O Estado de S.Paulo
Jornalista: Paula Felix
28/10/19 - Desde janeiro, a nutricionista Patricia Maria Marinho Bergara, de 32 anos, tem alternado momentos de medo e alegria. Tudo começou com um líquido que saía da mama direita e o aparecimento de um nódulo. Enquanto aguardava o resultado da biópsia, descobriu a gravidez. Recebeu o diagnóstico de câncer de mama e intercalou as compras do enxoval com a quimioterapia. Uma síndrome rara antecipou o nascimento de Atreio – do grego “aquele que nada teme”. Após 45 dias na UTI, o bebê recebeu alta.
Hoje, a criança está com 3 meses e a mãe aguarda uma cirurgia para retirada de parte da mama e o início da radioterapia, mas está confiante: “Sempre fui uma pessoa que gosta muito de planejar o futuro. Depois de todos esses acontecimentos, estou pensando em um dia após o outro. Não posso fazer muitos planos, mas já deu tudo certo”.
Ter filho era um sonho. Apesar da pressão de pessoas ao seu redor, ela e o marido estavam na fase de conter a ansiedade e deixar a gravidez acontecer. Em dezembro do ano passado, ela começou a fazer um check-up.
“Pedi um ultrassom de mamas, porque já sentia uma bolinha embaixo do meu seio direito. Em janeiro, saiu o resultado que eu estava com um nódulo irregular, pediram uma biópsia e fiquei esperando o resultado. Nesse meio tempo, descobri a gravidez. Fiz um teste de sangue e estava muito grávida.”
A nutricionista não esperava receber um diagnóstico de câncer. “Não tem casos na minha família. Pensei que era uma inflamação ou (algum efeito) por ter parado o anticoncepcional.” No final daquele mês, a doença foi confirmada. “A primeira coisa que eu pensei é que iria morrer. A gente começou a procurar vários médicos para saber como fazer isso, porque nunca tinha ouvido falar de mulheres grávidas com câncer. Para mim, isso não existia.”
Mastologista da Cia. da Consulta e do Hospital Pérola Byington, Felipe Cavagna diz que a estimativa é de que 1 a 3% dos casos de câncer de mama ocorrem na gravidez. “Está ficando cada vez mais comum porque as mulheres estão engravidando em idade mais tardia e há mais casos da doença por causa de hábitos, de origem comportamental. Esse número não é desprezível, levando em consideração que são quase 60 mil casos de câncer de mama no Brasil.”
Cavagna explica que alterações na mama que costumam ocorrer no período dificultam o diagnóstico. “Não é todo ginecologista ou obstetra que vai examinar as mamas no pré-natal.
Na gravidez, a mama dói, fica inchada e, em mulheres em idade reprodutiva, o câncer de mama acaba não sendo pensado”, diz. Patricia iniciou o acompanhamento psicológico e, durante o primeiro trimestre da gestação, foi realizado o planejamento do tratamento. A gravidez corria bem. “Não tive enjoo, tontura nem desejo. Só sabia que estava grávida porque fiz o ultrassom.” Depois da 14.ª semana, começou a fazer quimioterapia e, para sua surpresa, não teve efeitos colaterais.
“Eu ia até na (Rua) 25 de Março para comprar as coisas do chá de bebê. Como não tinha muita reação, comecei a ficar com medo de a quimioterapia não estar fazendo efeito. Achava que eu ia morrer, que meu bebê ia morrer. Fiquei muito feliz ao ficar careca, porque, com o meu cabelo caindo, sabia que o tratamento estava fazendo efeito”, lembra Patricia.
Tratamento
A definição do tratamento a ser adotado depende do caso da paciente e cabe à equipe médica. No caso de quimioterapia, as sessões podem se iniciar após o primeiro trimestre de gravidez. “Até 14 semanas, não costumamos fazer a quimioterapia porque os órgãos do feto estão sendo formados e há risco de má-formação de 20% a 30%. Depois de 14 semanas, pode entrar com o tratamento, porque o risco cai para 2%. Tem de tratar o câncer”, explica o mastologista.
Segundo Cavagna, o tratamento não interfere na via de parto, mas a amamentação pode ser comprometida.
Ao entrar no sétimo mês de gravidez, a nutricionista teve uma rara e grave complicação na gestação chamada síndrome de Hellp, que pode comprometer os órgãos. “No dia que eu ia fazer a quarta sessão da quimioterapia, minha pressão estava muito alta. Fui levada para o pronto-socorro e medicada. Comecei a sentir dores do estômago e voltei para o hospital. Minhas plaquetas estavam caindo muito rápido e a minha médica falou que ia ter de fazer o parto. Ele nasceu com 34 cm e 1,120 kg. Meu bebê ficou 45 dias na UTI, mas não teve nenhum problema respiratório nem precisou fazer nenhuma cirurgia.”
Patricia enfrenta com alegria os desafios da maternidade enquanto se prepara para as próximas etapas do tratamento. Atualmente, já com o tumor reduzido, aguarda o resultado de exames pré-operatórios e deve fazer uma cirurgia no final do mês. Depois, vai iniciar a radioterapia.
A nutricionista não sabe se será possível engravidar novamente. “Os médicos me falaram que a quimioterapia pode causar menopausa precoce. Pode ser que eu não seja mais mãe biologicamente, então, esse é o meu momento de ser mãe. Vou aproveitar, curtir, cantar musiquinha e acordar de madrugada.”
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