Caminhão de medicamentos ilegais é descarregado em Abidjan, em 10 de março de 2017 - AFP/Arquivos
A África se tornou um centro neurálgico para os traficantes de medicamentos, de vacinas a antirretrovirais, um negócio muito lucrativo mas que provoca centenas de milhares de vítimas.
por AFP
O volume de negócios gerado por produtos médicos falsos é estimado em ao menos 10% ou 15% do mercado farmacêutico mundial.
Um valor que poderia chegar a 200 bilhões de dólares, segundo dados do Fórum Econômico Mundial (WEF), um número que quase triplicou nos últimos cinco anos.
“Para vender medicamentos falsos é preciso ter clientela. E no continente africano há muito mais doentes pobres que no resto do mundo”, explica à AFP o professor francês Marc Gentilini, especialista em doenças infecciosas e tropicais e ex-presidente da Cruz Vermelha francesa.
Segundo ele, as vacinas que há alguns anos foram distribuídas no Níger para frear uma epidemia de meningite — uma doença que a cada ano mata milhares de pessoas neste país pobre da região do Sahel — eram falsas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que um de cada dez medicamentos no mundo é falso, um número que pode alcançar sete em cada dez em alguns países, em particular africanos.
O tráfico está às vezes nas mãos de autoridades corruptas da saúde pública, que compram produtos falsos a bons preços na China e Índia, os principais fabricantes, e depois os revendem.
Ao menos 100.000 pessoas morrem a cada ano na África por utilizar medicamentos falsos, segundo a OMS.
Só em 2013, 122.000 crianças de menos de cinco anos morreram nos países da África subsaariana por tomarem medicamentos falsos contra a malária, segundo o American Journal of Tropical Medecine and Hygiene.
style="display:block" data-ad-format="autorelaxed" data-ad-client="ca-pub-6652631670584205" data-ad-slot="7514086806">“É um crime duplo, de saúde e social, porque matam doentes e doentes pobres”, afirma Gentilini.
– Mais rentáveis que a droga –
Em agosto de 2017, a Interpol anunciou o confisco de 420 toneladas de produtos médicos de contrabando em uma macro-operação em sete países (Benim, Burkina Faso, Costa do Marfim, Mali, Níger, Nigéria e Togo).
“O negócio da falsificação de medicamentos é o primeiro na lista dos tráficos ilícitos”, explica Geoffroy Bessaud, diretor da coordenação antifalsificação do grupo farmacêutico francês Sanofi.
Segundo o WEF, este negócio gera mais lucros que o tráfico de maconha.
“Um investimento de mil dólares pode gerar até 500.000 dólares, enquanto o mesmo investimento no tráfico de heroína ou de moedas falsas gera 20.000 dólares”, acrescenta.
– “Temos de tudo!”-
Em maio de 2017, as autoridades da Costa de Marfim incineraram 40 toneladas de medicamentos falsos confiscados em um bairro de Abidjan, onde está instalado o maior mercado de medicamentos ao ar livre do oeste da África, que representa 30% das vendas de medicamentos no país.
Ao entrar no “Roxy”, o apelido deste mercado clandestino, a primeira coisa que se ouve são as vendedoras assegurando que têm “de tudo”.
“Muitas pessoas vêm com suas receitas médicas para comprar aqui, e também os proprietários de clínicas privadas”, explica Fatim, uma vendedora, sentada em frente a uma enorme bacia cheia de produtos farmacêuticos.
Embora se negue a dizer de onde procedem, assegura que as vendedoras têm um “sindicato” e que se reúnem para “regular” o mercado.
“Os policiais nos incomodam, mas eles mesmos vêm comprar medicamentos”, explica Mariam, outra vendedora.
Na Costa do Marfim, a primeira economia da África francófona, o setor farmacêutico legal sofre a cada ano perdas de entre 40 e 50 bilhões de francos CFA (entre 60 e 76 milhões de euros), segundo dados do Colégio de farmacêuticos do país.
Diferentemente do tráfico de estupefacientes, a falsificação de medicamentos só é considerada um delito contra a propriedade intelectual, de modo que atrai muitos traficantes.
Enquanto grandes grupos, como o Sanofi, lutam contra o fenômeno – 27 laboratórios clandestinos foram desmantelados em 2016 -, os países pobres não têm meios suficientes para isso.
Os governos africanos têm outras muitas preocupações e “não podem pôr agentes alfandegários e policiais para lançar um contra-ataque eficaz”, ressalta Gentilini, chefe de serviço no hospital Pitié Salpêtrière de Paris.
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