“Ela é tão impressionante que, como jogador de futebol, a gente nem precisa dizer o sobrenome para apresentá-la”, disse o apresentador: “Huda, todo neurocientista sabe quem é”. De fato: Huda Zoghbi, libanesa de nascimento, residente dos EUA desde os tempos de estudante de medicina, professora e pesquisadora da Universidade Baylor, no Texas, já é uma lenda viva. E não é para menos.
Comandando um laboratório que vem fazendo história graças à feliz combinação de sua tenacidade e capacidade de insights com financiamento generoso contínuo, Huda fez do estudo de doenças raras um prato cheio para a pesquisa.
Não sei o que é mais ingrato: fazer pesquisa básica ou estudar doenças raras. “Vai estudar o mal de Alzheimer que você ajuda mais gente”, diriam uns. Mas esse já é o foco de gente o suficiente. A história de Huda Zoghbi ilustra por que concentrar todos os esforços em um só alvo seria uma tolice enorme.
Começou como uma estratégia de sobrevivência: tendo decidido dedicar seu diploma duplo de doutora (como cientista e médica) ao trabalho em pesquisa clínica, a jovem Huda achou prudente optar por escolher um campo de estudo onde ela enfrentaria pouca competição de cientistas já estabelecidos e bem financiados. Escolheu estudar a ataxia espinocerebelar, uma doença degenerativa que afeta apenas 1 em 100 mil pessoas, deixando-as progressivamente com menos movimentos até sucumbirem por conta da dificuldade de respirar e engolir.
A doença é hereditária, o que significa que é ainda mais rara do que parece, já que os poucos afetados se concentram em famílias. Uma dessas famílias morava em Houston, e tinha um agravante curioso: em cada geração, a doença aparecia uma década mais cedo.
Armada pela genética, usando camundongos cujo genoma ela podia modificar para fazer replicar a condição de seus pacientes, e auxiliada por um número cada vez maior de pesquisadores interessados em colaborar com ela e aprender com seus insights, Huda fez trabalho de detetive. Descobriu a fonte do problema numa proteína que, quando afetada por repetições internas que se multiplicam de uma geração para a outra, torna-se superpoderosa – ao contrário do que pregam os livros, que mutações têm mais chances de atrapalhar do que aumentar funções biológicas. O resultado, quem diria, abriu todo uma nova maneira de pensar sobre outras doenças, inclusive as mais comuns.
Como em todo o resto, também na ciência a diversidade é fundamental: quando alguns insistem em estudar aquilo para que os outros torcem o nariz, todos ganham.
Fonte: UOL/ Coluna Suzana Herculano-Houzel
Comentários