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Surto da doença na República Democrática do Congo, iniciado há um ano, já matou cerca de 1,8 mil pessoas. A ajuda internacional chegou, mas desconfiança e ‘fake news’ levam moradores locais atacar profissionais de saúde.

“Minha equipe foi atacada por fazer seu trabalho”, diz o médico Pascal Vahwere, que combate o ebola na República Democrática do Congo (RDC).

Em março, ele e a pequena equipe de profissionais de saúde que coordenava foram cercados quando tentavam fornecer vacinas em um vilarejo remoto na província de Kivu do Norte.

“De repente, uma multidão se reuniu com armas de fogo e facões”, contou à BBC. “Não sabemos por que eles queriam nos atacar. Ficamos com medo, mas conversamos com os líderes da comunidade e conseguimos pacificar o grupo.”

Além de vacinar a população contra a doença – que já matou 1,8 mil pessoas no país desde agosto de ano passado, quando foi considerada surto -, os profissionais de saúde que estão no país identificam aqueles que já estão infectados e os encaminham para os centros de tratamento. Também ajudam a enterrar os mortos.

Para muitos, entretanto, essas tarefas têm se tornado cada vez mais arriscadas: pelo menos sete profissionais da saúde foram mortos apenas este ano na República Democrática do Congo e outros 58 ficaram feridos.

Boatos

As multidões revoltadas que muitas vezes recebem os profissionais da saúde que tentam conter a rápida disseminação da doença no país não raro são estimuladas por rumores que se espalham, por exemplo, em grupos de WhatsApp.

Teorias da conspiração e a frustração pela falta de uma resposta adequada ao surto da doença estão alimentando ressentimento entre a população vulnerável à epidemia.

“A disseminação de informações falsas levou as pessoas a acreditarem que o ebola é um negócio lucrativo para os políticos”, diz Vahwere.

Ele trabalha para o comitê de resgate internacional na cidade de Goma, situada no leste do país. A cidade registrou sua primeira morte relacionada ao ebola há apenas duas semanas. Um segundo caso foi detectado no início desta semana.

“Alguns até chegaram a dizer que o tratamento está, na verdade, matando as pessoas.”

Ataques

Segundo Sakuya Oka, gerente de comunicações da OMS, a entidade documentou 198 ataques a instalações de saúde e profissionais de 1º de janeiro a 24 de julho de 2019, com 7 mortos e 58 feridos.

A lista de mortos inclui o epidemiologista sênior da OMS, Richard Mouzoko. Ele foi morto durante um ataque ao Hospital Universitário Butembo em 19 de abril. Duas outras pessoas ficaram feridas nesse ataque.

Em maio, moradores do leste da República Democrática do Congo mataram um profissional da saúde e saquearam um centro de tratamento.

Em 15 de julho, dois trabalhadores envolvidos na campanha de prevenção ao ebola foram assassinados dentro de casa na província de Kivu do Norte.

Epidemia

O volume e a letalidade dos ataques estão comprometendo a resposta ao surto, que tem se acelerado: foram necessários 224 dias para que o número de casos chegasse a mil, mas apenas 71 dias para que atingisse 2 mil.

“Após cada interrupção nas atividades, há um aumento nas infecções”, diz Amy Daffe, diretora-adjunta do Mercy Corps na República Democrática do Congo.

O ebola é transmitido através de fluidos corporais de uma pessoa infectada, como sangue – ou objetos como cobertores e roupas contaminados com esses fluidos. Não há cura, mas o tratamento precoce de sintomas específicos, bem como o uso de terapia de reidratação oral e intravenosa, podem aumentar as chances de sobrevivência.

Vacinação

Uma vacina recentemente desenvolvida está sendo dada à população da República Democrática do Congo para ajudar a prevenir a propagação da doença.

Cerca de 170 mil pessoas em contato próximo com pacientes infectados receberam a medicação preventiva.

