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por Adriana Dias Lopes

Veja

06/12/19 -  Em virtude de imperativos científicos, os animais são comumente usados como cobaias de estudos para o desenvolvimento de remédios para humanos. De algum tempo para cá, ante novos humores da sociedade, de intenso cuidado com todos os seres vivos, os bichos começaram a receber especial atenção da medicina veterinária — eles mesmos são alvos finais das terapias, e não meros vetores de investigação e testes. Há pouco menos de um mês, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento regulamentou o uso de células-tronco em bichos — passo decisivo de um movimento que, alguns anos atrás, já ganhava força, em torno de uma dezena de empresas capacitadas a oferecer a técnica no Brasil. Os resultados são promissores: doenças de alta complexidade, que não respondiam a medicamentos tradicionais, podem ser tratadas.

 

A empresa paulista Regenera Stem Cells, de Campinas, foi a primeira a receber o aval do governo. As células-tronco são aplicadas em cães e gatos (além de equinos) que apresentam três tipos de doença: a cinomose, infecção viral que ataca os sistemas nervoso, respiratório e gastrointestinal; a osteoartrose, que atinge as articulações e leva à paraplegia; e a ceratoconjuntivite seca, quando os olhos não produzem lágrimas o suficiente, um atalho para a cegueira. O material utilizado é retirado de um banco de células-­tronco. Os tratamentos contemplam de uma a três aplicações, cada uma delas com 4 milhões a 20 milhões de células — ao preço de até 3 000 reais por injeção. Dependendo da doença e do animal, os efeitos começam a ser percebidos em horas ou, no máximo, em poucos meses. Outra referência na área, a Cellen, do Rio de Janeiro, usa células-tronco também nos cuidados de outros problemas, como fraturas, artrite, artrose, doenças hepáticas e insuficiência renal.

 

Os procedimentos trabalham com as chamadas células-tronco mesenquimais. Elas estão presentes sobretudo na parede do cordão umbilical, na medula óssea e no tecido adiposo tanto dos animais como dos humanos. Não se trata, portanto, das ruidosas células-­tronco embrionárias, extraídas de embriões, cujas pesquisas foram liberadas pelo STF, depois de muita discussão, apenas em 2008. As mesenquimais, de rápida proliferação, têm potencial para recuperar músculos, ossos e cartilagem. Com o passar dos anos, a produção dessas células diminui consideravelmente, o que prejudica o processo de regeneração natural. A biotecnologia potencializa esse sistema bioquímico natural. Amostras de sangue são extraídas da medula óssea do animal, modificadas em laboratório e depois reaplicadas.

 

O sucesso com animais, embora não possa ser imediatamente replicado em seres humanos, representa um farol. A manipulação de células-tronco é o sonho de consumo da medicina humana. Há hoje 950 protocolos de estudos registrados em todo o mundo, a caminho de conclusões. Mais de 10 000 pacientes foram tratados com as células mesenquimais em pesquisas realizadas em diversos centros de saúde. Metade deles respondeu muito bem ao recurso, o que já seria suficiente para sua liberação comercialmente. Mas há que ter cuidado. Buscam-se mais segurança e certezas, principalmente em relação à eficácia na reparação de tecidos em larga escala. Diz o geneticista Salmo Raskin, professor da Universidade Positivo e diretor do Genetika, laboratório de análises clínicas especializado em genética médica: “Tratando-se de humanos, toda cautela é pouca”. A esperança, contudo, não tem limites.

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