SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma iniciativa formada por pacientes, familiares, acadêmicos e entidades civis busca o acesso a um conjunto de medicamentos para tratamento de fibrose cística de alto custo.
Produzido pela Vertex, atualmente a única detentora da patente, o conjunto de drogas comercializados pelos nomes Trikafta (elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor), Orkambi (lumacaftor/ivacaftor), Symdeko (tezacaftor/ivacaftor) e Kalydeco (ivacaftor) são capazes de modular a ação celular que leva ao acúmulo de muco nos pulmões e sistema digestivo. A expectativa é aumentar em até 27 anos a vida dos portadores da condição.
A fibrose cística é uma doença genética rara provocada por uma mutação no gene CFTR que impede a troca adequada de fluidos entre células, causando o acúmulo de muco nos pulmões e em outros órgãos. Se não tratada, causa piora na qualidade de vida durante a fase infantil e adolescente e pode levar também à morte precoce.
O problema é o custo do tratamento, avaliado em cerca de US$ 327 mil por paciente por ano (ou mais de R$ 1,6 milhão convertido diretamente, sem os descontos de acordo entre governo e farmacêutica), no caso do Trikafta, e US$ 300 mil (ou cerca de R$ 1,5 milhão), no caso do Kalydeco, levando pacientes e familiares a procurarem meios de ampliar o acesso.
Lançada nesta terça (7), a campanha deseja, entre outras ações, obter a licença compulsória para produzir os moduladores de CFTR, facilitar a produção de genéricos e oferecer maior acesso no diagnóstico e tratamento de pacientes em quatro países: África do Sul, Índia, Ucrânia e Brasil.
Chamado de Vertex Save Us, o grupo é formado por pacientes com fibrose cística, familiares e ativistas em conjunto com a ONG Just Treatment, sediada no Reino Unido, que procura conscientizar da oferta do medicamento que pode salvar milhares de vidas e pressionar a farmacêutica e os governos para a formação de acordos.
Na última segunda (6), a Abram (Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose - Fibrose Cística) enviou à ministra da Saúde, Nísia Trindade, uma carta solicitando que o governo entre com um pedido de licença compulsória para o tratamento de fibrose cística e com a criação de um estoque nacional para acabar com "o sofrimento e angústia de todas as pessoas afetadas por essa doença fatal".
Se aprovada a licença compulsória, a Vertex abriria a patente do medicamento, que poderia então ser produzido por outras farmacêuticas, pagando um valor de royalties para a companhia.
O processo de quebra de patente ocorreu duas vezes no mundo frente a emergências globais: na epidemia de HIV/Aids, no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, e na pandemia da Covid-19 para a fabricação de vacinas.
No Brasil, a estimativa é que cerca de 6.600 pessoas tenham fibrose cística. O diagnóstico é dado em geral na primeira infância -cerca de metade dos pacientes diagnosticados com fibrose cística não sobrevive aos primeiros 18 anos de vida.
Por ser uma doença crônica e progressiva, o quadro clínico dos pacientes costuma piorar com o passar dos anos, e o tempo médio de vida é de 38 anos, no Reino Unido, e de 51 anos, nos Estados Unidos. Em muitos países de baixa renda, os pacientes morrem antes dos 18 anos.
Como a Vertex justifica os preços de tratamento devido aos acordos firmados com alguns países ricos para reembolso por parte do governo de até 80% do valor, a empresa pratica a chamada "integridade global de mercado" para manter o mesmo valor do remédio em países como Índia e Brasil.
Os moduladores de CFTR, como o Trikafta, foram aprovados pela Anvisa, mas ainda não tiveram aprovação na Conitec para incorporação ao SUS. As outras drogas Orkambi e Symdeko foram rejeitadas pela comissão devido ao seu alto custo. O preço para compra pelo governo do Trikafta foi estabelecido em R$ 888.174,43, conforme dados da CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos).
Questionada pela reportagem, a Vertex respondeu, via assessoria de imprensa, que o preço do Trikafta "reflete o valor clínico e os benefícios que ele traz para pacientes, cuidadores e sistemas de saúde" e que "foram necessários mais de 20 anos de pesquisa [....] para tornar nossos tratamentos uma realidade". Disse ainda que os preços reembolsados não são definidos unilateralmente, mas sim acordados com as autoridades de cada país.
No caso do Brasil, eles são regulamentados e definidos de acordo com critérios do CMED, existindo assim uma via de acesso formal e ampla desde 2021. De acordo com a farmacêutica, o pedido de incorporação feito à Conitec, em janeiro deste ano, é seguido por uma plenária da agência, audiência pública e outra plenária final para definir sua recomendação, sendo que todo o processo pode levar até 270 dias.
A empresa disse também que um dos seus objetivos é "fornecer os medicamentos ao maior número de pacientes com fibrose cística" no mundo e que tem acordos formais de reembolsos em mais de 40 países fora dos EUA. "Continuamos a trabalhar ativamente para expandir o acesso, inclusive em países de baixa renda, reconhecendo as complexidades e os desafios de acesso nesses mercados", completou.
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