Mas os ataques provocam interrupções na campanha de imunização, o que permite que a doença se espalhe ainda mais.

Conflitos armados

O governo local atribui os ataques às dezenas de grupos rebeldes que atuam na região em que o surto está acontecendo.

“A tragédia é que temos os meios técnicos para frear o ebola, mas, até que todas as partes (em conflito) parem de atacar as equipes de saúde, será muito difícil acabar com este surto”, tuitou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em 10 de maio, após uma série de ações contra os profissionais.

Em Kivu do Norte, um grupo miliciano chamado Mai-Mai foi responsabilizado pelas autoridades locais por alguns dos ataques contra centros de saúde e profissionais.

Outro grupo paramilitar, as Forças Aliadas de Defesa (rebeldes ugandenses que operam dentro da República Democrática do Congo) também foram acusados ??de causar perturbações generalizadas nas unidades médicas.

“O desafio de segurança é duplo: grupos armados que estão presentes na região há décadas e a hostilidade da comunidade. Nossa equipe tem que tomar decisões minuto a minuto sobre quando e onde é seguro operar para fornecer serviços essenciais”, diz Amy Daffe.

Em um incidente em maio, membros de uma família agrediram profissionais de saúde que estavam supervisionando o enterro de seus parentes.

Proteção militar

Para tranquilizar os profissionais de saúde, o governo está fornecendo segurança adicional. Homens armados agora guardam alguns dos centros de tratamento.

“Algumas das clínicas têm proteção armada. Isso não é bom. Precisamos ganhar a confiança das pessoas”, diz Vahwere.

Para ele, entretanto, o medo está diminuindo. “Alguns meses atrás, alguns funcionários estavam com muito medo de andar com suas roupas de proteção (e serem identificados como profissionais de saúde)”, diz.

Sarampo

Para Kate White, enfermeira que faz parte da equipe de resposta a emergências da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), “a falta de confiança das comunidades vem de mais de 20 anos de conflito militar ativo no leste do país, onde o alcance do sistema geral de saúde diminuiu e as populações em muitas áreas foram esquecidas.”

Além disso, “o fato de o ebola receber tanta atenção enquanto cólera, sarampo e malária também matam muitas pessoas contribui para a percepção de que há alguma outra razão subjacente para a resposta”, diz ela.

Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), “pelo menos 1.981 mortes devido ao sarampo foram reportadas na RDC neste ano, mais de dois terços delas de crianças com menos de cinco anos. Até 23 de junho, foram quase 115 mil casos suspeitos registrados, praticamente o dobro dos 65 mil observados em todo o ano de 2018.”

Embora o sarampo tenha matado mais que o ebola, ele vinha recebendo pouca atenção. Agora, a ONU está conduzindo uma campanha de vacinação em massa contra a doença na área afetada pelo ebola na província de Kivu do Norte.

Engajamento da comunidade

Os profissionais de saúde estão trabalhando com os líderes da comunidade local para reduzir o “déficit de confiança”.

“Precisamos ouvir as preocupações da população com a mesma atenção com a qual queremos ser ouvidos. A resposta médica precisa mudar para se adequar ao feedback que as comunidades nos dão e atender suas outras necessidades de saúde“, diz White.

Ela diz que a batalha por “corações e mentes” pode ser vencida.

“A confiança não é obtida ao entrar em uma comunidade uma vez e falar sobre o que é o ebola e como ele é transmitido. É necessário construir relacionamentos ao longo do tempo”, diz.

É isso que o agente de saúde Charles Lwanga-Kikwaya está tentando fazer. Sua equipe foi atacada no dia de Ano-Novo em um posto de vacinação.

Depois de passar seis dias no hospital, ele recebeu alta. Agora, após alguns meses, está de volta ao trabalho.

“Devo continuar lutando até que a epidemia termine. Não posso deixar meus amigos, meus irmãos e irmãs, morrerem da doença quando eu tenho o conhecimento para freá-la.”

Fonte: UOL

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