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Implante biodegradável para aliviar a dor não utiliza medicamentos e pode combater o vício em opioides. Divulgação / Northwestern University

 

Dispositivo desenvolvido por cientistas americanos atua resfriando e deixando dormentes os nervos que sinalizam a dor para o cérebro

 

Por Bernardo Yoneshigue | O Globo

 

Um dispositivo biodegradável desenvolvido por pesquisadores da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, pode se tornar em breve uma importante estratégia para o alívio de dores, atuando por meio de um implante no corpo sem a necessidade de medicamentos. Por isso, os responsáveis pela iniciativa acreditam que o aparelho, primeiro do tipo, será uma alternativa às medicações analgésicas com alto poder aditivo, como os opióides. Em estudo publicado ontem na revista científica Science, os cientistas detalham o projeto e a eficácia em testes com animais.

O dispositivo tem apenas cinco milímetros de largura e é inserido na área onde a sensação é desejada, envolvendo os nervos que enviam o sinal da dor até o cérebro. Ele funciona por meio de ativação externa, sob demanda, e parte de um conceito simples: o de que aplicar temperaturas mais baixas sobre uma região ajuda a minimizar a dor.

Quando ativado, ele resfria o nervo sensitivo em que está envolvido, deixando-o dormente e bloqueando o sinal da dor para o cérebro. O comando externo permite ainda que o usuário altere a intensidade do efeito. Com o tempo, quando o aparelho já não é mais útil, o próprio corpo absorve o material, que é solúvel em água, dispensando a necessidade de uma cirurgia para remoção.

“A tecnologia explora mecanismos que têm algumas semelhanças com aqueles que levam os dedos a ficarem dormentes quando estão frios. Nosso implante permite que esse efeito seja produzido de forma programável, direta e localmente para os nervos alvo, mesmo aqueles profundamente dentro dos tecidos", explica o pesquisador de bioeletrônica John Rogers, professor da universidade e líder do desenvolvimento do dispositivo, em comunicado.

 

Para os cientistas, a novidade tem maior potencial para pacientes que precisam de fortes analgésicos após procedimentos cirúrgicos, por exemplo. Eles afirmam que os médicos poderão inserir o dispositivo já durante a operação, eliminando a necessidade do uso de medicamentos que têm um alto poder aditivo, como os opióides, no pós-operatório.

"Embora os opióides sejam extremamente eficazes, eles também são extremamente viciantes. Como engenheiros, somos motivados pela ideia de tratar a dor sem (o uso de) drogas – de maneiras que possam ser ativadas e desativadas instantaneamente, com controle do usuário sobre a intensidade do alívio”, defende Rogers.

 

Dispositivo é solúvel em água; veja vídeo

 

Crise dos opióides

A preocupação com o uso exacerbado dos opióides é devido ao maior consumo do analgésico nos últimos anos e do aumento no número de pessoas viciadas na substância. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde se fala em uma epidemia do vício, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças do país (CDC) registraram cerca de 500 mil mortes por overdose da substância, tanto de uso ilegal como prescrito, entre 1999 e 2019. Em 2020, de acordo com o órgão, foram 68.630 óbitos, número que representa 74,8% do total de overdoses no ano, tornando os opióides a principal causa do quadro no país.

A crise dos opióides não chegou ao Brasil com tanta força, mas também acende um sinal de alerta. Em 2019, uma pesquisa sobre drogas conduzida pela Fiocruz mostrou que ao menos 4,4 milhões de brasileiros, 2,9% da população, já utilizaram a substância alguma vez de forma ilegal. Além disso, um estudo brasileiro publicado na revista científica American Journal of Public Health analisou o cenário a partir de dados da Anvisa e constatou um aumento de 465% na venda dos analgésicos entre 2009 e 2015.

Entenda como o implante resfria os nervos

O grande diferencial do implante é produzir o efeito analgésico sem a necessidade de medicamentos. Para isso, o dispositivo tem dois canais minúsculos, em que um passa um líquido chamado de perfluoropentano e, no outro, o gás nitrogênio seco. Ambos são direcionados a uma espécie de câmara e, quando se encontram, produzem uma reação que leva à imediata evaporação do líquido e a consequente diminuição da temperatura da região.

"À medida que você esfria um nervo, os sinais que viajam através dele tornam-se cada vez mais lentos – eventualmente parando completamente. Estamos mirando especificamente os nervos periféricos, que conectam o cérebro e a medula espinhal ao resto do corpo. Esses são os nervos que comunicam estímulos sensoriais, incluindo a dor. Ao fornecer um efeito de resfriamento a apenas um ou dois nervos-alvo, podemos modular de forma eficaz os sinais da dor em uma região específica do corpo”, explica o autor do estudo Matthew MacEwan, pesquisador da Universidade Washington, nos Estados Unidos, que também participa do projeto.

 

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Na ilustração, a linha amarela representa o nervo; a área vermelha, o local onde está a dor e o objeto na cor cinza é o implante, bloqueando a transmissão da dor ao cérebro. — Foto: Divulgação / Universidade Northwestern

 

o aparelho, há ainda um sensor que monitora a temperatura e impede que o frio ultrapasse um limite que levaria a danos no tecido do nervo. Os cientistas explicam que, além disso, o mais importante também é garantir que apenas os nervos sensitivos sejam adormecidos, para não haver o risco de afetar um nervo motor e provocar perda de movimento.

"Você não quer resfriar inadvertidamente outros nervos ou tecidos que não estão relacionados ao nervo que transmite os estímulos dolorosos. Queremos bloquear os sinais de dor, não os nervos que controlam a função motora e permitem que você use a mão, por exemplo”, pontua MacEwan.

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