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Jornalista: Danielle Sanches

Era um domingo de manhã e eu ainda estava na cama quando meu marido, Lucas, me chamou com voz alarmada e disse que estava com muita dor no peito. Naquele momento, achei que não fosse nada. Dez dias antes, ele havia sentido a mesma dor —só que menos intensa — e procurado um hospital. Os exames não demonstraram problemas e a hipótese dos médicos foi de que ele tinha problema muscular simples na região toráxica. Ou seja, nada sério.

Na família do meu marido, dor no peito sempre foi motivo de preocupação. Meu sogro já sofreu dois ataques cardíacos (o primeiro aos 59 anos). Por isso, levamos a sério qualquer sintoma, por mais estranho ou leve que seja. Naquele dia, no entanto, não me preocupei. Pensei apenas que o remédio que Lucas estava tomando para diminuir as dores musculares talvez não estivesse sendo suficiente —e que ele precisaria de novos exames. Mas, como a dor estava muito intensa, resolvemos ir novamente para o hospital. Colocamos nossa filha, Alice, 2 anos, no carro e fomos até o pronto atendimento, num trajeto que levou cerca de 15 minutos.

Lembro de estar tranquila e conversar com a pequena para acalmá-la, já que Lucas estava com bastante dor e não conseguia conversar. Em nenhum momento pensei que ele estivesse sofrendo um infarto. Os médicos que o receberam na emergência do hospital também não se convenceram de imediato do quadro. Afinal, receberam um paciente de 34 anos, com uma dor no peito atípica e exames com alterações discretas. Até eles tiveram dúvidas sobre qual seria o diagnóstico.

E eles não estão errados. Infartos em pessoas jovens não são comuns. No Brasil, estima-se que a média anual de mortes por doenças cardiovasculares (como ataque cardíaco e AVC) seja de 350 mil. E a maioria das vítimas tem mais de 60 anos e apresenta fatores de risco como tabagismo, colesterol alto e/ou hipertensão.

Jovens sem essas condições terem um infarto é considerado muito raro, como me explicou o cardiologista Pedro Silvio Farsky, do Hospital Albert Einstein, que ficou responsável pelo caso do meu marido quando ele chegou à emergência.

Os sintomas de Lucas também eram atípicos, a começar pela dor que ele sentia: era no meio do peito e irradiava para os dois ombros, braços e mãos. Em alguns momentos, os dedos ficavam dormentes. A dor comum de infarto, no entanto, tende a ser mais localizada no meio do peito ou à esquerda, e se assemelha a uma sensação de aperto ou pressão, com irradiação para o braço esquerdo ou costas e pescoço. É uma dor bastante intensa e que não passa mesmo quando a pessoa fica em repouso.

Mas alguns pacientes apresentam sintomas diferentes —ou até mesmo nenhum sinal. "A dor clássica, descrita nos livros de medicina, nem sempre está presente. Pode ser confuso para a pessoa e até para médicos", afirma o cardiologista Roberto Kalil Filho, presidente do InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e colunista do VivaBem.

Idosos, mulheres e diabéticos estão entre os pacientes que podem apresentar sintomas diferentes, um grupo que acaba correndo mais risco de vida por demorar a entender os sinais e procurar ajuda —o que pode gerar mais complicações.

O primeiro atendimento


Em qualquer hospital, dor no peito é levada muito a sério. Logo que chegou, Lucas foi encaminhado para exames do coração e monitoramento. Mas, nesse primeiro momento, os resultados voltaram normais novamente. Esse retorno foi o segundo momento atípico do caso dele. Mesmo assim, os médicos o mantiveram em observação, ligado a fios e monitores, e decidiram repetir os exames em pequenos intervalos.

Ao me lembrar da história, é chocante pensar que ele estava bem, falando, consciente de tudo e apenas esperando resultados de mais exames para ir para casa curtir o almoço de domingo em família, quando, na verdade, corria um sério risco de vida. Até a dor estava menos intensa. Acreditando que o problema logo seria resolvido, levei nossa filha para ficar em casa com a minha mãe.

Pouco depois de chegar lá, recebi a primeira ligação de Lucas. A troponina, enzima presente dentro das células musculares cardíacas, apresentou um nível discretamente maior do que o normal no exame de sangue. De acordo com o cardiologista Leopoldo Piegas, coordenador do Programa de Cuidados Clínicos de Infarto Agudo do Miocárdio do HCor, a substância é uma peça-chave no diagnóstico de infartos porque indica que o músculo cardíaco está em sofrimento. "Ela pode ser liberada no sangue em outras situações, mas, combinada a outros sintomas, como dor no peito, é um forte indicativo de que está acontecendo um ataque cardíaco", diz.

A partir daí, as coisas aconteceram muito rápido.

