Mais de 100 países apoiam a proposta na OMC, mas Brasil continua alinhado a nações ricas
O Conselho Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) se reúne nesta quarta e quinta-feira (16 e 17 de dezembro) em meio ao aumento global de casos de COVID-19. Neste contexto, Médicos Sem Fronteiras (MSF) pede que todos os países atuem em solidariedade e na construção de consenso em torno da proposta histórica de Índia e África do Sul de abrir mão de alguns mecanismos de proteção de propriedade intelectual durante a pandemia. Durante a reunião decisiva, os governos devem tomar todas as medidas necessárias para tornar esta proposta uma realidade.
Se adotada, a proposta de suspensão de direitos de propriedade intelectual permitirá que os países optem por não fazer cumprir, aplicar ou implementar patentes e outras exclusividades que poderiam impedir a produção e fornecimento de ferramentas médicas de combate à COVID-19. A medida facilitaria a colaboração para o desenvolvimento, produção e fornecimento destas mesmas ferramentas, sem que interesses e ações corporativas prevalecessem.
Eswatini, Quênia, Moçambique, Paquistão e Bolívia já se juntaram oficialmente como copatrocinadores da proposta. Desde o início das discussões no Conselho TRIPS, que trata de questões relacionadas à propriedade intelectual e industrial na OMC, em outubro, cerca de 100 países manifestaram-se de forma positiva ou apoiaram integralmente a proposta. No entanto, um pequeno grupo de membros da OMC – Austrália, Brasil, Canadá, UE, Japão, Noruega, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos – está negando apoio para a construção do consenso necessário em relação à proposta. Alguns desses países têm tradicionalmente apoiado os interesses de suas empresas farmacêuticas por meio de um sistema de propriedade intelectual proprietário.
“Os governos não devem desperdiçar esta oportunidade histórica e evitar que se repitam as dolorosas lições dos primeiros anos da resposta ao HIV/AIDS”, afirma Yuan Qiong Hu, cocoordenador de políticas da Campanha de Acesso de MSF. “Esta proposta daria aos países mais formas de enfrentar as barreiras legais para maximizar a produção e o fornecimento de produtos médicos necessários para o tratamento e a prevenção da COVID-19.”
Mesmo em meio a uma pandemia global, as empresas farmacêuticas continuam a seguir sua abordagem usual de maximizar os lucros. Os últimos meses revelaram vários casos e indicações que destacam claramente como mecanismos de propriedade intelectual prejudicaram ou espera-se que atrapalhem a fabricação e o fornecimento de diagnósticos, equipamentos médicos, tratamentos e vacinas necessários para responder a esta pandemia. Por exemplo, a África do Sul enfrentou desafios para acessar reagentes químicos essenciais para os testes de diagnóstico para COVID-19 devido à proteção proprietária das máquinas e dos reagentes. E na Itália, os detentores de patentes ameaçaram os produtores de válvulas de ventilação impressas em 3D com processos de violação de patentes.
“Contar com a boa vontade corporativa ou caridade não é uma solução em uma pandemia global”, avalia Felipe Carvalho, coordenador da campanha de acesso de MSF no Brasil. “Em nosso trabalho, sempre testemunhamos até onde a indústria farmacêutica irá para proteger suas patentes e lucros, apesar do imenso custo humano. Não podemos permitir que medicamentos, testes e vacinas desenvolvidos para combater a COVID-19 se tornem um luxo para poucos – eles devem ser acessíveis a todos, em qualquer lugar. E renunciar a patentes e propriedade intelectual é um passo decisivo.”
A indústria farmacêutica e outros oponentes desta proposta estão fazendo afirmações enganosas de que a propriedade intelectual permitiu o avanço do desenvolvimento dos medicamentos e vacinas para COVID-19. Na realidade, os recursos do setor público e o financiamento filantrópico têm sido os principais impulsionadores dos esforços de pesquisa sem precedentes, por meio do investimento de bilhões de dólares para apoiar a pesquisa e o desenvolvimento das ferramentas médicas de combate à COVID-19.
Além disso, governos, profissionais de saúde, pacientes, sobreviventes do vírus e o público em geral contribuíram enormemente para os ensaios clínicos e outras atividades de P&D relacionadas a vacinas e medicamentos. No entanto, muitas das empresas farmacêuticas estão se esforçando para comercializar e monopolizar descobertas científicas originadas em laboratórios públicos com financiamento público em todo o mundo.
“Defender a proteção do monopólio é a antítese do atual apelo para que os medicamentos e vacinas para COVID-19 sejam tratados como bens públicos globais”, diz Hu. “Nesse momento sem precedentes, os governos devem agir juntos pelos interesses de todas as pessoas em todos os lugares.”
Fonte: Abc do abc
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