Paulo César Morceiro: “O setor industrial foi muito penalizado; seu desenvolvimento foi bruscamente interrompido”
A indústria brasileira vem perdendo participação no Produto Interno Bruto (PIB) há décadas e agora um estudo mostra que seus segmentos mais avançados tecnologicamente tiveram uma perda de peso prematura – e por isso mais grave.
O peso dos setores industriais de alta intensidade tecnológica chegou a quase 10% do PIB em 1980, no seu melhor momento, e caiu a 5,8%, a preços de 2016. O segmento de elétrica, informática e eletrônicos saiu de 1,1% do PIB e caiu para 0,9% no mesmo período. Esse setor, que nunca chegou a ter grande fatia na economia nacional, caminhou na contramão global, já que ganhou importância na indústria e no comércio internacionais nas últimas décadas.
No agregado, o peso da indústria brasileira no PIB chegou a 21,3% em 1980 e reverteu a tendência a partir de 1981. Desde então, deixou de ser “o motor” do crescimento. Em 2016, chegou a 12,5%.
Os números foram calculados pelo economista e pesquisador Paulo César Morceiro, do Núcleo de Economia Regional e Urbana da Universidade de São Paulo (Nereus/USP), autor do estudo ao lado de Joaquim José Martins Guilhoto. O trabalho criou séries inéditas, a preços constantes, da participação de 13 segmentos no PIB entre 1970 e 2016, a partir de dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Eles foram reunidos em dois grupos, de alta e baixa intensidade tecnológica.
Os segmentos mais tecnológicos tendem a ter maior crescimento da demanda no futuro, empregam mão de obra qualificada e contribuem de forma mais contundente para o desenvolvimento da economia. Por isso, sua perda de peso preocupa mais que a de outros setores, afirma Morceiro.
Estudos mostram que a indústria começa a perder participação no PIB numa etapa intermediária do desenvolvimento do país, quando a renda per capita atinge US$ 20 mil em paridade poder de compra (PPC), segundo valor atualizado em 2016 pelo economista turco Dani Rodrik, da Universidade Harvard, citado no trabalho. Em 1981, quando a indústria brasileira em geral começou a perder peso, de forma prematura, a renda per capita do país era de apenas US$ 10,8 mil. Em 2016, chegou a US$ 15 mil. O cálculo em PPC leva em conta os diferentes custos de vida dos países e permite, com isso, que os níveis de renda sejam comparados de forma adequada.
Outros trabalhos apontam que setores menos tecnológicos atingem o pico de seu peso no PIB quando a renda vai até US$ 8 mil, setores intermediários chegam ao topo com renda entre US$ 8 mil e US$ 18,5 mil e, os mais tecnológicos, acima de US$ 18,5 mil.
style="display:block; text-align:center;" data-ad-layout="in-article" data-ad-format="fluid" data-ad-client="ca-pub-6652631670584205" data-ad-slot="4150813131">Olhando os segmentos da indústria brasileira, aqueles que atendem necessidades básicas, como vestuário e calçados, perderam bastante peso já na década de 1970. Mas, nesse caso, é algo considerado normal diante do nível de renda do país. Já a perda de peso de máquinas e equipamentos, química e veículos ocorreu em níveis de renda per capita bem inferiores ao esperado e por isso é considerada anormal e prematura, diz o estudo. Outros segmentos, como o farmacêutico, material elétrico, informática e eletrônica, não seguiram uma trajetória esperada dado o nível de renda do país. “Esse caso prematuro é grave, pois eles deveriam estar crescendo”, afirma Morceiro.
As causas são várias. A instabilidade macroeconômica das últimas décadas é uma das principais. A crise da dívida externa nos anos 1980, períodos de câmbio sobrevalorizado, juros elevados e recessões econômicas entram na conta. “O setor industrial foi muito penalizado. O seu desenvolvimento foi bruscamente interrompido e o Brasil não conseguiu atingir maturidade nessa área”, diz Morceiro.
Os segmentos mais tecnológicos hoje puxam a chamada indústria 4.0, uma etapa da industrialização da qual o país está distante. “Podemos ter alguns avanços, com mecanização, por exemplo, mas não devemos ir longe”, diz.
Glauco Arbix, professor titular da Universidade de São Paulo e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), diz que a economia brasileira, de baixo desempenho, nunca foi puxada por setores de ponta e isso se reflete na indústria. “Os países que mais se desenvolveram foram puxados por empresas de alto dinamismo, que aceleram o conjunto da economia. Nunca tivemos isso”, diz, observando que o número de empresas desse tipo no país se limita a no máximo uma dezena, Embraer entre elas.
É necessário ter os fundamentos da economia funcionando, mas não só, diz Arbix. Ele aponta que as políticas de subsídios deixaram o setor “viciado em uma competição que não é plena” e a falta de abertura preservou empresas menos eficientes. “Estamos parados desde os anos 1980, quando o desenvolvimentismo se esgotou”.
Ele também aponta a precariedade da educação e o ambiente econômico, que não ajudam a inovação a deslanchar no país. “Fora das empresas é tudo muito hostil. É carga tributária, infraestrutura precária. Sem resolver isso, não adianta ter uma política industrial bem elaborada, porque ela vai ter efeito limitado.”
Fonte: Valor Online
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