SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um grupo de pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos criou em laboratório uma nova molécula para tratar a insuficiência cardíaca. O estudo foi publicado na revista científica Nature Communications em janeiro.
A síndrome ocorre quando o coração se torna incapaz de bombear o sangue de maneira adequada para o corpo —seja porque o órgão não tem força para contrair, seja porque ele fica tão rígido que não consegue mais relaxar.
Depois de receber o diagnóstico de insuficiência cardíaca, cerca de 50% dos pacientes morrem em até cinco anos, mesmo com os tratamentos disponíveis hoje.
“A gente quis trazer uma solução mais eficiente para aumentar o tempo e a qualidade de vida desses indivíduos”, diz o líder da pesquisa, Julio Cesar Ferreira, que é professor do ICB-USP (Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo).
O estudo começou em 2009 e reuniu 11 pesquisadores —8 deles são da USP e 3, da Universidade Stanford (EUA). Além de Ferreira, que é bacharel em esporte, a equipe tem biólogos, químicos, biomédicos e cardiologistas.
A molécula, que foi chamada de samba, age dentro da célula cardíaca, mais especificamente na mitocôndria, parte responsável pela produção de energia. No coração com insuficiência, esse compartimento não funciona direito, e o órgão não tem energia suficiente para trabalhar.
Ao comparar corações saudáveis a doentes —tirados de pacientes que receberam transplante—, os cientistas descobriram que o problema na mitocôndria resulta da interação entre duas proteínas: a kinase beta 2 (beta2PKC) e a mitofusina 1 (mfn1).
Como a molécula samba funciona dentro da célula cardíaca
Para facilitar o entendimento, Ferreira faz uma analogia. Se a célula fosse uma empresa, a beta2PKC seria o office boy, cujo papel é levar informações para todos os departamentos. A mitocôndria, então, seria o setor financeiro, e a mfn1, seu diretor.
O que acontece é que, no coração doente, o office boy fica preso no setor financeiro, de mãos dadas com o diretor. Com isso, nenhum dos dois faz o seu trabalho, e a empresa entra em colapso.
Após testar diferentes meios para impedir essa interação, os pesquisadores chegaram à samba. O nome é o acrônimo em inglês para antagonista seletivo da associação de mitofusina 1 e beta2PKC —e ainda reforça sua origem brasileira.
A molécula é uma espécie de reprodução da mão do diretor, que engana o office boy. Ele se une à mão falsa e, finalmente, deixa o diretor e o departamento financeiro livres para trabalhar, explica Ferreira.
Em testes, ratos com insuficiência cardíaca foram tratados durante dois meses com a samba. A molécula não só freou a progressão do quadro, como conseguiu reverter danos no coração e melhorar a capacidade física dos animais.
“Temos muita expectativa em relação à samba. Mas, do coração do ratinho até a prateleira da farmácia, há um abismo gigantesco”, afirma o cardiologista Félix Ramires, coordenador do programa de insuficiência cardíaca do HCor (Hospital do Coração).
“A molécula atua num mecanismo diferente que o dos remédios que existem hoje, e se mostra promissora. Mas uma droga muito boa em uma fase pré-clínica às vezes não se mostra efetiva na fase clínica”, completa Fernando Bacal, diretor de pesquisa da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Hoje, Ferreira está nos EUA como professor visitante em Stanford. Lá, procura investidores que banquem os estudos necessários para transformar sua criação em fármaco —o que pode custar centenas de milhões de dólares. “Os EUA já têm a cultura de transformar protótipos em produtos, isso faz o ambiente mais propício que o Brasil.”
O tempo para que a novidade chegue aos pacientes pode variar de oito a dez anos, a partir do momento em que Ferreira conseguir o investimento para a próxima fase.
“A molécula vai no cerne da doença. A nossa hipótese é que ela terá um efeito aditivo aos medicamentos já disponíveis”, afirma.
Fonte: Zero Hora
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