IA: O robô que dá nova vida a velhos medicamentos

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O aprendizado profundo revela o potencial dos medicamentos existentes para atingir diferentes doenças

 

Por Matthew Hutson
Ilustração de Patrick Edell

 

Levar um novo medicamento de uma ideia da lousa para a prateleira da farmácia geralmente requer um investimento de US$ 2,6 bilhões em média e pelo menos uma década para guiá-lo através de testes laboratoriais e testes clínicos — apesar do ritmo recorde de desenvolvimento das vacinas para a COVID-19.

Uma maneira de disponibilizar medicamentos de forma mais rápida, no entanto, é encontrar novos usos para os milhares de medicamentos já aprovados para outras indicações, reduzindo seu caminho para a disponibilidade pública.

O exemplo mais famoso de uma droga reaproveitada pode ser o sildenafil. Originalmente projetado para controlar a hipertensão e a dor no peito, os médicos descobriram em ensaios clínicos iniciais que ele tinha o efeito colateral não intencional de dar aos homens maiores ereções. Para tirar proveito desse efeito colateral, o sildenafil foi testado como um tratamento para disfunção erétil, e em poucos anos tornou-se a droga multibilionária da Pfizer, o Viagra.

Mas enquanto a reposição de medicamentos normalmente acontece através de descobertas casuais, um novo estudo sugere que a inteligência artificial (IA) poderia ajudar a filtrar os dados clínicos e descobrir outros Viagras escondidos realizando uma espécie de ensaio clínico virtual.

Liderado por Ping Zhang, cientista da computação da Universidade Estadual de Ohio, o estudo abordou o MarketScan Commercial Claims and Encounters, um conjunto de dados anônimos, de reivindicações de seguros, de mais de 100 milhões de pessoas, na esperança de encontrar tratamentos ocultos para doenças das artérias coronárias. Cerca de um milhão de pacientes, no banco de dados, foram diagnosticados com a doença, e, juntos haviam tomado mais de mil medicamentos diferentes. A ideia era ver, para todas as pessoas que tinham doença arterial coronariana, se alguma das drogas que haviam tomado os ajudou a experimentar menos sintomas.

O sistema usou uma rede neural "recorrente", um software de Inteligência Artificial inspirado na arquitetura do cérebro. Ele digeriu dados de históricos médicos sobre quais drogas essas centenas de milhares de pessoas tomaram e com quais condições foram diagnosticadas. Isso permitiu que eles fizessem uma predição para cada pessoa, com base puramente no histórico médico, se receberam alguma das 55 drogas. Tal probabilidade é chamada de pontuação de propensão.

O objetivo dos pesquisadores era controlar estatisticamente esses escores de propensão, contando insuficiências cardíacas e derrames — complicações graves da doença arterial coronariana — para os grupos de teste e de controle dentro de dois anos após o paciente do teste receber uma droga. Os pacientes de teste tinham sido previamente prescritos um dos 55 medicamentos alvo, e os pacientes de controle tinham sido prescritos medicamentos aleatórios e alternativos.

"Você pode pensar nisso como: eu posso fazer testes clínicos em 55 medicamentos ao mesmo tempo", diz Zhang — tudo sem prescrever uma única pílula. Então é uma ideia louca.

Seu sistema mostrou 16 drogas que pareciam ter efeitos significativos em derrames e insuficiência cardíaca, nove das quais tiveram efeitos benéficos. Dos nove, apenas três foram oficialmente indicados para doença arterial coronariana. Para os outros seis, os pesquisadores analisaram a literatura e encontraram evidências que sustentassem seu uso para doença arterial coronariana. O método de aprendizagem profunda também encontrou três combinações de tratamento, pares de drogas que não funcionavam por conta própria, mas que funcionavam em conjunto. O trabalho foi publicado no mês passado na Nature Machine Intelligence.

O trabalho é "incrível", diz Kristen Fortney, CEO da BioAge Labs, que busca reutilizar medicamentos para o anti-envelhecimento, e não estava envolvida na pesquisa. "Eles têm alguns resultados realmente emocionantes."

 

"Posso fazer testes clínicos em 55 medicamentos ao mesmo tempo, tudo sem prescrever uma única pílula."

 

 

A maioria dos esforços de repuração de medicamentos baseados em computador não depende de dados de pacientes, mas de dados pré-clínicos de testes de laboratório, análises genéticas ou simulações. Os autores compararam seu sistema com três métodos que utilizam informações sobre a estrutura das drogas e interações químicas. Enquanto três drogas das nove melhores escolhas de seu método foram indicadas para doença arterial coronariana, apenas uma ou duas das nove melhores escolhas dos outros métodos foram.

Fortney diz que uma vantagem de usar dados pré-clínicos é que você pode olhar para um universo muito mais vasto de drogas, "qualquer coisa que tenha sido testada em laboratório." Por outro lado, "os resultados clínicos sempre podem surpreendê-lo. Você pode ter uma grande teoria, mas até que  realmente uma pessoa utilize a droga, todas as apostas estão fora.

Yuan Luo, diretor de IA do Instituto de Ciências Clínicas e Translacionais da Universidade Northwestern, que não estava envolvido na pesquisa, comentou ser "um estudo muito interessante" e diz que um próximo passo pode ser aplicá-lo a registros eletrônicos de saúde, que contêm informações mais ricas do que os sinistros de seguro, como resultados de testes, e também incluem raça, que é um ponto de confusão nos dados médicos. Apenas os registros eletrônicos de saúde, no entanto, podem fornecer um quadro fragmentado, à medida que os pacientes migram entre diferentes hospitais e clínicas, combiná-los com dados de sinistros seria ideal, diz Luo.

Zhang diz que essa demonstração é apenas o começo e espera aplicar o método a outras doenças. As doenças raras podem ser um dos objetivos, pela dificuldade em recrutar pacientes para novos testes clínicos em larga escala. Mas a redefinição também pode ajudar com a Covid-19, agora que temos um ano de dados. Zhang é rápido em apontar que qualquer coisa que o computador sugere ainda requer mais testes, e a IA não é provável que substitua especialistas humanos tão cedo. No entanto, ele acrescenta: "A IA mais os cientistas, ou IA mais os médicos substituirão os médicos sem a IA."

 

Por Matthew Hutson em 11 de fevereiro de 2021

Matthew Hutson é um escritor de ciências independente em Nova York que cobre psicologia, inteligência artificial e outros tópicos. Escreve para o The New Yorker, Science, Scientific American, e outras publicações, e é autor de As 7 Leis do Pensamento Mágico.

 

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