Primeiros passos da hipertensão

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Correio Braziliense

Jornalista: Carolina Monteiro

Antes mesmo de nascer, os seres humanos são afetados por agrotóxicos, poluentes e outros elementos químicos prejudiciais à saúde. Na barriga da mãe, o bebê sofre influência de fatores ambientais externos, e as consequências dessa exposição indireta podem aparecer ao longo da vida e nunca mais desaparecer. O alerta é feito por pesquisadores do Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal), na Espanha, que identificaram uma relação entre ambientes insalubres a que grávidas são submetidas e o desenvolvimento de hipertensão nos filhos dessas mulheres. A pesquisa foi publicada na revista American College of Cardiology.

O estilo de vida pouco saudável da mãe, como obesidade, sedentarismo, dieta inadequada e consumo de álcool e tabaco, é estabelecido como fator de risco para o desenvolvimento de doenças cardíacas nos filhos. Nos últimos anos, os estudos começaram a vincular esses elementos ao status de pré- hipertensão em crianças e à possibilidade de desenvolvimento da doença. A equipe do ISGlobal traz novos elementos relacionados à hipertensão.

Os pesquisadores comprovaram que, desde o estágio fetal à pré-adolescência, os alimentos, a qualidade do ar e os compostos químicos que atingem o organismo humano podem afetar a pressão arterial de meninos e meninas. “Esse estudo é o primeiro a relacionar os possíveis efeitos da exposição a centenas de fatores ambientais durante o início da vida à pressão alta em crianças”, frisa Charline Warembourg, principal autora do estudo e pesquisadora de pós-doutorado do ISGlobal.

No primeiro momento, a equipe de cientistas analisou dados de cerca de 1.300 pares de mães e filhos, participantes do projeto Helix. As crianças tinham entre 6 e 11 anos e não apresentavam problemas de saúde. Elas foram acompanhadas por três anos e, durante esse tempo, submetidas a diversos exames clínicos, como coletas de sangue e de urina. Nos dias dos testes, os cientistas realizavam três medições da pressão arterial nos voluntários, com intervalos de um minuto entre cada. Ao fim, constatou-se que 10% das crianças eram classificadas como pré-hipertensas.

Na segunda parte do estudo, os pesquisadores avaliaram 89 fatores de exposição materna pré-natal e 128 de exposição dos filhos após o nascimento. A partir desses dados, definiram quatro fatores mais amplos: o ambiente de convívio, a temperatura externa, a ingestão de peixes e a exposição a produtos químicos durante a gravidez. “Esses fatores foram determinados como influência do status da pressão arterial em crianças”, explica Charline Warembourg.

Com relação à avaliação do ambiente, os pesquisadores examinaram dados geoespaciais ligados ao histórico de endereços residenciais dos participantes, considerando fatores como poluição do ar e ruídos. Para avaliar os efeitos dos produtos químicos, a equipe analisou as amostras de urina e de sangue coletadas das gestantes e, posteriormente, dos filhos. Também foram aplicados questionários para avaliar o estilo de vida das mães — os itens tratavam de questões como dieta, uso de tabaco e prática de atividade física. “Depois de todas as etapas, usamos métodos estatísticos avançados para relacionar essas exposições ambientais ao aumento da pressão arterial nas crianças”, conta a autora principal.


Áreas verdes

Os resultados foram surpreendentes, segundo Charline Warembourg. Os dados das mulheres que, durante a gestação, viviam em um ambiente urbano e mais acessível, próximo a espaços verdes e com fácil acesso ao transporte público mostraram que os filhos delas não tinham risco de se tornarem hipertensos. Ao contrário, meninos e meninas nascidos de grávidas que moravam em um ambiente mais rural e de difícil acesso eram mais propensos a desenvolver a doença crônica.

