Valor Econômico
Jornalista: Malu Delgado
06/11/19 - Um ano após a decisão do governo cubano de retirar mais de 8.500 profissionais do Programa Mais Médicos no Brasil, a gestão do presidente Jair Bolsonaro tenta aprovar hoje na Câmara dos Deputados a Medida Provisória 890/2019, com remodelagem e um novo nome, Médicos pelo Brasil. A amplitude do antigo programa - o atendimento de 63 milhões de usuários do SUS - e sua capilaridade, potencializadas pelos médicos cubanos que se embrenharam por grotões e áreas de alta vulnerabilidade social do país, acentuam o enorme desafio do atual governo para manter uma política pública de altíssimo impacto e preencher a totalidade das vagas num setor tão sensível à população de baixa renda.
Cerca de 3 mil vagas do programa seguem desocupadas. Levantamento feito no final do ano passado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conasems) apontou que 284 cidades em 19 estados do Brasil ficaram sem médicos repentinamente.
Segundo o Ministério da Saúde, o Mais Médicos conta hoje com 15.003 profissionais. Dentre eles, 10.209 têm CRM brasileiro e 4.794 se graduaram no exterior. Considerando que o Médicos Pelo Brasil vai oferecer 18 mil vagas, o déficit, com base nos últimos dados da pasta, é de 2.997 vagas. “O número de vagas desocupadas é dinâmico e varia constantemente, conforme a saída e a reposição dos profissionais”, informou o ministério ao Valor. Sem os cubanos, a rotatividade dos profissionais é um problema real do novo programa.
O texto original da MP 890 foi bastante modificado na comissão mista. Um dos aspectos mais polêmicos é autorização para que cerca de 2 mil cubanos que ficaram no Brasil continuem a atender até o término dos contratos (em média mais dois anos). Ao final deste prazo, os cubanos terão a oportunidade de fazer o Revalida, a prova que avalia os conhecimentos profissionais dos não graduados no Brasil e autoriza a prática médica no país.
A intenção do governo Bolsonaro de só permitir que quem tem CRM brasileiro possa atuar no programa também caiu por terra. O relatório aprovado na comissão mista prevê que o governo federal será obrigado a aplicar o Revalida duas vezes por ano (desde 2017 não é realizada a prova), por universidade públicas e particulares.
O Conselho Federal de Medicina e a Associação Médica Brasileira querem a derrubada desses dois pontos. As entidades alegam que tais mudanças no texto original representam “um atentado à segurança do atendimento médico à população, permitindo que ele seja realizado por pessoas que não comprovaram conhecimento técnico e o domínio de habilidades e atitudes para exercer a profissão”.
O Valor apurou que a continuidade da atuação dos cubanos conta com a anuência dos técnicos do Ministério da Saúde, que conhecem o impacto dos atendimentos desses profissionais em unidades básicas de saúde (UBS).
Outro ponto que promete gerar grande embate no plenário é a permissão para a contratação de médicos por consórcios intermunicipais, caso o governo federal não consiga preencher vagas de atendimento pelos critérios do Médicos pelo Brasil.
Criado em 2013 no governo do PT, o Mais Médicos sofreu duros ataques desde a origem e as relações contratuais dos cubanos sempre foram um ponto obscuro do programa - a maior parte dos salários dos médicos, ao menos 70%, era destinada ao governo de Cuba. Ao longo de cinco anos, porém, os resultados e impactos positivos do programa, pesquisados no universo acadêmico e sentidos na pele pelos usuários, tornaram-se evidentes, ficando impossível para o governo Bolsonaro extinguir a política pública, a despeito de sua rivalidade ideológica com Cuba e o PT.
O Ministério da Saúde propôs alterações de critérios de áreas de vulnerabilidade, o que poderia retirar médicos de periferias dos grandes centros urbanos. A comissão reintroduziu a necessidade de manter médicos em capitais, regiões metropolitanas e em cidades com IDH elevado, mas altamente vulneráveis. “Todas as 8.517 vagas abertas após o fim da cooperação com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) foram preenchidas por médicos brasileiros”, assegurou o ministério, por nota.
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