica. Nós todos, não só o Brasil, nunca conseguimos investir nesse caminho até hoje. A Amazônia, infelizmente, é o quintal da maioria dos países amazônicos, o quintal dos fundos da Colômbia, do Peru e da Venezuela. E ali é um ambiente de guerrilha, de tráfico, de doenças.

Valor: Qual o seu sonho para a Amazônia?

Leal: Que lá fosse uma grande universidade panamericana produtora de um conhecimento valiosíssimo para a humanidade, em torno da biotecnologia. Este é um sonho que gostaria de ver realizado. É sonho? É. Mas as coisas começam assim. É atrás deles que a gente tem que correr.

Valor: E o negócio da Natura com a Avon?

Leal: Não posso comentar. Mas é uma aposta que pode dar certo. A jornalista viajou a Boston a convite do Instituto Arapyaú.

Fonte: Jornal Valor Econômico

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