Uma das principais associações da indústria farmacêutica no Brasil, a Interfarma, que reúne 49 multinacionais que têm operações no país, está deixando de lado o viés preponderantemente institucional para dar lugar a uma orientação empresarial e de negócios. A mudança de perfil está refletida no novo planejamento estratégico da entidade, com 100% das metas relacionadas à melhoria de competitividade dos laboratórios, e começou pelo topo.
Com a saída de Antônio Britto da presidência executiva no primeiro semestre do ano passado, o posto foi assumido há sete meses por Elizabeth de Carvalhaes, que traz anos de experiência nas indústrias automobilística e de celulose e papel e nas relações com empresas e entidades internacionais. “A meta é inserir o Brasil no mercado global e desenvolver e ampliar a pesquisa clínica no país”, disse a executiva entrevista ao Valor. Para tanto, ao mesmo tempo em que vai intensificar a circulação internacional, a Interfarma reforçará as conversas com o governo brasileiro, cuja proposta de abertura comercial é bem vista pelas farmacêuticas multinacionais.
Para tornar mais ágil a interlocução com Brasília, hoje assessorada pela consultoria Umbelino Lobo, a associação vai montar, pela primeira vez em sua história, um escritório próprio no Distrito Federal. Antes disso, o plano é apresentar ao governo a essência dessas companhias no país e as grandes inovações em saúde que podem chegar ao mercado local nos próximos anos. A apresentação será feita em seminário programado para 4 de julho, cuja abertura contará com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Pesquisa clínica, competitividade, inovação e acesso são palavras-chave nos painéis previstos para o evento de um dia.
Especialistas do país e internacionais também farão apresentações no evento. Há temas urgentes a tratar com Executivo e Parlamento, e em determinadas situações, os interesses das multinacionais nem sempre convergem com os de laboratórios locais. É o caso do Projeto de Lei 437, de autoria do senador José Serra, que altera legislação anterior, de 1996, e determina a anuência prévia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) à concessão de patentes pelo Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI). É praticamente consenso na indústria que o aval anterior da agência vai na contramão do pleito de acelerar a análise dos pedidos de patente no país – e não é de competência da Anvisa esse tipo de análise. Porém, o projeto de lei de Serra corrigiria uma distorção de prazo de proteção de patentes de medicamentos que há muito tempo é alvo de questionamento do setor no
país – grande fabricante de medicamentos genéricos.
“O PL é incoerente com as demais propostas ao criar um grande entrave à aprovação de patentes. Essa não é uma
matéria da Anvisa”, argumentou Elizabeth, referindo-se à proposta de anuência prévia da Anvisa. Segundo a
executiva, essa questão está diretamente associada à competitividade das farmacêuticas e a ausência de agilidade
na concessão de patentes tem retardado novos investimentos no país. Ciente dessa necessidade, o governo está a caminho de anunciar novas medidas para reduzir a carteira de pedidos em análise no INPI, o que permitiria que a concessão de patentes no Brasil esteja mais alinhada ao que acontece nos mercados maduros. A agenda de curto prazo da Interfarma contempla ainda o desenvolvimento de um programa, em parceria com o Ministério da Saúde, de controle e estímulo à imunização. Reconhecido globalmente por seu programa público de vacinação, o Brasil tem registrado taxas decrescentes de adesão às campanhas, o que poderá trazer gastos adicionais com saúde no futuro e o retorno de doenças que já foram controladas. Ainda não há um modelo final, mas a intenção é criar mecanismos que ampliem a vigilância da cobertura vacinal, ao mesmo tempo em que a estimulem.
Outro ponto central é o acesso do paciente ao tratamento, e às tecnologias de ponta, que em geral demoram para chegar ao mercado brasileiro. Sob essa ótica, explica Elizabeth, a função da Interfarma é discutir e apontar caminhos para incorporação dos medicamentos e dispositivos de última geração no sistema privado e no Sistema Único de Saúde (SUS), ao mesmo tempo. Um dos meios para esse fim é justamente ampliar a participação dos pacientes brasileiros em pesquisas clínicas. Cada vez mais, as múltis estão se concentrando no estágio mais avançado do conhecimento e há risco de o país ficar mais para trás.
De acordo com Elizabeth, quanto mais visibilidade em pesquisas, mais investimentos o Brasil receberá. “É preciso trabalhar por um marco regulatório que possibilite que as tecnologias cheguem o mais rápido possível ao Brasil, que compete com outras regiões do mundo pelos projetos das multinacionais”, afirmou.
Em outras palavras, para a indústria farmacêutica, é preciso que a regulação local seja menos engessada e, eventualmente, considere que produtos que já passaram pelo crivo rigoroso da Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, ou da Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês) podem receber um tratamento mais ágil no momento de registro. dois anos na sua frente”
Análise Setorial
Ph.D. em língua e literatura alemã, ex-diretora de Relações Governamentais da Volkswagen e ex-presidente-executiva do International Council of Forest & Paper Associations (ICFPA), Elizabeth conta que titubeou quando começou a ser sondada para o comando da Interfarma, após 12 anos vinculada ao agronegócio. E mais: após o êxito nesse setor, sobretudo na união de cinco entidades em uma única associação de empresas de base florestal, a Ibá.
Mas a experiência no mundo multinacional e o gosto por gente – a escolha foi pessoal, diz a executiva – a levaram a mudar de área econômica radicalmente, mais uma vez. “Pesou o momento de vida. E o que me atraiu foi a constatação de que, na indústria farmacêutica, o consumidor que em outras áreas é tratado coletivamente, agora é um indivíduo, o paciente”.
Fonte: Valor
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