Bem Estar | Médico José Osmar Medina Pestana fala da importância de doar órgãos Assista online | Globoplay

O Globo 

Jornalista: Constança Tatsch

07/11/21 - O professor da Unifesp José Osmar Medina Pestana é diretor do Hospital do Rim em São Paulo, que já realizou mais de 20 mil transplantes e, com 900 cirurgias por ano, é o lugar que mais faz o procedimento em todo o mundo. Na entrevista a seguir, fala sobre o passado e o futuro desse tipo de cirurgia.

Há poucas semanas foi realizado o primeiro transplante experimental de órgãos de um animal, o rim de um porco, para um ser humano sem rejeição imediata. O que isso significa?

O xenotransplante, ou seja, o transplante de uma espécie para outra, é uma evolução que há muitos anos se diz que vai ocorrer, mas não acontece ainda. A anatomia dos porcos, macacos e cachorros é igual à dos humanos, mas há anticorpos naturais contra isso. No caso desse procedimento, os cientistas conseguiram resolver uma parte importante da questão da rejeição, fazendo uma modificação genética específica, para deixar determinadas células do porco iguais às humanas. Assim, a rejeição imediata foi resolvida. A família autorizou o procedimento em uma pessoa com morte cerebral, em nome do progresso da ciência, e ela sobreviveu 52 horas.

Esse seria o futuro dos transplantes?

É uma das possibilidades, sim. Ela envolve uma questão ética que é complexa. Temos outras possibilidades no futuro, como fabricar órgãos a partir de células troncos ou, até mesmo, evitar o transplante fazendo a regeneração do órgão, com células da própria pessoa.

A curto prazo, o que o senhor vê de avanço?


Por uns bons anos vamos continuar vendo o transplante de rim do jeito que é feito hoje. Há 30 anos, a chance de dar certo era de 60% e hoje é de 90%. É o transplante de órgãos de maior sucesso. O maior salto foi entre 1980 e 2000, quando apareceram tratamentos de imunossupressão melhores. Nos últimos 20 anos, o progresso foi mais lento mas agora vamos usando os mesmos remédios de maneira mais apropriada, ajustando doses e fazendo melhores combinações. É difícil provar que um medicamento novo é melhor quando o outro já tem 90% de efetividade.

Como foi o início desse tipo de procedimento?

O primeiro transplante foi feito em 1954, em Boston e ele deu certo porque eram gêmeos univitelinos. Aí não há rejeição porque as pessoas são idênticas, não precisa dar remédio nenhum, nada, a compatibilidade é de 1.000%.

No Brasil o primeiro transplante foi feito em 1964, no Rio. Foi um grande desafio?


Na época, nem havia regulamentação sobre a doação de órgãos. Eles tinham uma criança de oito meses com hidrocefalia, ou seja, com um líquido na cabeça que precisava ser drenado. Para isso, tiravam o rim com o ureter, que é o canalzinho que leva urina do rim à bexiga, e faziam a drenagem usando o ureter. Mas o rim, que estava normal, era jogado fora. Então decidiram aproveitar o rim para implantar numa pessoa que precisava. Vários transplantes começaram desse jeito na Europa. Eles foram os pioneiros, mas foi o único. Em 1965, começaram a fazer em São Paulo. Diferentemente do Rio, foi criado um programa de transplantes no Hospital das Clínicas com regularidade, primeiro com doador vivo, depois com doador falecido.

Quais eram os principais pontos de diferença?


A imunossupressão era rudimentar, faziam o transplante, mas depois o organismo rejeitava o órgão. Ao tirar o órgão, precisavam implantar imediatamente porque não havia líquido de preservação. Hoje temos solução que preserva por de 24 a 36 horas. A seleção imunológica, para ver se é compatível, também é diferente. Só se fazia a seleção de compatibilidade por tipo de sangue e não pelo tipo genético.

Como funciona isso?

A seleção se refere ao tipo sanguíneo e é predominante. Uma pessoa com sangue tipo O pode doar para todo mundo, mas se receber um órgão de alguém AB, o corpo rejeita na hora. Já o tipo genético de compatibilidade é o HLA, que aprofunda isso. Mas esse não precisa ser 100% porque dá para entrar forte com os imunossupressores e resolver.

Como está atualmente a fila para receber um rim?

Hoje, 80% dos transplantes de rim são feitos a partir de doador falecido. Assim, temos 20 mil pessoas na fila. O Brasil faz cerca de 5.500 procedimentos por ano, durante a pandemia foram 4.500, mas isso deve se normalizar. Por questões logísticas, cada estado tem a sua fila. Quando chega o órgão de um doador falecido, avaliamos a compatibilidade com as pessoas que estão esperando. Com doador vivo se faz entre família, geralmente pais. Entre irmãos a compatibilidade varia do 0 a 100%.

É importante haver uma relação afetiva de um doador vivo, certo?

Quando perguntam se, caso eu estivesse em diálise, ia querer o rim de um filho digo que não. Os jovens precisam dos dois porque ficar com um rim só pela vida toda causa sobrecarga de um só. Mas, se fosse o contrário, eu daria um para cada um dos meus filhos e ficaria em diálise para sempre.

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