PHILLIPPE WATANABE
DE SÃO PAULO
A professora Patrícia Furigo, 37, passou por uma cirurgia bariátrica há 13 anos. Por causa de deficiências nutricionais, ela perdeu boa parte dos dentes, e seu ortopedista pede "por favor" para que ela não quebre nenhum osso.
O caso dela está associado, principalmente, às deficiências de cálcio e vitamina D decorrentes da cirurgia bariátrica. A professora também sofreu com vômitos constantes, o que debilitou a dentição.
Ela abandonou o acompanhamento médico após, por problemas financeiros, perder o plano de saúde e se mudar de Estado. Tudo isso veio junto com um pouco de teimosia, segundo ela própria.
"Eu percebi que estava no limite quando comecei a perder cabelo. Passava a mão e ele caía, provavelmente por causa da deficiência de ferro."
"Uma das coisas que ajudou tudo isso a acontecer foi começar a comer muita porcaria. Salgadinho de saquinho, refrigerante. Eu passei a comer muito errado."
José (nome fictício) não quis que seu nome, idade ou profissão fossem citados. De forma alguma ele quer ser associado à cirurgia bariátrica e suas possíveis complicações. "Tudo isso me causou muita dor e sofrimento", diz.
A esposa dele já havia feito a cirurgia e não apresentou nenhum problema posterior. Com o exemplo da mulher, José deixou de lado cuidados e acompanhamento médico. Surgiu, então, insuficiência cardíaca devido à deficiência de selênio. "Eu fui relapso. Eu deveria ter me cuidado mais", afirma. "Não controlei as taxas de vitaminas e minerais."
Ambos são acompanhados por Gilberto Brito, professor adjunto da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e chefe do serviço de cirurgia bariátrica do Hospital de Base de São José do Rio Preto. O gastroenterologista faz estudos de caso de complicações da operação.
"A cirurgia bariátrica é fantástica, soluciona inúmeros problemas graves de saúde do paciente. Faço há 17 anos e sou fã. Mas as reações adversas têm que ser abordadas com mais seriedade pelas equipes multidisciplinares e pelos pacientes. O paciente deve estar bem informado a respeito", afirma ele.
Brito afirma que resultados preliminares de um trabalho executado no ambulatório do Hospital de Base e da Famerp mostram que só 16% dos pacientes tomavam diariamente um polivitamínico com doses apropriadas das principais vitaminas e minerais.
PERIGOSA NORMALIDADE
A confiança que vem com a aparente normalidade pós-operatória é comum e perigosa, afirmam especialistas.
"Muitas vezes os pacientes acham que, com o tempo, não precisam mais de ajuda. É aí que vêm os problemas sérios", afirma Caetano Marchesini, presidente da SBCBM (Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica).
É o caso de Marcos Vanzillotta, 25, editor de vídeos, que fez cirurgia bariátrica há três anos. "Estava tudo tão normal após a operação que eu comecei a me comportar como se não tivesse feito a cirurgia. Foi esse o erro", diz.
Vanzillotta passou o segundo ano depois da cirurgia sem acompanhamento médico e se alimentando mal. Começou, então, a sentir cansaço e falta de disposição. Após exames, ele descobriu deficiências de vitaminas C e B12.
"Os pacientes ficam tão satisfeitos que abandonam o tratamento. Nosso principal desafio é mantê-los com adesão o suficiente para não ter os possíveis prejuízos da cirurgia", diz Marcelo Pinheiro, médico reumatologista da Unifesp e membro da Associação Brasileira de Avaliação Óssea e Osteometabolismo.
Pinheiro alerta que, nos dois anos seguintes à cirurgia, os pacientes podem chegar a perder entre 5% e 10% de densidade óssea, por conta de deficiências associadas ao cálcio e à vitamina D. Isso aumentaria o risco de fraturas, de osteoporose, dores pelo corpo e, em casos extremos, até mesmo de convulsões.
RESPONSABILIDADE
Especialistas falam em responsabilidade compartilhada entre médico e paciente e ressaltam a importância de verificar os níveis de nutrientes.
Quando constatadas deficiências, suplementações nutricionais específicas para pessoas que fizeram cirurgia bariátrica costumam ser o suficiente para controlar os quadros. É assim que Patrícia Furigo, José e Marcos Vanzillotta buscam se manter saudáveis.
Para justamente evitar as complicações, a SBCBM está desenvolvendo um aplicativo que visa conscientizar pacientes e facilitar o acesso a médicos próximos e a informações sobre nutrientes e alimentos.
Ricardo Cohen, coordenador do Centro de Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, afirma que uma visita anual ao médico pode prevenir problemas e que é necessário que o paciente vigie o estilo de vida.
"Tem que ter consciência que a cirurgia por si não faz milagre e não resolve todos os problemas da vida", diz Vanzillotta.
Fonte Folha de São Paulo
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