Nos próximos 10 anos, o investimento esperado em IA no setor da saúde será de quase US$ 188 bilhões — Foto: Getty Images

Nos próximos 10 anos, o investimento esperado em IA no setor da saúde será de quase US$ 188 bilhões — Foto: Getty Images

 

Irène Foglierini é professora de Procurement and Supply Chain na ESCP Business School e presidente do comitê de compras da APHP, que reúne 39 hospitais públicos de Paris. Ela vem ao Brasil na próxima semana participar do International Innovation Seminar, evento com foco em inovação e tecnologia realizado pelo Insper entre os dias 28 e 31 de agosto, em São Paulo

 

Por Louise Bragado, Época NEGÓCIOS

 

Considerado um dos setores mais promissores para a aplicação de soluções com IA generativa -- do diagnóstico antecipado à produção de novos medicamentos e vacinas --, a indústria da saúde vem ganhando a atenção do mercado. Em 2022, foi a área de foco de IA com maior investimento, na casa dos US$ 6,1 bilhões (R$ 30,3 bilhões), segundo dados do 2023 AI Index Report, da Universidade de Stanford. E os investimentos só devem crescer.

"O setor da saúde sempre foi aberto às inovações tecnológicas, e a chegada da inteligência artificial está causando uma reviravolta, graças à massiva disponibilidade de dados. Nos próximos 10 anos, o investimento esperado no setor da saúde será de quase US$ 188 bilhões", diz Irène Foglierini, professora de Procurement and Supply Chain na ESCP Business School, uma das mais prestigiadas escola de negócios do mundo, e presidente do comitê de compras da APHP (Assistance Publique–Hôpitaux de Paris), que reúne 39 hospitais públicos de Paris, na França.

Irène vem ao Brasil na próxima semana participar do International Innovation Seminar, evento com foco em inovação e tecnologia realizado pelo Insper entre os dias 28 e 31 de agosto, em São Paulo. A especialista falará no dia 30 (quarta-feira), no painel "The Use of Artificial Intelligence in Health Area".

 whatsapp-image-2023-08-21-at-10.18.42.jpeg?profile=RESIZE_400xIrène Foglierini — Foto: Reprodução LinkedIn

 

 

Para Irène, o uso mais promissor da IA se situa na descoberta de novos medicamentos e na personalização dos cuidados médicos. "A IA vai acelerar o longo e caro processo de pesquisa e desenvolvimento farmacêutico, além prever doenças em certas pessoas. Também será possível personalizar os cuidados médicos e melhorar o uso dos medicamentos, principalmente para doenças como o câncer, diabetes ou, ainda, certas doenças raras que não são com frequências pesquisadas, e ter uma observância contínua e em tempo real do paciente, com a possibilidade de alertar o médico em caso de anomalia", diz a especialista, em entrevista por e-mail a Época NEGÓCIOS.

 

Uso ético da IA

Os desafios também são muitos. Assim como em outras indústrias, existe a preocupação com o tratamento e a proteção dos dados utilizados pelos modelos que treinam a IA -- na saúde, há o agravante de que os dados são, na maior parte das vezes, informações extremamente sensíveis. "Se certas informações chegam na empresa, no seguro, no banco do paciente, nós podemos imaginar os problemas com os quais ele será confrontado", diz Irène.

"Fora os problemas de responsabilidade e de ética, temos também que abordar os erros que podem ser gerados pela IA. Os algoritmos de IA são treinados em dados históricos e podem reproduzir os vieses existentes nesses dados. Se os dados usados para treinar o algoritmo não forem representativos da população, isso pode trazer consequências negativas para as decisões tomadas pela IA, tais como erros de julgamento e discriminação", acrescenta.

Irène ainda cita o resguardo médico que deve existir em qualquer uso da IA dentro da medicina, em laboratórios ou empresas que prestam serviços ao setor. "Na medicina, uma das principais regras da ética é tratar qualquer pessoa que necessite de intervenção médica. É nesse princípio que a IA médica deve se basear. Os benefícios futuros devem estar disponíveis para toda a população, sem motivos ocultos de custos ou de benefícios", diz.

