A Europa, incluindo a Suíça, tem enfrentado um agravamento da escassez de medicamentos nos últimos anos. © Keystone / Christian Beutler
A Suíça está de olho na nova revisão da regulamentação dos produtos farmacêuticos da Europa, que virou uma disputa entre os apelos da indústria por mais incentivos à inovação e as demandas dos Estados membros para tornar os medicamentos mais acessíveis.
by Jessica Davis Plüss | SWISSINFO
A Comissão Europeia divulgou o tão aguardado projeto de revisão da legislação sobre produtos farmacêuticos.
As mudanças propostas são abrangentes, envolvendo desde a redução do tempo de aprovação de novos medicamentos até a melhoria da transparência do financiamento público no desenvolvimento de remédios, passando também por planos de aceleração da entrega de medicamentos durante emergências.
A reação na União Européia (UE) tem sido mista. A indústria farmacêutica argumenta que as novas regras correm o risco de prejudicar a inovação na UE, enquanto alguns ativistas de saúde pública dizem que as regras representam um progresso, ainda que algumas mudanças importantes tenham sido atenuadas por grupos de lobby farmacêuticos.
Mesmo na Suíça, que não faz parte da União Europeia, o rascunho foi recebido com um otimismo cauteloso. ONGs, políticos e grupos da indústria disseram que acolhem a atualização desesperadamente necessária, mas têm opiniões diferentes sobre se as regras vão longe o suficiente para resolver os problemas.
“A intenção de fortalecer a competitividade do continente e se preparar para o futuro da estrutura regulatória europeia foi bem recebida pela indústria”, escreveu René Buholzer, que dirige a associação farmacêutica suíça Interpharma, em um artigo publicado em francês no Le Temps na sexta-feira. “No entanto, as propostas resultantes correm o risco de complicar o quadro regulatório e enfraquecer os incentivos para investimento em inovação.”
O projeto de lei, a primeira revisão em cerca de 20 anos, está sendo apresentado em um momento de debates acirrados sobre como incentivar a inovação sem acarretar preços altíssimos que poderiam levar os sistemas de saúde ao limite.
A linguagem cuidadosamente elaborada no projeto reflete o delicado movimento de equilíbrio que os líderes europeus estão tentando ter para manter a indústria farmacêutica sob controle sem expulsá-la de seu solo. Vários líderes da indústria apenas reforçaram esses temores argumentando que a Europa corre o risco de ficar para trás em relação ao resto do mundo em inovação se as regras forem muito rígidas.
Em fevereiro, o CEO da Novartis, Vas Narasimhan, disse à imprensa que as medidas de corte de custos na Europa eram uma grande preocupação e que estavam corroendo a atratividade do ecossistema de inovação.
Em uma mensagem por e-mail após a divulgação da legislação, um porta-voz da Roche disse que a empresa espera que qualquer “nova legislação da UE para produtos farmacêuticos garanta que a Europa continue sendo um destino preferencial para investimentos em ciências da vida em meio ao rápido aumento da concorrência em todo o mundo”.
Dar e receber
Essa tentativa de equilíbrio e moderação se materializa nas palavras do projeto que tratam do 'período de exclusividade', que dá a uma empresa o monopólio da venda de um medicamento. Se as regras avançarem, as empresas terão apenas 8 anos (combinação de proteção de dados e proteção de mercado) em vez de 10 anos de exclusividade. Isso é benéfico para pacientes e pagadores, como seguradoras, que veriam versões mais baratas de medicamentos chegarem mais cedo. A indústria, porém, resiste veementemente às mudanças que permitam que a concorrência reduza seus lucros.
Em um aceno para a indústria, as regras da UE afirmam que, se um produto for comercializado em todos os países membros da UE e atender a várias condições, a exclusividade pode ser ainda maior que 10 anos. Isso reflete um compromisso, diz Patrick Durisch, que lidera a política de saúde pública na ONG Public Eye. “A UE poderia ter sido muito mais rigorosa para tomar medidas pró-acesso e reequilibrar os lucros que as empresas obtêm graças a seus monopólios”.
A indústria ainda está cética. Em uma declaração após a legislação, Nathalie Moll, que lidera o grupo comercial da Federação Europeia de Associações e Indústrias Farmacêuticas, disse que “penalizar a inovação se um medicamento não estiver disponível em todos os Estados-Membros dentro de dois anos é fundamentalmente falho e representa uma meta impossível para empresas”.
Suíça do lado de fora
Os políticos e a indústria suíça estão de olho nas novas regras. A UE não é apenas um grande mercado para as empresas suíças, mas também uma fonte de talentos. A Roche tem cerca de 44.000 funcionários (cerca de um quinto do total) na Europa e investe cerca de CHF 6 bilhões ou cerca de 40% de seus gastos globais em P&D no continente.
Mas a Suíça está buscando seu próprio ato de equilíbrio. O governo suíço não quer rejeitar novas regras e abalar as relações com a UE, que já estão em terreno instável depois que a Suíça rejeitou planos para um acordo-quadro abrangente em 2021, destinado a substituir mais de cem acordos bilaterais.
Uma prioridade chave para a Suíça nas negociações em andamento é a entrada no Horizonte Europa, o maior programa de pesquisa do bloco com um orçamento de € 90 bilhões (CHF 88,3 bilhões).
Existem também várias áreas em que a Suíça depende da UE, incluindo protocolos comuns de segurança do paciente e coordenação em torno do gerenciamento da escassez de medicamentos. As empresas farmacêuticas suíças também desejam manter o acesso irrestrito ao mercado da UE.
Ao mesmo tempo, a Suíça mantém sua própria competitividade em mente. O país alpino concede exclusividade de medicamentos por até 20 anos, o que ajuda a atrair empresas inovadoras. Adotar regras da UE que reduzam o período de tempo colocaria o país em desvantagem em relação aos locais de fabricação de custo mais baixo na Europa, dizem alguns políticos.
Alguns grupos da indústria argumentam que a Suíça pode ser vista como uma alternativa à UE se as empresas começarem a ver o bloco como menos favorável à inovação.
“A Suíça agora tem a oportunidade de fortalecer sua boa reputação como um local de inovação”, escreveu Buholzer.
O projeto de revisão seguirá agora para discussão no Parlamento Europeu e no Conselho. Não há prazo para que a regulamentação seja concluída e as novas regras entrem em vigor.
Adaptação: Clarissa Levy
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