Os riscos e benefícios da popularização dos testes de DNA

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O Globo

Jornalista: Sérgio Matsura

 

 

02/02/20 - A genética ainda é, para muitos, um bicho de sete cabeças, tema mais próximo da ficção que da realidade, mas exames de DNA cada vez mais acessíveis estão mudando esse cenário. Por causa do avanço tecnológico e do aumento da demanda, testes que traçam a ancestralidade podem ser encontrados por menos de R$ 200. A encomenda é feita pela internet, com o envio do kit de coleta pelos Correios. Mas a facilidade de acesso a informações tão sensíveis levanta preocupações sobre segurança e privacidade.

 

Segundo levantamento da Sociedade Internacional de Genealogia Genética, apenas os cinco serviços mais populares nos EUA (Ancestry, 23andMe, MyHeritage, FamilyTree e National Geographic) já realizaram mais de 31,1 milhões de testes de DNA. Além da curiosidade, o preço é um atrativo. Rafi Mendelsohn, diretor de relações públicas da MyHeritage, conta que o serviço oferecido pela empresa custava US$ 99 quando foi lançado, há três anos. Hoje, custa US$ 69. Ele explica que o avanço tecnológico promove o barateamento em ritmo acelerado das máquinas e insumos usados no sequenciamento genético. Além disso, apenas uma pequena fração dos 3 bilhões de pares de base do DNA humano é analisada.

 

—99,9% do nosso DNA são iguais, apenas 0,1% pode ser diferente. Nós analisamos partes desse 0,1% para estabelecer as variações no seu DNA e compreender seu passado étnico e os riscos para a sua saúde —explica Mendelsohn.

 

O exame mais popular é o de ancestralidade. O kit de coleta vem com cotonetes especiais que devem ser esfregados na parte interior da bochecha, lacrados e enviados para o laboratório. Os resultados mostram quais regiões do mundo contribuíram para o DNA analisado, indicando a ancestralidade do indivíduo. No MyHeritage, existe ainda a possibilidade de cruzamento com dados de outros clientes, para a busca por parentes distantes.

 

Outro exame conhecido é o de riscos genéticos para a saúde, que traça a presença de variantes genéticas relacionadas a doenças como câncer, Alzheimer, Parkinson, hipertensão e diabetes tipo 2. Esse tipo de teste foi muito comentado em 2013, após a atriz Angelina Jolie realizar uma mastectomia por ter descoberto alteração no gene BRCA1, que aumenta os riscos para câncer de mama e ovário.

 

O teste era para poucos: custava US$ 4 mil, disponível em apenas um laboratório nos EUA, segundo noticiou o New York Times na época. Hoje, pelo MyHeritage, um teste mais completo, sobre dezenas de condições de saúde e doenças, sai por R$ 799. E laboratórios brasileiros estão entrando neste negócio. No Genera, o exame de ancestralidade sai por R$ 199. Esse é o mesmo valor cobrado pelo Meu DNA, ligado ao Mendelics, um dos pioneiros no país.

 

Ricardo di Lazzaro Filho, diretor médico do Genera, destaca outros exames de DNA que se tornaram acessíveis com o barateamento da tecnologia. O teste de paternidade, por exemplo, sai por R$ 399, uma fração do custo de anos atrás. O laboratório oferece ainda relatórios de nutrição, saúde e bem-estar, por R$ 499.

Os resultados indicam, por exemplo, variações genéticas relacionadas com intolerância à lactose ou deficiência de vitaminas; predisposição à obesidade e performance atlética; propensão à dependência de álcool e nicotina; e até habilidades matemáticas.

 

—Os testes de DNA não servem apenas para saber suas origens ou seus riscos para o desenvolvimento de um câncer, podem ajudar as pessoas a potencializarem suas predisposições para melhorar o bem-estar —afirma di Lazzaro. —Elas podem saber quais alimentos devem consumir mais e quais cuidados devem tomar para viver melhor.

Para Cesário Martins, à frente do Meu DNA, as informações ajudam as pessoas a guiarem suas decisões, sabendo dos riscos e benefícios:

 

—Os testes são cada vez mais rápidos, mais baratos e com mais informações.

 

A ideia é que o sistema se retroalimente. Com informações de mais pessoas, cientistas terão acesso a dados para a descoberta de mais mutações, que podem oferecer mais detalhamento aos exames. Em geral, os laboratórios possuem em suas políticas de privacidade o pedido de consentimento para o uso das informações genéticas, sob o compromisso de mantê-las anonimas.

Mesmo assim, a questão é polêmica. Especialistas alertam para alguns riscos da popularização dos kits caseiros para testes de DNA. O principal é a banalização, opina o sócio-líder de Saúde e Ciência da Vida da KPMG no Brasil, Leonardo Giusti. As legislações estão apertando a proteção de dados, com exigência do consentimento para uso dos dados. Contudo, não há regulamentação para os testes em si.

 

—Cada empresa segue seus próprios protocolos para definir se uma pessoa tem risco aumentado para o câncer. O que fazer com um falso positivo? —questiona Giusti. —Há efeitos psicológicos. O que acontece quando o indivíduo descobre que seus genes são predispostos a desenvolver câncer? Ou quando um filho descobre que foi adotado?

 

Andrey Evdokimov, líder de segurança da informação da Kaspersky, alerta para os riscos cibernéticos. Os resultados ficam em bancos de dados conectados à internet, ao alcance de hackers:

 

—Os criminosos podem chantagear pacientes.

 

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