"Estou indo para o cateterismo"


O próximo exame de sangue de Lucas veio com uma alteração maior da enzima, indicando que havia algum problema sério no coração dele. Isso, a dor e uma alteração no terceiro eletrocardiograma foram suficientes para convencer o cardiologista de que meu marido estava infartando.

"Assumi a responsabilidade, pois os sinais dele eram incomuns e discretos", diz Farsky. Ao apertar o botão "infarto", como ele mesmo diz, os médicos se lançam em um balé: cada personagem tem seu papel e deve performá-lo naquele exato momento, em uma ação rápida que tem como objetivo salvar a vida do paciente.

Os médicos da hemodinâmica, enfermeiros e até mesmo maqueiro têm atividades "ensaiadas" para esses casos, garantindo que o procedimento seja feito em pouquíssimo tempo, o que aumenta a chance de recuperação do paciente. Existe uma razão para isso, é claro: a cada minuto sem sangue, o músculo cardíaco "morre um pouco mais", formando uma necrose que pode nunca mais ser recuperada ou causar danos sérios ao órgão.

Por isso, os médicos costumam falar que "tempo é músculo". Piegas explica que o padrão é tentar desobstruir o vaso sanguíneo em até 90 minutos, tempo considerado limite para evitar sequelas graves ao coração. "Mas, é claro que, quanto antes conseguirmos isso, melhor."

A segunda ligação que recebi foi antes de Lucas entrar na sala de cirurgia. "Estou indo para o cateterismo. Preciso ir", ele me falou rapidamente. No procedimento, um cardiologista intervencionista faz uma pequena incisão na virilha ou no braço e insere um cateter que percorre um vaso sanguíneo até chegar ao coração. Ele é utilizado para encontrar possíveis obstruções nas artérias coronarianas e alterações nas válvulas cardíacas.

Uma vez lá dentro, o médico utiliza uma injeção de contraste que ajuda a ver obstruções. Ao localizar uma obstrução, o médico realiza uma angioplastia, que usa um cateter para levar um stent —espécie de mola metálica que mantém as paredes da artéria abertas — para reestabelecer o fluxo sanguíneo.

Nesse momento, o quadro de sintomas incomuns do meu marido ficou claro. "Era uma obstrução instável, com um coágulo que ora abria, ora fechava a artéria", explica Farsky. Ou seja, a artéria, de fato, nunca esteve 100% bloqueada, como acontece em muitos ataques cardíacos. "Ele não teve o infarto clássico, com desmaio, falta de ar, porque conseguimos parar o evento antes de chegar nesse ponto", diz o médico.

O risco, no entanto, foi alto. Lucas teve a artéria descendente anterior, um dos maiores e mais importantes vasos que irrigam o coração, quase totalmente obstruída. "Se de fato fosse obstruída, ele possivelmente teria danos muito extensos no coração ou uma morte súbita", disse o médico.

Como o atendimento foi rápido, o coração sofreu danos pequenos: das 17 "partes" em que o coração é dividido para um exame de análise de danos após o infarto, Lucas apresentou alteração leve em apenas uma, indicando que a sequela não era permanente e a recuperação será plena.


O que aconteceu depois


Após o procedimento, Lucas passou três dias em uma unidade semi-intensiva com monitoramento 24 horas. Não podia usar o banheiro ou tomar banho sozinho e precisou passar todos esses dias na cama. Estava lúcido e consciente o tempo todo. Passou mais dois dias no quarto e, ao ter alta, iniciou um esquema de exercícios chamado de reabilitação cardíaca para aprender a se exercitar dentro dos limites seguros do seu coração.

Farsky explica que, a partir de agora, a chance de um novo evento acontecer está sob controle, mas não é inexistente. "Ele está tomando medicamentos para proteger o coração, para controlar o colesterol e a formação de placas nas artérias", diz o médico. "Os cuidados que ele vai tomar reduzem o risco de um outro problema cardíaco, mas é claro que o Lucas possui um risco acima da média por já ter vivido um evento cardíaco", explica.

De acordo com a American Heart Association, um em cada quatro pacientes de infarto será internado novamente dentro de cinco anos vítima de um novo ataque cardíaco. Para evitar que isso aconteça, a entidade recomenda seguir à risca o tratamento após o evento, criar e manter hábitos saudáveis, como alimentação regrada e prática regular de exercícios físicos, desenvolver formas de controlar o estresse e ainda visitar regularmente o cardiologista para check-ups preventivos.

Agora, Lucas está em casa e voltou a levar uma vida normal. Retornou ao trabalho, vai para a academia de segunda à sexta, controla alimentação, toma seus remédios e está se cuidando para ter muitas e muitas novas manhãs de domingo ao lado da família, sem sustos.

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