O Globo
Ciência descobre como massagem é capaz de tratar inflamação muscular.
Ninguém nega que a massagem ajuda a aliviar dores musculares causadas por exercícios, contusões e torções menores. Mas os benefícios da estimulação mecânica dos músculos proporcionada pela massagem vão bem além de apenas bem-estar, mostra uma pesquisa liderada por cientistas da Universidade de Harvard, nos EUA.
Num estudo publicado na revista científica Science Translational Medicine, eles propõem que, na dose certa, a massagem pode ajudar a tratar uma série de lesões musculares, tanto decorrentes de acidentes, sobrecarga, torções ou mesmo coágulos sanguíneos. Ela realmente trata a inflamação muscular.
A massagem ajuda a acelerar a recuperação muscular, dizem os cientistas americanos, porque contribui para remover células do sistema imunológico que podem atrapalhar processos regenerativos e prolongam a inflamação. São os neutrófilos, os primeiros soldados que o sistema imunológico envia para a batalha quando o corpo é agredido, seja por uma lesão ou pela invasão de um vírus ou bactéria.
Essas células agem depressa e liberam substâncias para atacar o problema. Mas isso gera inflamação e a dor e o desconforto que costumam acompanhá-la. Os neutrófilos são fundamentais, mas nem sempre têm noção de quando devem se retirar. O estímulo mecânico promovido pela massagem lhes envia a mensagem que é hora de tirar o time de campo e permitir que outras células entrem em ação.
DÚVIDAS ANTIGAS
Costuma se pensar que a massagem funciona porque melhora a circulação sanguínea e dispersa o acúmulo de substâncias tóxicas nos músculos. Porém, os mecanismos celulares ativados por essa estimulação eram pouco conhecidos até hoje.
Foi então que a principal autora do estudo, a cientista sul-coreana Bo Ri Seo, que faz pós-doutorado em Harvard, resolveu investigar como de fato a massagem funciona e seus efeitos terapêuticos. Ela e seus colegas viram que sua ação é mais profunda e prolongada do que se pensava.
Seo é especialista no uso de mecanoterapia, o que inclui a massagem, na regeneração dos músculos. Ela e seus colegas focaram nas células do sistema imunológico porque é sabido que desempenham papel fundamental na resposta muscular a lesões, ajudando, por exemplo, a evitar infecções.
A pesquisa foi realizada com camundongos pelo óbvio motivo de que seria difícil e antiético encontrar voluntários para sofrer lesões cuidadosamente programadas e permitir que se observasse por meio de biópsias o que acontece à medida que a massagem é aplicada.
No caso, os cientistas desenvolveram uma espécie de robozinho que massageava com precisão os músculos lesionados dos roedores.
— A pesquisa é interessante porque mostrou como funciona o que se sabe empiricamente — observa, ao comentar o estudo, o especialista em fisiologia dos músculos José Cesar Rosa Neto, do Laboratório de Imunometabolismo do Departamento de Biologia Celular e do Desenvolvimento do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP).
No estudo, os cientistas de Harvard afirmam que “a compressão aplicada pelo robô facilitou a remoção de neutrófilos, reduziu citocinas e quimiocinas (ambas produzidas pelo sistema imunológico) e melhorou a composição e a função das fibras musculares”. Eles afirmam que esses resultados mostram a viabilidade de desenvolver métodos de estimulação mecânica para acelerar a regeneração dos músculos.
Rosa Neto explica que a maior dificuldade de empregar a massagem como terapia para uma gama maior de lesões musculares é manter um padrão de estimulação adequados a cada caso. A intensidade da estimulação, por exemplo, varia de um terapeuta para outro e não é uniforme, como no caso do robozinho usado pelos cientistas de Harvard para massagear seus camundongos.
O robozinho, na verdade, não é muito diferente dos aparelhos elétricos comuns de massagem. A diferença foi o padrão uniforme de estímulo mecânico.
Os roedores foram tratados com mecanoterapia durante duas semanas, com duas sessões por dia. Depois desse período, foram extraídas amostras de tecido muscular. A análise destas indicou que os neutrófilos estavam sendo removidos mais depressa, na dose certa.
Seo explica que, de início, os neutrófilos ajudam as células musculares a crescer, mas se ficam muito tempo, acabam causando danos. Rosa Neto acrescenta que a massagem ajuda o corpo a receber a dose certa de inflamação. Se a fase de inflamação é eliminada, não há boa recuperação muscular. No caso das microlesões causadas pela musculação, a inflamação também é necessária para que aconteça hipertrofia.
O ideal é que os neutrófilos fiquem de 24 horas a 48 horas, às vezes até 72 horas, depois disso a inflamação tem que passar ou vira um problema. E os neutrófilos muitas vezes não sabem quando é a hora de partir. Eles são células mais primitivas, “não aprendem nada”. Chegam e atacam.
— Nas minhas aulas digo aos alunos que os neutrófilos são uma defesa importante, mas burrinha. Trogloditas do sistema de defesa — diz o cientista da USP.
Numa inflamação asséptica — que não foi provocada por invasão de patógenos, como vírus e bactérias — como é o caso de muitas lesões musculares, o papel dos neutrófilos é fazer a limpeza inicial.
Eles chegam, detectam o lixo deixado pela lesão, como restos de células, e chamam os macrófagos, células do sistema imunológico que engolem a sujeira. Quando entendem que está tudo limpo, recrutam um tipo especial de macrófago, que produz fatores de crescimento, para a regeneração do músculo.
— Eles precisam conferir a sujeira, convocar outras células e sair. Mas às vezes demoram mais tempo e prolongam a inflamação, pois continuam a enviar sinais químicos. E aí a pessoa passa a sofrer. Além disso, outras células não conseguem entrar em ação. Os estímulos da massagem funcionam como uma mensagem de que chegou a hora de partir — explica Rosa Neto.
O estudo deixa claro que massagem de fato ajuda e que a porta está aberta para o desenvolvimento de métodos terapêuticos mais aperfeiçoados. Com o robozinho massagista, os cientistas abriram uma janela para compreender melhor os mecanismos complexos pelos quais o corpo se regenera. Para atletas amadores, massagem pode ser melhor do que suplemento e remédio, sugerem os cientistas. Mãos de fada realmente existem.
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