MSB120857_Medium.jpg

Chetan Ramesh Kharatmol, paciente com tuberculose resistente a medicamentos, é tratado em projeto de MSF na Índia. © Prem Hessenkamp

 

 

Estratégia das empresas impede amplo acesso a novas tecnologias de saúde, enquanto a tuberculose continua a ser a doença infecciosa que mais mata no mundo

 

by Médicos Sem Fronteiras (MSF)

 

Na semana passada, líderes mundiais se encontraram em Nova York para a segunda reunião global de Alto Nível da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre tuberculose. O objetivo da reunião foi aprovar compromissos ambiciosos para aumentar o acesso a testes, tratamento e à prevenção da doença, diante das ferramentas médicas inovadoras que se tornaram disponíveis na última década, mas que ainda não chegam a centenas de milhares de pessoas que precisam delas – em grande parte por conta dos monopólios das corporações.

Médicos Sem Fronteiras (MSF) pede às corporações norte-americanas Johnson & Johnson e Cepheid que tomem medidas para melhorar o acesso à bedaquilina (medicamento para tuberculose) e ao teste GeneXpert, respectivamente. Essas ferramentas precisam ser disponibilizadas para todos que precisem delas, onde houver necessidade.

Solicitamos à Johnson & Johnson que não imponha nenhuma patente “secundária” para a bedaquilina em países com alta incidência de tuberculose. Também pedimos à empresa que retire e abandone todos os pedidos de patentes secundárias pendentes para esse medicamento em todos os lugares.

MSF apela à Cepheid, que compõe o Grupo Danaher, que reduza o preço do GeneXpert (teste para tuberculose) de 10 dólares (cerca de 49,50 reais) para 5 dólares* (cerca de 24,75 reais).

Recentemente, a Stop TB Partnership/Global Drug Facility (GDF) anunciou uma diminuição no preço do tratamento de seis meses com a bedaquilina, que caiu para 130 dólares (cerca de 644 reais). A redução resultou na entrada de concorrentes genéricos no mercado e finalmente aproximou o valor do objetivo de 50 centavos de dólar por dia, conforme estimado em 2017. No entanto, o acesso a genéricos de menor preço será bloqueado para países com alta incidência de tuberculose na Europa Oriental e na Ásia Central, que permanecem excluídos do acordo devido a barreiras de patentes.

“Depois de um intervalo de meio século, finalmente temos medicamentos orais inovadores para tuberculose, como a bedaquilina, e testes diagnósticos cruciais, incluindo o GeneXpert. Ainda assim, as pessoas em países com alta carga da doença continuam a morrer ou a passar por sofrimentos desnecessários porque os monopólios corporativos as impedem de acessar essas ferramentas que salvam vidas”, disse Christos Christou, presidente internacional de MSF.

“Estamos pedindo à Johnson & Johnson, à Cepheid e à sua empresa-mãe, a Danaher, nos termos mais fortes possíveis, para fazer a coisa certa agora, comprometendo-se a tornar a bedaquilina e o teste GeneXpert universalmente disponíveis e acessíveis para ajudar os países a combater essa antiga doença mortal e a salvar muitas vidas mais em todo o mundo”, defende Christos Christou.

 

Entenda a estratégia de patentes adicionais sobre a bedaquilina

A bedaquilina, medicamento desenvolvido pela Johnson & Johnson, é o principal remédio recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para regimes de tratamento contra a tuberculose resistente a medicamentos (TB-DR). Ela permite um tratamento melhor, mais curto, mais tolerável e mais eficaz para pessoas com essa forma da doença.

No entanto, o acesso a versões genéricas mais acessíveis do medicamento continuará a ser bloqueado pelas “patentes secundárias” adicionais que a empresa obteve em vários países com uma alta carga de tuberculose, TB-DR ou TB-HIV (coinfecção de pessoas que vivem com HIV).

 

MSB137912_Medium-e1694551862967.jpg

Frasco de bedaquilina. © Alexandra Sadokova

 

Essa estratégia, conhecida como “evergreening” – que é a prática de registrar patentes adicionais, muitas vezes sobre uma modificação pouco relevante do produto, para estender o monopólio sobre o medicamento -, empregada pela Johnson & Johnson para ampliar o monopólio inicial de 20 anos, é revoltante, uma vez que o investimento público para o desenvolvimento da bedaquilina foi até cinco vezes maior do que o da própria corporação.

“Ninguém deveria ter que suportar o que passamos com os medicamentos mais antigos”

Após um esforço bem-sucedido de duas mulheres para bloquear a tentativa da Johnson & Johnson de obter uma patente adicional e mais longa sobre a bedaquilina na Índia, MSF pediu à empresa que retirasse todas as patentes secundárias existentes em qualquer localidade, para que todos os países pudessem importar versões genéricas mais acessíveis produzidas na Índia. Nandita Venkatesan e Phumeza Tisile sobreviveram à TB-DR, mas não puderam ter acesso à bedaquilina e precisaram tomar medicamentos mais antigos, o que fez com que as duas perdessem a audição.

A Johnson & Johnson anunciou recentemente um acordo com a Stop TB Partnership/Global Drug Facility (GDF) permitindo o acesso a genéricos em muitos países e citou uma queda de preço do curso de tratamento equivalente a seis meses para 130 dólares. No entanto, o acordo ainda exclui os principais países com alta carga de tuberculose.

