Consumo de droga altamente concentrada cresceu após cerco do governo a heroína e oxicodona
por Paula Leite
Folha de São Paulo
Enquanto as autoridades nos Estados Unidos fecham o cerco a drogas como a oxicodona e a heroína, durante anos as principais responsáveis pelo vício de americanos em opioides, os traficantes têm oferecido a seus clientes uma nova opção: o fentanil, opioide sintético que pode chegar a ser mil vezes mais potente que a heroína.
Mais de 72 mil americanos morreram de overdose no ano passado, segundo estimativas da CDC, agência de saúde dos EUA, dos quais cerca de 48 mil foram vítimas de opioides, drogas que causam sensações de euforia e anestesia.
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Usuário de opioide em Clarksburg, Virgínia Ocidental, estado com altas taxas de mortes por overdose desse tipo de droga nos EUA - Spencer Platt - 22.ago.18/Getty Images/AFP
No entanto, enquanto as mortes por consumo de opioides naturais (como a heroína, feita a partir da papoula) e semissintéticos (como a oxicodona, ou OxyContin, vendida legalmente sob prescrição médica) vêm se estabilizando e até caindo, as mortes causadas pelo fentanil, que é um opioide sintético, dispararam: passaram de quase 20 mil em 2016 para mais de 28 mil em 2017.
O crescimento do uso de fentanil pode ter sido um efeito colateral da guerra das autoridades aos outros tipos de opioides. Nos últimos anos, as tentativas de controlar a epidemia se concentraram na responsabilidade das farmacêuticas, já que as pílulas de oxicodona, obtidas legal ou ilegalmente, eram as mais escolhidas pelos usuários.
No pico, em 2011, os Estados Unidos chegaram a ter 81 prescrições de opioides para cada 100 habitantes —boa parte desses remédios acabava sendo vendida nas ruas, por traficantes ou usuários que obtinham receitas com vários médicos diferentes.
Mas medidas como cadastros estaduais de receitas médicas (que os médicos podem acessar para checar se seus pacientes já têm outras prescrições para opioides) limitaram a oferta de oxicodona e similares nas ruas.
A pressão da opinião pública e de autoridades sobre os médicos para que reduzissem as prescrições e sobre as farmacêuticas para que limitassem a venda de opioides também contribuiu para o cenário.
Muitos viciados, tomados pelos sintomas da abstinência de opioides (que incluem dores musculares e abdominais, diarreia e insônia), passaram a comprar e usar heroína.
A heroína vendida nos EUA é feita hoje majoritariamente no México, com papoulas plantadas lá —e não no Afeganistão, que já foi o maior fornecedor mundial. Entra pela fronteira ao sul antes de ser distribuída pelo país.
O controle na fronteira, contudo, também foi endurecido, e as apreensões de heroína aumentaram, levando os traficantes a buscar novas opções. O fentanil, por ser sintético, não depende de plantar papoulas; mais concentrado, é mais fácil de ser transportado e gera mais lucros.
A droga é especialmente perigosa no que diz respeito a overdoses: por ser muito concentrada, é difícil de ser dosada pelos usuários; além disso, por vezes é misturada à heroína sem que quem a usa saiba exatamente a concentração daquilo que está cheirando ou injetando.
“A maioria dos usuários não sabia por que estava morrendo tanta gente, eles não sabiam nada sobre fentanil”, diz Sheila Vakharia, analista da Drug Policy Alliance, ONG que defende mudanças na política de combate às drogas.
Especialistas acreditam que o fentanil vendido nos EUA seja feito em laboratórios no México e na China.
Não se sabe se chega ao país pela fronteira com o México, levado por “mulas”, ou em contêineres —já houve casos de pacotes enviados por correio.
Os impactos da epidemia de opioides e o volume de mortes têm levado alguns políticos a endurecer cada vez mais o discurso contra traficantes.
Em março, o presidente Donald Trump defendeu a pena de morte para quem vende drogas. Já em julho, o secretário de Justiça, Jeff Sessions, lançou uma força-tarefa para o combate aos opioides sintéticos, prometendo ajudar promotores nos condados mais atingidos por overdoses a investigar e punir redes de traficantes.
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