Expatriação de Lizi Masuko, da Merck, levou dois anos para acontecer — Foto: Divulgação
Valor Econômico
Jornalista: Barbara Bigarelli
23/01/20 - A busca por novos desafios na carreira, a possibilidade de integrar uma equipe com colegas de várias partes do mundo, a vontade de aprender novas formas de trabalho e, em alguns casos, de oferecer outras perspectivas de vida aos filhos. Essas razões levaram cinco executivas brasileiras entrevistadas pelo Valor a deixar o Brasil para trabalhar nos Estados Unidos entre o começo de 2019 e o início de 2020.
Elas têm entre 32 e 46 anos e, quando tomaram a decisão, já ocupavam cargos de liderança. Conquistaram a mudança internamente, sendo transferidas para a operação americana das companhias onde trabalhavam. A convergência de suas carreiras não é fortuita. De 2018 para 2019, a consultoria de imigração Hayman-Woodward contabilizou em sua base de clientes um aumento de 80% no número de executivas brasileiras em processo de obtenção de visto de trabalho ou do green card (autorização para residência nos EUA).
Lizi Masuko, líder de aquisição de talentos para América Latina da Merck Brasil, subsidiária do grupo farmacêutico alemão, foi uma delas. Com formação em administração e especialização em RH, a executiva que trabalhou na Nestlé, em consultorias e na Natura, chefiava a área na América Latina da Merck há dois anos quando comunicou à liderança sua vontade de trabalhar em uma operação no exterior.
“Eu já tinha crescido bastante e, naquele momento, sentia que estava caindo e uma zona de conforto”, diz a executiva de 36 anos. Era 2017 e Lizi teve esse desejo incluído em seu plano anual de desenvolvimento na companhia, mas a mudança não poderia ocorrer “do dia para a noite”, explica como executiva de RH. Porque é um movimento no qual a empresa toma risco e precisa gastar dinheiro. “Parte depende de você e parte depende da liderança que quer te apoiar”, afirma.
O que acaba pesando nessas horas é se a empresa quer bancar o investimento em nome do desenvolvimento do funcionário ou como política de retenção. No caso de Lizi bancaram e ela foi morar em Boston em setembro de 2019, onde está sediado o escritório de life science da Merck. É de lá que hoje a executiva chefia sua equipe de aquisição de talentos, mantendo o mesmo escopo de atividades, mas ganhando experiência cultural e uma nova rede de contatos.
Por objetivos similares, a executiva Daiana Endruweit mudou-se para Nova York em maio de 2019 para assumir a gerência de comunicação externa da Bunge. “A vaga tem escopo global e exige coordenar times em diversos locais e regiões do mundo.” Apesar de sua experiência como expatriada no início da carreira, Daiana diz que se sentiu preparada para se candidatar à vaga após trabalhar por mais de um ano no projeto de abertura de capital de uma das operações da Bunge no Brasil.
“O IPO não saiu por razões macroeconômicas, mas para mim foi uma oportunidade enorme de negócios e liderança. O projeto deu visibilidade ao meu trabalho dentro de toda a organização.” Só visibilidade, no entanto, talvez não bastasse. Aos 33 anos, Daiana contou com o apoio do gestor direto que, segundo ela, entendeu que aquele movimento significaria um passo importante. “A conquista do cargo mudou de forma imediata as minhas perspectivas de vida e de carreira.”
Mudou também a de seu marido, que chegou aos Estados Unidos seis meses depois dela, aproveitando o visto e, recentemente, foi contratado por uma empresa de tecnologia local. Essa situação foi notada na análise feita pela Hayman-Woodward. “Até poucos anos atrás, os empresários e executivos eram os solicitantes principais do visto e as mulheres iam como esposas. Agora, elas estão indo como executivas e empresárias”, afirma Leonardo Freitas, CEO da consultoria. Ele cita que, em 2015, as mulheres - executivas e empreendedoras – representavam 14% das solicitações de visto entre seus clientes. Atualmente, esse número alcança 40%.
Daniella Giavina-Bianchi, diretora executiva da consultoria Interbrand, foi a responsável pelo visto de entrada da família - marido e filhos - em Nova York no início de 2019. Ela pediu para ser transferida depois de trabalhar, por seis anos, como co-presidente da Interbrand no Brasil. “Achava que já tinha chegado ao teto do meu desenvolvimento, mas não queria deixar a empresa.” Daniella, 46, pensava também que uma mudança de ares poderia trazer novas perspectivas, conhecimentos e culturas para seus filhos. “Queria mostrar uma cidade onde eles pudessem se mover de forma mais livre e independente, fora da bolha que viviam em São Paulo.”
Essa preocupação também pesou para Julia Gutnik, executiva brasileira da Amazon que, aos 36 anos, irá se mudar “de mala e cuia” para Los Angeles, sem previsão de retorno. Lá, irá trabalhar em projetos envolvendo a área de vídeos da Amazon Prime. Até se candidatar, seguindo um convite que partiu do time global, ela diz que estava feliz com sua função no Brasil na área de marketing, com a vida organizada e boas perspectivas de crescimento. “Independentemente do desafio profissional, eu percebi que seria sobretudo uma decisão pessoal: onde quero criar meus filhos e qual tipo de vida gostaria de ter.”
Ela gostaria de viver, diz, com mais segurança, em um ambiente menos desigual e preconceituoso. “Minha família não é das mais tradicionais e queríamos um ambiente menos homogêneo no nosso entorno”, afirma. Sua esposa, diz, topou acompanhá-la e buscar um emprego em Los Angeles, também na área de marketing. É ela quem ficará com os filhos enquanto Julia se instala na cidade e busca a nova casa da família.
No âmbito profissional, todas as executivas entrevistadas afirmaram que a adaptação também inclui aprender o jeito americano de trabalho - mais prático, menos pessoal e muito mais rápido. Daniella, da Interbrand, disse que precisou se acostumar a fazer reuniões de 10 ou 15 minutos e aprender a trabalhar sem o “horário de almoço”. Já Gabriela Lancellotti, 32, executiva brasileira que trabalha há dois meses na operação americana do Spotify, diz que tem aprendido a enxergar e a construir as relações de um modo diferente.
“O brasileiro desenvolve relações pessoais para fazer o trabalho acontecer, enquanto nos Estados Unidos você só é amigo do colega de trabalho se estudou com ele ou se trabalham há muitos anos juntos.” A executiva diz que a sua mudança, para chefiar a área de marketing de produto do segmento de audiências da companhia sueca, significou algo próximo de “zerar a carreira”. “Assumi uma frente totalmente nova, em outro país. É muito difícil, nesse caso, você conseguir transferir o seu networking e sua expertise local. O que você leva é o seu jeito de trabalho e a forma como desenvolve projetos e cria suas redes de contatos”, diz.
As executivas brasileiras devem levar também confiança, defende Julia, da Amazon. “Eu trabalho com gente do mundo inteiro e vejo que as brasileiras estão no mesmo nível de qualquer lugar”, diz. “O problema é que há poucas, porque a desigualdade no Brasil é enorme. Parece que ou você está em um extremo do mercado, com muitas condições de disputa, ou está em outro, muito atrás.”
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