Exames médicos – “Primum non nocere”. Esse é um dos fundamentos centrais da medicina: “antes de tudo, não fazer mal”. Porém, muitos dos métodos de diagnóstico e tratamento não são inócuos e é praticamente impossível não expor os pacientes a algum tipo de dano.
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Em alguns casos, como o de pessoas que utilizam vários medicamentos de modo contínuo, os riscos podem superar em muito os benefícios esperados pela terapêutica. Essa é a iatrogenia clínica, que nada mais é que o dano causado ao indivíduo decorrente da intervenção de um profissional de saúde, ao utilizar produtos ou intervenções pretensamente benéficas, como medicamentos e métodos diagnósticos.
Um dos maiores desafios da Medicina de Família e Comunidade (e que deve ser de todas as especialidades médicas) é proporcionar cuidados médicos que sejam cientificamente aceitáveis, necessários e justificados; ou seja, que proporcionem o máximo de benefício com o mínimo de intervenção possível. Isso pode ser um problema, já que a tendência sempre foi solicitar mais exames complementares do que o necessário. Tanto é assim que, em muitos casos, a “capacidade diagnóstica” do médico é medida por sua capacidade de solicitar exames aos seus pacientes, que não compreendem o dano potencial que tais intervenções desnecessárias podem produzir.
Um de meus professores sempre dizia: “Não basta solicitar os exames, você precisa saber o que fazer com os resultados!”. A lógica da solicitação de exames deve seguir um raciocínio clínico, baseado na entrevista clínica (anamnese) e no exame físico do paciente, visando a confirmação ou exclusão de uma hipótese diagnóstica levantada por esses meios. Feita de modo arbitrário, pode confundir mais do que auxiliar, além de retrasar o diagnóstico da condição fundamental —caso exista— e expor o paciente aos danos potenciais inerentes a cada procedimento.
Um exemplo típico desta conduta é o famoso “check-up anual”. Digamos que um adulto jovem, sem nenhum problema de saúde ou fator de risco, realize uma bateria de exames e descubra que está com o colesterol acima do valor normal. Apesar de não apresentar nenhum sintoma, está constatação pode desencadear inúmeros prejuízos, como a “autorrotulação” como doente, que traz implicações sociais e psicológicas, assim como a ocasional “medicalização” deste achado incidental, expondo-o aos efeitos colaterais dos remédios. Tudo isso em uma pessoa assintomática, que estava se sentindo muito bem!
Então, só podemos realizar exames quando estamos doentes? A resposta é não. Ficou confuso? Existem algumas intervenções diagnósticas, os chamados rastreamentos, que possuem evidência científica de seus benefícios quando realizados em populações assintomáticas, visando o diagnóstico precoce. Um destes exemplos é a mamografia de rastreamento para mulheres de 50 a 69 anos de idade, assintomáticas, a cada dois anos. Fora desta faixa etária e antes dos 50 anos, os possíveis danos superam os benefícios.
Isso acontece porque antes da menopausa as mamas são mais densas, o que dificulta a avaliação da mamografia, gerando um maior número de resultados falso-negativos (resultado negativo para câncer em pacientes com câncer) e também de falso-positivos (resultado positivo para câncer em pacientes sem câncer), gerando exposição desnecessária à radiação e necessidade de mais intervenções para confirmação ou exclusão do diagnóstico, aumentando os riscos.
Em um mundo onde existe quase um medicamento para cada sintoma conhecido e incontável número de métodos diagnósticos, que crescem a cada dia graças ao avanço tecnológico, é de suma importância que o profissional de saúde seja ponderado na escolha e indicação destes, sob pena de “fazer mal, antes de tudo”.
Nunca a expressão “todo excesso faz mal” fez tanto sentido.
Fonte: cennoticias
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