Valor Econômico
Jornalistas: Thais Carrança e Bruno Villas Bôas
13/02/20 - As vendas do varejo vieram abaixo do esperado em dezembro, após resultado também decepcionante da indústria no mês. Os dados fracos, após um novembro também frustrante, reforçam a cautela com relação ao ritmo da atividade. Mas os economistas avaliam que as perspectivas seguem favoráveis para o consumo das famílias em 2020.
As vendas do varejo restrito registraram queda de 0,1% em dezembro, desempenho pior do que a alta de 0,2% esperada pelos analistas. No varejo ampliado, que inclui a venda de automóveis e material de construção, o recuo foi de 0,8% na mesma comparação, contra expectativa de baixa de 0,2%. Em dezembro, a indústria também registrou queda (0,7%) pior do que a esperada.
Dos dez setores acompanhados pela Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), oito registraram baixa em dezembro, com destaque para o recuo de 1,2% nas vendas de supermercados e de 4% em veículos. Na contramão, móveis e eletrodomésticos (3,4%) e livros, jornais, revistas e papelaria (11,6%) foram as únicas atividades com desempenho positivo no mês. Com o resultado de dezembro, o varejo restrito encerrou 2019 em alta de 1,8%, e o ampliado, de 3,9%. Este foi o terceiro ano de crescimento para o comércio, passada a recessão.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o aumento da inflação em dezembro, como resultado do choque no preço das carnes, devido à gripe suína na China, explica a queda registrada nas vendas de supermercados. “Nesses momentos de aumento de preços, os consumidores promovem uma substituição de produtos mais caros por mais baratos, buscam outras proteínas. Isso provoca essa queda na receita real do setor”, disse Isabella Nunes, gerente da PMC.
Já a alta registrada na venda de móveis, eletrodomésticos e livros em dezembro pode estar relacionada à Black Friday, avalia Isabella. Como o evento promocional foi realizado no fim de novembro, parte das receitas pode ter beneficiado os indicadores do mês seguinte, avaliou a gerente.
No ano de 2019 como um todo, os principais destaques no setor de varejo foram o comércio automotivo (10%), as farmácias, perfumarias e cosméticos (6,8%) e as lojas de utilidades domésticas (6%). Móveis e eletrodomésticos (3,6%) e material de construção (4,3%) também mostraram força.
“Claramente, a predominância dos segmentos mais demandantes do crédito como indutor do consumo decorreu da maior expansão de crédito dos últimos oito anos”, observa Fabio Bentes, chefe da divisão econômica da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A concessão de crédito livre às famílias teve avanço de 11% no ano passado - maior taxa desde 2010 (20,5%), lembra ele.
A continuidade das concessões de crédito, com a manutenção dos juros baixos, e a melhora esperada do mercado de trabalho são os principais fatores para o otimismo dos analistas com relação ao consumo das famílias neste ano. Em janeiro, a desaceleração da inflação também deve contribuir para um desempenho melhor da venda de supermercados.
“Dado que já vemos a inflação desacelerando e, mais importante, vemos o mercado de trabalho melhorando ao longo do tempo, o crescimento do rendimento médio real e da massa salarial tende a produzir efeitos positivos sobre as vendas de supermercados”, diz Flávio Serrano, economista-chefe do Haitong. “Para os setores que dependem mais da dinâmica de crédito, neste ano temos um impulso adicional, pois temos juros ainda mais baixos.”
Apesar da perspectiva favorável, os dados decepcionantes da atividade em novembro e dezembro deixaram os economistas mais cautelosos quanto à expectativa de crescimento para este ano. “Os dados de atividade econômica continuam decepcionando pelo segundo mês consecutivo, dando fim a momentum positivo que se construía até outubro”, escreve o economista Daniel Silva, da Novus Capital. “Os fundamentos continuam favoráveis à recuperação da atividade econômica, mas esses dados mais recentes colocam dúvida quanto ao ritmo dessa recuperação no curto e médio prazo.”
Essa também é a avaliação de Rafael Leão, da Arazul Capital. Segundo ele, os dados mais fracos de atividade no quarto trimestre devem frustar a expectativa de alguns analistas de que o ano de 2019 se encerraria com um impulso favorável para o ano seguinte, que levaria a atividade a um crescimento acima de 2%. “Me parece que o crescimento será de 2% e as estimativas tendem a se consolidar em torno desse patamar.”
Luana Miranda, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), tem avaliação similar. “Sempre tivemos uma visão mais cautelosa quanto ao crescimento de 2020 e esses resultados só corroboram nossa visão de um avanço de 2,2%. Um crescimento de 3%, por exemplo, nunca esteve no nosso cenário.”
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