by Edison Veiga | DW
Em 9 de maio de 1960, primeira pílula anticoncepcional foi aprovada nos EUA. Medicamento revolucionou hábitos sexuais e ajudou a consolidar a mulher no mercado de trabalho. No Brasil, foi recebida com forte resistência.
Há 60 anos, em 9 de maio de 1960, a agência federal Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, declarou que um medicamento chamado Enovid, já utilizado havia três anos para tratar desordens menstruais, era seguro como contraceptivo. Assim foi aprovada a comercialização da primeira pílula de controle de natalidade do mundo.
"Foi uma revolução, não só da mulher, não só da sexualidade", avalia à DW Brasil a ginecologista Carolina Ambrogini, coordenadora do ambulatório de sexualidade feminina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "A pílula deu a possibilidade de a mulher poder escolher o momento da maternidade e, principalmente, desvinculou o ato sexual do efeito reprodutivo. Isso foi importante para a consolidação da mulher no mercado de trabalho e mudou toda a dinâmica familiar."
Autora do livro Histórias Íntimas: Sexualidade e Erotismo na História do Brasil, a historiadora Mary Del Priore enfatiza esse caráter revolucionário do medicamento. "Numa época em que era comum ver mulheres conceberem sete, dez, até 12 filhos, obedecendo ao 'crescei e multiplicai-vos', a pílula revolucionou os hábitos sexuais", afirma.
"O ato sexual deixou de servir exclusivamente à procriação. Abriu-se uma brecha no mandamento divino: doravante, a mulher poderia escolher entre ter ou não filhos. Era o fim de intermináveis gravidezes e de problemas que essas traziam: enfraquecimento progressivo da mãe e dos bebês", aponta.
Para a médica Beatriz Truyts de Moraes Alves, especializada em reprodução humana, a pílula anticoncepcional deu à mulher muito mais que autonomia para definir qual é o momento ideal, em sua vida, para a concepção. "Ela permitiu à mulher que o prazer fosse desvinculado das palavras gravidez e fertilidade", diz. "Foi responsável pela mulher tomar as próprias rédeas da vida, do corpo e de ter controle sobre uma situação que até então era imposta pela natureza. Vivíamos em uma era onde sexo era sinônimo de fertilidade, e não sinônimo de prazer."
Comparada às pílulas modernas, a primeira versão era uma verdadeira bomba hormonal. Segundo a ONG americana Planned Parenthood, a Enovid tinha 10 mil microgramas de progestina e 150 microgramas de estrogênio. Os contraceptivos atuais costumam ter de 50 a 150 microgramas de progestina e de 20 a 50 microgramas de estrogênio.
"Sem dúvida, os avanços tornaram [a pílula] muito mais segura. Todo remédio tem contraindicações, não podemos deixar de levar isso em consideração. Mas se a pílula pode trazer malefícios, os benefícios superam em muito os riscos", afirma a psicóloga e sexóloga Quetie Mariano Monteiro, diretora do Instituto de Ensino, Pesquisa e Orientação em Saúde e coordenadora pedagógica do Hospital Pérola Byington, em São Paulo.
Tabu no Brasil
Se nos Estados Unidos, a pílula chegou às farmácias ainda em 1960, no Brasil o medicamento só passou as ser disponibilizado em 1962.
No início, era comercializado somente para mulheres casadas – e com autorização do marido. Para tanto, os juristas se apoiavam numa lei aprovada em 27 de agosto de 1962, atualizando o código civil em vigor, que determinava a "situação jurídica da mulher casada", na qual ela não podia, sem autorização do "chefe da família", "praticar atos que este não poderia sem consentimento da mulher".
"Existiu muita resistência, é uma coisa bastante cultural", diz Monteiro. "Há questões religiosas envolvidas, e o lugar onde a mulher é colocada na sociedade. Há tabu nesse processo."
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