“Ninguém deveria ter que suportar o que passamos com os medicamentos mais antigos, quando agora existem opções mais eficazes que podem salvar mais vidas e tornar o tratamento muito mais tolerável para as pessoas”, disse a ativista Phumeza Tisile, de Khayelitsha, na África do Sul.

 

De que adianta ter avanços médicos se eles não estão alcançando as pessoas que mais precisam deles?”
– Phumeza Tisile, ativista pela melhoria do tratamento contra a tuberculose.

 

Testes GeneXpert: empresa cobra até o triplo do valor gasto para produção

A tecnologia de testes de diagnóstico GeneXpert produzida pela empresa norte-americana Cepheid (propriedade da empresa-mãe Danaher) revolucionou o teste de tuberculose desde que entrou no mercado, em 2010. Mas, devido ao alto preço que a Cepheid continua cobrando, ampliar o teste da doença para todas as pessoas que precisam dele segue sendo um desafio e ainda força muitos prestadores de cuidados relacionados à tuberculose a utilizar testes mais baratos, mas menos sensíveis, utilizando microscópios, um método desenvolvido em 1800.

Uma análise de MSF estimou que custa à Cepheid menos de 5 dólares para fabricar um teste de tuberculose GeneXpert. Enquanto isso, a empresa tem cobrado de MSF e de países de baixa e média renda o dobro e o triplo desse preço, e até quatro vezes mais para testes de outras doenças. Com base nessas evidências, MSF pede à Cepheid que reduza o preço da unidade de cartucho GeneXpert para 5 dólares para todos os tipos de doenças.

 

Tuberculose é a doença infecciosa mais mortal do mundo

Embora tenham sido feitos avanços no combate à tuberculose, a realidade evidencia que a doença continua sendo a principal causa de morte por infecções. Em 2021, foram registrados cerca de 10,6 milhões de novos casos e 1,6 milhão de mortes pela tuberculose. Apenas cerca de um terço das pessoas com TB-DR conseguiu acessar o tratamento, enquanto a maioria permaneceu sem diagnóstico e, portanto, sem tratamento.

Já especificamente em relação ao Brasil, o país tem a maior incidência da doença em todo o continente americano. São cerca de 78 mil casos e mais de 5 mil mortes por ano, uma realidade que poderia ser mudada com acesso mais justo a diagnósticos. Quando anunciou em maio a contratação de seu novo CEO, o brasileiro Vitor Rocha, a Cepheid destacou o fato de ele ter “pessoalmente enfrentado desafios de acesso à saúde” em seu país. “O executivo tem neste momento uma oportunidade única de fazer uma grande diferença na vida das pessoas afetadas pela tuberculose e outras doenças, ajudando a tornar mais acessíveis os diagnósticos não só em seu próprio país, mas em todo o mundo”, afirmou Francisco Viegas, assessor de inovação médica da Campanha de Acesso de MSF.

“Em nossos esforços persistentes para fornecer tratamento para as formas mais difíceis de tuberculose resistente a medicamentos, continuamos desanimados com a perda significativa de vidas, especialmente entre as pessoas em situação de maior vulnerabilidade, incluindo pessoas vivendo com HIV, pessoas afetadas por conflitos e crianças em países com alta carga de tuberculose”, disse Cathy Hewison, líder do grupo de trabalho de tuberculose de MSF.

“Embora a ampliação urgente de tratamentos e testes aprimorados seja a necessidade imediata, os altos preços ainda cobrados por algumas empresas não apenas limitam o acesso de pessoas que precisam urgentemente deles, mas também significam que menos dinheiro está disponível nos orçamentos de saúde para cobrir outros cuidados cruciais para a tuberculose”, explica Cathy Hewison.

Cepheid e Danaher precisam parar de priorizar seus lucros em detrimento das pessoas, e a Johnson & Johnson deve abandonar sua estratégia agressiva e persistente de patenteamento, para que mais vidas possam ser salvas por essa revolução nas ferramentas médicas para a tuberculose.

* A Cepheid cobra cerca de 10 dólares (cerca de 49,50 reais) para testes de tuberculose e 15 dólares (74,25 reais) para testes de TB-XDR (tuberculose extensivamente resistente a medicamentos); 15 dólares para testes de HIV, hepatite e COVID-19; entre 16 e 19 dólares (entre 79,20 reais e 94 reais) para testes de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs); e cerca de 20 dólares para testes de Ebola (99 reais).

MSF está engajada no tratamento da tuberculose há 30 anos, muitas vezes trabalhando junto a autoridades nacionais de saúde para tratar pacientes em uma grande variedade de cenários, incluindo zonas de conflito, periferias, prisões, acampamentos de refugiados e áreas rurais. Em 2022, MSF tratou mais de 17 mil pessoas com a doença, incluindo 2.300 pessoas com TB-DR, em mais de 60 projetos para tuberculose em 41 países. Saiba mais sobre as atividades de MSF relacionadas à tuberculose.

Enviar-me um e-mail quando as pessoas deixarem os seus comentários –

DikaJob de

Para adicionar comentários, você deve ser membro de DikaJob.

Join DikaJob

Faça seu post no DikaJob