A atividade é legal e regulada. Os preços nacionais são muito baixos e compensa a um distribuidor comprar em território português para vender para a Alemanha e países nórdicos. O caso da Operação Antídoto é ilegal porque foi burlado o SNS.

A fraude com medicamentos que levou esta terça-feira à detenção de 11 pessoas, entre médicos e farmacêuticos prejudicava o Serviço Nacional de Saúde em mais de um milhão de euros. Os remédios, que depois eram exportados para países nórdicos, onde os preços são mais altos, eram totalmente comparticipados, a 100% portanto.

Este tipo de negócio é definido como exportação paralela de medicamentos e até é legal, desde que a obtenção dos medicamentos seja lícita, o que não acontecia nesta situação. Nesta rede, desmantelada pela PJ, havia a prescrição de receitas falas para obter os medicamentos que depois eram exportados de forma ilícita.

Portugal é um dos países que mais exportação paralela faz. Isso deve-se ao facto de os medicamentos serem muito baratos no sul da Europa. A Alemanha, a Dinamarca ou a Holanda são os principais destinos, já que nestes estados os preços são altos e até há incentivo à importação, para poupar nas despesas. A exportação paralela está sujeita a regras, mais apertadas desde 2014. O Infarmed define quais os medicamentos que não podem ser exportados e aplica coimas quando deteta situações irregulares. Se no passado, este tipo de exportação era apontado como uma das causas para as falhas nos stocks, hoje, dizem distribuidores e o regulador, não passa por aí o problema. As falhas, dizem, passam mais pela concentração da produção e pela política de preços.

O que é a exportação paralela?

É uma distribuição de medicamentos paralela ao circuito original, do produtor para o distribuidor, envolvendo um armazenista que faz a revenda para um país estrangeiro. Na definição da Associação Europeia de Companhias Farmacêuticas, “decorre das diferenças de preços entre os diferentes mercados nacionais no âmbito do Espaço Econômico Europeu”. Estes distribuidores paralelos fazem a compra de produtos comercializados pelo fabricante original num país, como Portugal, a um determinado preço, e depois vendem-nos a um preço mais elevado noutro país.

É legal?

Sim, é uma atividade regulada. Em Portugal, desde 2014, o Infarmed tem uma lista de medicamentos que estão sujeitos a notificação prévia ao instituto para exportação ou distribuição comunitária. A lista é atualizada sempre que o Infarmed considere necessário, com o organismo a aplicar coimas aos armazenistas que exportem de forma ilegal. A Comissão Europeia, em 2018, atendendo às medidas tomadas por alguns estados-membros, como Portugal, admitiu a utilização de medidas restritivas da exportação paralela como forma de mitigar ruturas e falhas de acesso a medicamentos.

A livre circulação no espaço comunitário poderia estar em causa com essas medidas, mas a Comissão acabou por compreender a necessidade destas restrições, desde que cumpram critérios que devem ser transparentes, devem estar publicados e não podem ser discriminatórios. As restrições vigoram em vários países europeus.

Que impacto tem?

Tanto o Infarmed como os distribuidores farmacêuticos dizem que hoje em dia não é motivo de preocupação nem tem impacto nas falhas de medicamentos. Em 2014, oInfarmed reforçou o controlo, com a lista de pré-notificação e coimas mais elevadas e, no ano passado, garantia ao DN que a exportação paralela não influencia as ruturas de stocks que possam ocorrer nas farmácias portuguesas. Para essas falhas, denunciadas há três meses por um conjunto de 24 farmácias, contribuem mais questões relacionadas com o fabrico quer das substâncias quer do produto acabado, entre outras razões relacionadas com a política de preços.

Até ser feita a regulação havia muitas queixas e a Apifarma (Associação Portuguesa de Farmácia) apontava que podia provocar a escassez de medicamentos no país exportador. Contudo, a situação alterou-se com as regras introduzidas em 2014, com a adoção de um sistema para monitorizar as exportações realizadas pelos armazenistas.

