Indústria local quer investir em genéricos

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A reconfiguração global da indústria farmacêutica – que migra para a produção de medicamentos inovadores, caros e em menor escala – preocupa a Organização Mundial da Saúde (OMS) e está no rol dos recentes debates na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os impactos desse rearranjo começaram a ser sentidos no Brasil.

Representantes da indústria nacional e governo já iniciaram uma conversa com o BNDES para que o banco financie a expansão da produção local de medicamentos mais baratos, de amplo espectro e de fabricação em grande escala (genéricos). Essa é a faixa dos remédios que as grandes companhias querem deixar de produzir, por não ser mais lucrativo. Embora os contatos com o banco de fomento sejam ainda iniciais, o presidente do BNDES, Joaquim Levy, manifestou interesse e disse que “a saúde do brasileiro é uma das prioridades da instituição”. No mundo, a indústria abandona os remédios baratos.

O banco apoia programas da pasta da saúde, inclusive na pesquisa (a exemplo da que é desenvolvida com a dengue), e discute como ter, aqui, uma medicina financiável e que supere a etapa da mera produção de cópias de genéricos. A reorientação global da produção do setor e o fim da política de concessão de fartos subsídios pelo Brasil estão na raiz da decisão de duas gigantes farmacêuticas, de encerrar suas atividades no país. Em um curto espaço de tempo tanto a americana Eli Lilly quanto a suíça Roche anunciaram que vão parar de produzir no Brasil. Elas devem levar suas fábricas para países com mais incentivos fiscais e de mão de obra qualificada, além de melhor infraestrutura, tais como Espanha e Portugal. A discussão, no mundo é sobre o eventual desabastecimento de medicamentos baratos, a exemplo da penicilina. Se antes havia 20 unidades de produção da penicilina no mundo, hoje só há na Índia e na China.

Outra vertente desse debate se refere aos preços excessivos que as empresas globais estão cobrando pelos remédios para doenças raras e para o câncer. Para ter ideia do patamar dos preços, uma ampola de Spinraza – único tratamento que existe para a atrofia muscular espinhal (AME), doença genética que paralisa bebês – custa, para o governo brasileiro, cerca de R$ 218 mil e, para os importadores privados, chega a praticamente o dobro. Nos Estados Unidos, a ampola sai por US$ 125 mil. O tratamento requer seis doses no primeiro ano e três doses anuais para o resto da vida. Sem ele, o tempo médio de vida de um bebê com AME é de dois anos. Por esses preços, só os governos conseguem disponibilizá-los. A OMS repetiu, no mês passado, o debate sobre preço justo (“fair pricing”) na África do Sul. Já havia feito um em Amsterdã. Um preço justo seria aquele que é acessível para os sistemas de saúde e para os pacientes e que, ao mesmo tempo, fornece incentivos de mercado suficientes para a indústria investir em inovação e na produção de medicamentos.


A indústria internacional de fármacos, porém, está tentando testar novos patamares de preços dos medicamentos para doenças raras. Começou com a casa da dezena de milhares de dólares, passou para a faixa da centena e, em ambos os casos, os governos pagaram. Fala-se, agora, em preços de medicamentos na faixa de alguns milhões de dólares. “Está claro que tal como está não dá mais. Não há como pagar esses preços”, disse um representante da América Latina nesses fóruns. A comunidade externa, porém, ainda não tem respostas sobre como lidar com as duas disfunções do mercado de fármacos: a exorbitância dos preços de remédios para doenças raras, que têm pouca demanda, e o risco de desabastecimento dos genéricos.

Em 2013 a Fundação para o Remédio Popular (Furp), do governo de São Paulo, fez uma PPP (Parceria Público-Privada) com a Concessionária Paulista de Medicamentos (CPM), controlada pelo laboratório EMS, para fazer a gestão, operação e manutenção da fábrica de Américo Brasiliense, no interior paulista. O resultado, porém, não foi animador. O negócio dobrou o custo dos medicamentos genéricos adquiridos pelo Estado e colocou em xeque o modelo de parcerias para gestão de indústrias farmacêuticas. Pelo contrato de 15 anos, a CPM investiria cerca de R$ 130 milhões na fábrica nos cinco primeiros anos da concessão e produziria 96 tipos de medicamentos para serem distribuídos na rede pública de saúde. Passados quase seis anos, a concessionária só fez metade dos investimentos previstos, produz apenas 13 dos 96 medicamentos e cobra da Furp ressarcimento de mais de R$ 60 milhões.

O governador João Doria, diante dos problemas, estaria pensando em rescindir o contrato, que está sob investigação do Ministério Público de São Paulo e de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa. Seria o caso de se aprofundar nas razões para esse desfecho na medida em que a concessão, aparentemente, esbarrou na falta de competitividade da produção. Os representantes do setor falam muito em uma carga tributária de 33% que recai sobre os medicamentos no Brasil. Este percentual, dos mais altos do mundo, seria a soma das alíquotas nominais do PIS/Cofins e do ICMS. São muito poucos os produtos que pagam esse imposto no país, pois 75% do mercado esta desonerado. Não há incidência de tributos federais em produtos tarjados (de vermelho ou preto) e os não tarjados representam cerca de 10% a 15% do mercado. Já a alíquota efetiva do ICMS varia conforme o Estado.

Os especialistas no governo reconhecem que resta uma pequena “franja” de desoneração possível, mas asseguram que a tributação não é dos graves problemas do setor. O Brasil poderia até se habilitar a produzir genéricos com recursos do BNDES. O banco tem um pouco de dinheiro a fundo perdido que poderia compor uma linha de financiamento. Mas, se essa for uma decisão política do governo, que ela seja atrelada a investimentos em inovação. Caso contrário, a indústria, tanto estatal quanto privada, ficará apenas copiando velhas fórmulas, sem se arriscar o mínimo em pesquisa e sem sair do lugar.

Fonte: Valor Econômico

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