Estudo sugere que medicamentos destinados a regular as substâncias no cérebro são pouco mais eficientes que placebos(Bloomberg/Bloomberg Creative Photos)
Uma observação reveladora sobre os dados do estudo do medicamento é que o efeito do placebo é enorme
by Faye Flam | Bloomberg
Bloomebrg Opinion — Os medicamentos mais populares contra depressão consumidos por milhões de pessoas, não funcionam ao corrigir um “desequilíbrio dos neurotransmissores do cérebro”, como muitas propagandas afirmam ou sugerem. Isso ocorre porque a depressão não é causada por um desequilíbrio químico, segundo nova análise publicada na revista Molecular Psychiatry. Isso não significa necessariamente que as pessoas devem parar de tomar esses medicamentos, conhecidos como inibidores seletivos da recaptação de serotonina (SSRI). Outro novo estudo utilizou dados clínicos para comprovar que eles ainda podem ajudar algumas pessoas deprimidas.
Mas compreender claramente como e quando esses medicamentos funcionam é importante porque eles são extremamente populares. Uma extensa pesquisa dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos constatou que mais de 13% dos americanos com mais de 18 anos relataram ter tomado SSRIs entre 2015 e 2018.
A análise destinada a desmascarar a teoria do desequilíbrio químico foi conduzida por Joanna Moncrieff, professora de psiquiatria na University College London. Há muito, Moncrieff é cética quanto às SSRIs, como já expressou em seu livro The Myth of the Chemical Cure (“O Mito da Cura Química”, em tradução livre).
Alguns psiquiatras responderam que os medicamentos poderiam funcionar de outra forma. Christopher Davey da Universidade de Melbourne, em matéria para o site The Conversation, apontou que a chamada teoria da serotonina é mais uma manobra publicitária que um paradigma científico. Ela é usada para vender medicamentos, mas as pessoas mais atenciosas da área reconhecem que a depressão é uma condição complexa com raízes tanto psicológicas quanto biológicas. A única forma de saber como os medicamentos podem funcionar é analisar de perto os ensaios clínicos controlados.
Acontece que o outro artigo publicado na mesma época no British Medical Journal fez uma análise profunda dos dados clínicos. A equipe de autores liderada por cientistas da Food and Drug Administration dos EUA – agência equivalente à nossa Anvisa – combinou os resultados de 232 ensaios diferentes comparando SSRIs com placebos para pacientes com depressão. Assim, tiveram o equivalente a um grande ensaio com mais de 73 mil pacientes.
Eles constataram que os medicamentos funcionam melhor que os placebos – mas só em cerca de 15% dos pacientes.
Uma observação reveladora sobre os dados do estudo do medicamento é que o efeito do placebo é enorme. Cerca de dois terços dos pacientes no grupo tratado com placebo apresentaram melhora. Aqueles tratados com o medicamento tinham apenas uma probabilidade ligeiramente maior de melhorar, e a magnitude de sua melhora era um pouco melhor do que aqueles que receberam placebo. O poder do efeito placebo poderia ajudar a explicar o motivo pelo qual tantos pacientes tiveram melhora com medicamentos.
Um dos autores do estudo é Irving Kirsch, diretor associado do centro de estudos de placebo da Harvard Medical School. Ele diz que há uma diferença entre o efeito placebo e uma resposta ao placebo em um ensaio específico. O efeito placebo é um fenômeno psicológico no qual a percepção de ser tratado faz com que as pessoas se sintam melhor. O efeito é mensurado mesmo quando as pessoas sabem que estão tomando um comprimido de açúcar. Mas a resposta ao placebo em um ensaio com medicamentos também pode incluir recuperações que acontecem por conta própria. Os sintomas de depressão flutuam, portanto as pessoas podem acabar se sentindo melhor mesmo sem receber tratamento.
No estudo que compilou dados clínicos, Kirsch afirmou que acredita que as pessoas que receberam o placebo provavelmente melhoraram através de uma combinação de evolução sem ajudas e efeito placebo. A perda de esperança é parte da depressão, e obter um placebo pode elevar as esperanças das pessoas.
O motivo pelo qual a FDA aprovou medicamentos SSRI foi que os ensaios clínicos mostraram uma diferença modesta entre os medicamentos e os placebos. O que continuou desconhecido, até agora, foi se esse benefício apareceu porque a maioria das pessoas que receberam os medicamentos tiveram uma melhora muito pequena ou se o efeito foi mais substancial, mas só aconteceu em um pequeno subconjunto de pacientes.
A nova análise mostra que a segunda possibilidade ocorreu: os benefícios além do placebo estavam concentrados em apenas 15% dos pacientes.
Talvez a depressão tenha causas diferentes, dependendo do paciente. Embora as farmacêuticas e os simpatizantes de medicamentos às vezes comparem a depressão à diabetes e os medicamentos à insulina, alguns casos podem funcionar mais como lesões que cicatrizam com o tempo. Outros casos podem ser completamente diferentes.
Se um paciente sofre de depressão, é razoável que um médico prescreva um antidepressivo sabendo que ele ajudou 15% dos pacientes, mesmo que ainda não esteja claro como ele funciona. A possibilidade de que a maioria dos pacientes se sinta melhor através de uma ilusão levanta grandes questões éticas. Será que alguns benefícios desapareceriam se as pessoas não tivessem expectativas descomunais para esses medicamentos?
Kirsch afirma estar preocupado que os benefícios dos SSRI sejam comumente curtos. Os medicamentos não estão chegando à raiz do problema – principalmente para 85% dos pacientes. Alguns podem obter uma melhora mais duradoura com outros tratamentos, incluindo terapia.
Portanto, estes novos estudos, como um todo, mostram que é muito cedo para jogar fora todos os SSRI, mas já passou da hora de jogar fora algumas das propagandas enganosas. As propagandas que tentam perpetuar a teoria do desequilíbrio químico deveriam, no mínimo, vir com um aviso adicional: A seguinte mensagem foi algo que inventamos para vender mais. Não sabemos se isso é verdade.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial.
Faye Flam é colunista da Bloomberg Opinion e fala sobre ciência. Ela apresenta o podcast “Follow the Science”.
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