A que se devem as falhas no mercado?

A exportação paralela não é responsável pelas falhas que se têm registado e que atingem todo o tipo de medicamentos, dos caros aos baratos. “O problema das falhas é muito mais grave. É crescente a falha de medicamentos. A exportação não tem evoluído e desde fevereiro o Infarmed tem limitado a 100% as exportações paralelas. Não é aí que reside o problema”, garante Diogo Gouveia, presidente da Associação de Distribuidores Farmacêuticos (Adifa).

O problema reside nos preços e na produção, explica o dirigente da Adifa, associação cujos membros concentram na distribuição nacional mais de 90% da atividade. “A concentração na grande indústria farmacêutica é um dos fatores. Há menos fábricas a produzir o mesmo medicamento, com a deslocalização ser preponderante. Hoje temos medicamentos que são feitos em duas fábricas, uma na China outra na Índia. Se houver um problema, todo o mercado irá ressentir-se. Isto merece a atenção da Europa. Não pode ficar assim dependente”, aponta. Por outro lado, os preços em Portugal, em certos medicamentos, são muito baixos. “Para o grande laboratório o mercado deixa de ser rentável. O preço é demasiado baixo. Além disso, há farmácias com necessidade económicas e sem o nível de stocks necessários”, justifica o dirigente da Adifa.

Todos os medicamentos podem ser exportados?

Não. O Infarmed define a lista de medicamentos únicos no mercado, isto é remédios para os quais não existe uma alternativa. Os genéricos, por exemplo, não podem ser incluídos nesta lista. Atualmente a lista tem cerca de 70 referências. Para exportar estes medicamentos é necessário pedir autorização ao Infarmed, que deve responder em três dias e pode vetar a sua exportação. O objetivo é evitar a falha de medicamentos únicos no mercado nacional.

Quais as principais origens e destinos?

O sul da Europa, em que se inclui Portugal, é a principal região exportadora, devido aos preços baixos dos medicamentos. Na Europa, são os países escandinavos, a Alemanha, o Reino Unido, a Holanda quem mais recorrer à compra. Nestes países, os remédios são comercializados a preços muito superiores ao que é praticado em Portugal. Isto permite grandes margens de lucro aos grossistas que vendem e nos países de aquisição leva a poupança nos custos.

“É necessário pensar numa uniformização a nível europeu”, diz Diogo Gouveia, presidente da Adifa. “A Alemanha, por exemplo, incentiva a importação de medicamentos. Poupam dinheiro”, explica. África é outro território muito comum, embora mais a nível da exportação pura. No ano passado, uma reportagem em parceria do DN com o jornal angolano O País noticiou que medicamentos exportados de Portugal estavam a ser vendidos em Angola a preços seis vezes superior. Mas este é um problema de regulação angolana já que as exportações são legais em Portugal.

Quanto vale a exportação paralela?

Não há valores seguros. De acordo com um estudo realizado pela Deloitte para a Apifarma, em 2012, numa altura em que havia menor regulação, o valor das exportações paralelas portuguesas atingiria, pelo menos, 73 milhões de euros por ano, mas este número pode pecar por defeito.

A amostra do estudo era de 126 medicamentos, com a exportação paralela a representar 21% do total das vendas para fora dos medicamentos analisados. Segundo este estudo, a margem das vendas é aproximadamente 6 vezes mais elevada na exportação do que nas vendas no mercado nacional.

Quais os medicamentos mais exportados?

Não é o tipo de medicamento ou a classe terapêutica específica que gera mais exportação paralela mas acima de tudo é o diferencial de preço no mercado nacional e noutros mercado que favorece a venda de determinado medicamento. Se o preço no país de destino for elevado, o retalhista obtém uma grande margem de lucro.

Fonte: Jornal Diário de Notícias

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