"A IA deve ser um suporte. A equipe médica deve guardar a responsabilidade dos cuidados médicos prescritos a um paciente. Além disso, os algoritmos de IA são conduzidos por programas de software cada vez mais complexos. Um bug se tornaria difícil de gerenciar e pode causar problemas de transparência e responsabilidade. Esses bugs podem acarretar sérios riscos que põem a vida humana em perigo", reforça.

 

Investimento ainda é barreira nos laboratórios

Atenta à adoção da tecnologia pelo setor, Irène avalia que a IA chegou relativamente tarde na indústria farmacêutica, em comparação com outros segmentos da atividade. Ela diz que vários fatores podem explicar esse atraso, entre eles a especificidade dos dados utilizados na indústria farmacêutica, porque os dados de saúde são particularmente sensíveis e sua utilização é regida por numerosos regulamentos, como o RGPD na Europa, por exemplo.

Também afirma que a indústria farmacêutica é um campo complexo que requer numerosos estudos e ensaios clínicos antes que um medicamento possa ser lançado no mercado. "A IA pode ser usada para acelerar e otimizar esses processos, mas implementá-la requer um investimento significativo de dados e tempo, além de equipamentos e pessoal especializado, o que pode ser um freio para alguns laboratórios que precisam lidar com um aumento nos custos de pesquisa e desenvolvimento", avalia.

Apesar disso, ela acredita que a IA continuará crescendo na indústria farmacêutica, e cita outra contribuição da tecnologia: a redução na pegada de carbono dos laboratórios. "Um estudo recente mostra que os laboratórios farmacêuticos emitem 52 milhões de toneladas de CO² por ano, mais do que o setor automotivo. A IA pode desempenhar um papel importante na redução da pegada de carbono desta indústria, ao otimizar os processos de produção de medicamentos", avalia.

 

Aplicações da tecnologia

A especialista lembra que a barreira "custo" também tem implicações na adoção de IA generativa nos hospitais, que costumam lidar com restrições orçamentárias. Apesar disso, ela aponta que já existem exemplos de uso de IA nos blocos operatórios, especialmente nas intervenções em doentes frágeis ou idosos.

"Um programa analisa determinadas informações específicas em tempo real, como a variação da pressão arterial, e as compara a um banco de dados com milhares de dados existentes. A IA é capaz de alertar os profissionais em caso de risco de ocorrência de hipotensão rápida. Isso permite antecipar e preparar o tratamento adequado, em vez de ver a equipe médica intervir em caso de emergência. Esta antecipação salva vidas", relata.

Outro exemplo citado por Irène é um dispositivo de IA, em vigor desde novembro de 2020 em certos hospitais na França, que ajuda a identificar melhor os pólipos do cólon durante os exames de colonoscopia. A tecnologia permite detectar precocemente qualquer tipo de câncer.

No Instituto Curie, em Paris, algoritmos de IA analisam milhares de amostras de tumores. Eles são capazes de detectar certas células tumorais que os médicos não conseguem visualizar com as ferramentas que já possuem. Eles indicam também quais são as células que respondem aos tratamentos.

"Estes exemplos mostram o interesse da utilização da IA no mundo hospitalar, mas os custos são muito altos e a maioria das experiências se limitam a um número reduzido de pacientes", aponta a especialista.

 

IA na saúde brasileira

Irène destaca a forte desigualdade de acesso no sistema de saúde brasileiro como um ponto de atenção na adoção da IA generativa. "Os grandes hospitais particulares têm meios de implementar todos os avanços que podem ser trazidos pela IA. Os hospitais públicos, com orçamentos insuficientes, têm um parque de equipamento muitas vezes ultrapassado ou inutilizável por falta de manutenção", diz.

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