Folha de S. Paulo
Jornalistas: Steven Rich, Scott Higham e Sari Horwitz, do The Washington Post
15/01/20 - Dados federais recém-divulgados sobre medicamentos mostram que mais de 100 bilhões de doses de oxicodona e hidrocodona foram distribuídas nos Estados Unidos entre 2006 e 2014 —24 bilhões de doses a mais dos analgésicos altamente viciantes do que o público sabia anteriormente.
Os dados, que traçam o caminho de todos os remédios contra dor vendidos no país, mostram até que ponto os opioides inundaram o país, enquanto o número de mortes causadas pela epidemia continuou aumentando durante nove anos.
O jornal The Washington Post e a empresa proprietária do jornal Charleston Gazette-Mail, na Virgínia Ocidental, foram os primeiros a terem acesso aos dados, que foram coletados pela DEA (Agência de Repressão às Drogas (DEA), de 2006 a 2012, depois de uma luta judicial de um ano.
Em julho, o Washington Post informou que os dados revelaram que as empresas farmacêuticas do país tinham fabricado e distribuído mais de 76 bilhões de analgésicos.
Os dados sobre dois anos adicionais —2013 e 2014— foram divulgados recentemente por uma empresa de análise de dados gerenciada por advogados dos demandantes em um enorme processo contra a indústria de opioides.
"Mais de 100 bilhões de comprimidos —é simplesmente de cair o queixo", disse Peter Mougey, advogado de demandantes em Pensacola, na Flórida. "Os dados demonstram que todas as comunidades do país foram impactadas negativamente."
As informações recém-divulgadas, que traçam o caminho dos medicamentos de fabricantes e distribuidores até as farmácias de todo o país, confirmam novamente que seis empresas distribuíram a grande maioria das pílulas contra dor.
McKesson Corp., Cardinal Health, Walgreens, AmerisourceBergen, CVS e Walmart responderam por 76% das pílulas de oxicodona e hidrocodona distribuídas entre 2006 e 2014, de acordo com uma análise do Washington Post. Os novos dados serão adicionados ao banco de dados de pílulas publicado anteriormente pelo jornal.
Três fabricantes ainda respondiam por 85% dos medicamentos: SpecGx, subsidiária da Mallinckrodt; Actavis Pharma; e Par Pharmaceutical, subsidiária da Endo Pharmaceuticals.
O volume de comprimidos distribuídos disparou à medida que a epidemia deixava mais vítimas. De 2006 a 2014, mais de 130 mil americanos morreram por causa de opioides vendidos sob prescrição.
O número de comprimidos produzidos passou de 8,4 bilhões em 2006 para 12,8 bilhões em 2011. A distribuição desses remédios começou a diminuir levemente em 2012, e dados adicionais mostram que em 2014 o número de comprimidos distribuídos foi 11,8 bilhões.
O declínio nas pílulas distribuídas coincide com a repressão da DEA a alguns dos maiores nomes da indústria farmacêutica, incluindo CVS, Walgreens, McKesson e Cardinal.
A DEA acusou as empresas de não denunciarem pedidos suspeitos de analgésicos ao governo federal e de enviá-los mesmo depois que as empresas foram avisadas e multadas, segundo registros da agência.
Os novos dados confirmam ainda os estados que mais receberam opioides proporcionalmente : Virgínia Ocidental, com 66,8 comprimidos por pessoa por ano; Kentucky, com 63,6; Carolina do Sul, com 60,9; e Tennessee, com 59. A Virgínia Ocidental também teve a maior taxa de mortalidade por opioides prescritos durante o período de nove anos.
Os dados da DEA são obtidos de um banco de dados conhecido como ARCOS, ou Sistema de Automação de Relatórios e Pedidos Consolidados. Ele revela o que cada empresa relatou à DEA sobre as pílulas que distribuía dia após dia, cidade por cidade.
O caso está no centro de um processo judicial pendente no tribunal federal de Cleveland, onde quase 2.500 cidades, condados e tribais indígenas processaram duas dúzias de fabricantes, distribuidores e farmácias por supostamente terem alimentado a epidemia de drogas mais mortal da história dos EUA.
Em outubro, várias empresas chegaram a um acordo de US$ 260 milhões (R$ 1,08 bilhão) com dois condados de Ohio. Os demais processos estão pendentes.
As companhias culparam pela epidemia de opiáceos a prescrição excessiva de médicos e farmácias e os clientes que abusaram dos medicamentos. As empresas também disseram que trabalhavam para suprir as necessidades de pacientes com prescrições legítimas, desesperados pelo alívio da dor.
O juiz distrital dos EUA Dan Aaron Polster, que está supervisionando o caso, permitiu que os autores e réus vissem os dados da DEA de 2006 a 2014 sob uma ordem de segredo de Justiça, protegendo-os da opinião pública juntamente com dezenas de milhares de registros judiciais. O Washington Post e o Gazette-Mail processaram para obter acesso ao material e venceram a batalha judicial em julho.
Depois que as organizações de notícias processaram, o juiz Polster divulgou os dados da DEA até 2012, mas reteve os de 2013 e 2014. As empresas farmacêuticas argumentaram que a divulgação dessas informações poderia prejudicar sua vantagem competitiva, e o Departamento de Justiça alertou que os dados mais recentes poderiam comprometer as investigações em andamento.
Advogados dos municípios acusaram fabricantes de medicamentos, atacadistas e farmácias de disseminar a epidemia de opiáceos, ao produzir, distribuir e revender dezenas de bilhões de comprimidos de analgésicos.
As companhias pagaram mais de US$ 1 bilhão (R$ 4,16 bilhão) em multas ao Departamento de Justiça e à FDA (Agência de Alimentos e Medicamentos) por alegações relacionadas a opiáceos, e centenas de milhões a mais para resolver processos judiciais estaduais.
Os acordos com o Departamento de Justiça eram frequentemente acompanhados por acertos que mantinham detalhes dos casos ocultos do público.
Juntos, os dados e os documentos oferecem ao público um mapa inédito da epidemia de opioides. / Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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