“Fatores de design urbano, como o número de lojas, restaurantes, parques e centros de transporte público, determinam como as pessoas usam a cidade e se movimentam por ela. Esses fatores são importantes para a saúde porque promovem atividade física e contato social”, explica Xavier Basagaña, um dos autores do estudo e pesquisador do ISGlobal.

A equipe também constatou que a exposição a temperaturas mais baixas pode deixar as crianças mais vulneráveis ao surgimento da hipertensão. A ingestão de peixes durante a gravidez também merece cuidado. “Embora os ácidos graxos ômega-3 sejam benéficos à saúde cardiovascular geral, os peixes contaminados por produtos químicos ou metais podem reduzir os efeitos positivos”, explica Charline Warembourg.

A exposição de grávidas à fumaça do tabaco; a concentrações de perfluorooctanoato (PFOA), químico encontrado em cosméticos, produtos de limpeza domésticos e roupas; e de bisfenol-A (BPA), químico encontrado em plásticos, também esteve associada ao risco amentado de surgimento da doença na prole. “Algumas das associações, como a da fumaça do tabaco e do bisfenol-A, já haviam sido observadas em adultos. Outras associações, como a ingestão de peixe durante a gravidez, são mais difíceis de interpretar”, pontua Warembourg.



Prevenção

Segundo Pamela Cavalcante, cardiologista no Hospital do Coração do Brasil, o estudo pode contribuir para que mulheres gestantes e em idade fértil mudem os hábitos, prevenindo, assim, doenças cardiovasculares nos filhos. “Sabemos que a hipertensão arterial sistêmica tem um componente genético, mas a manifestação da doença é influenciada pelo estilo de vida. Porém, os fatores ambientais mostrados no estudo ainda não haviam sido diretamente relacionados à ela. Não tínhamos evidências significativas que sustentassem isso”, justifica.

A médica destaca que que o trabalho também tem um forte componente de estímulo à prevenção. “Uma vez que conhecemos os fatores de risco que estão associados a um risco ampliado de desenvolvimento de determinada doença, temos a opção de evitá-los ou modificá-los”, justifica. Pamela Cavalcante, porém, afirma que é preciso ter cautela na interpretação dos resultados, considerando, por exemplo, que novos estudos precisam ser realizados.

“Uma das premissas que devemos considerar na análise de resultados em pesquisa clínica é se há plausibilidade na associação encontrada. Não há outros estudos dessa magnitude que tenham demonstrado essa relação direta antes e, talvez, essa seja a maior importância da pequisa atual: levantar hipóteses que possam ser melhor avaliadas em estudos com delineamento específico para responder a essas questões”, diz a médica brasileira.

A equipe de pesquisadores também espera desmembramentos promissores dos resultados obtidos. “Esse trabalho pode potencialmente levar à implementação de novas diretrizes preventivas e políticas governamentais, como a modificação do planejamento urbano e de transporte da cidade para melhorar a saúde das pessoas. Isso reduziria a poluição do ar, o ruído, as ilhas de calor e promoveria a atividade física e as interações sociais”, pontua Warembourg. Ele e os colegas planejam seguir acompanhando as crianças participantes do estudo até idades mais avançadas.



Parceria europeia


O projeto de pesquisa europeu teve início em 2013 e foi criado para estudar os efeitos de centenas de fatores ambientais na saúde infantil. Conta com a colaboração de pesquisadores de instituições de seis países na Europa: Espanha, França, Grécia, Lituânia, Noruega e Reino Unido. Cada um deles representa um grupo de estudo e é responsável por realizar pesquisas sobre nascimentos.

"É muito importante saber que uma criança ou um adolescente com hipertensão terá, muito provavelmente, hipertensão na vida adulta, com todas as complicações já conhecidas”
Isabela de Carlos Back, presidente do Grupo de Estudos de Prevenção do Departamento de Cardiologia Pediátrica e Cardiopatias Congênitas da Sociedade Brasileira de Cardiologia



Palavra de especialista: Base para novos estudos

“A partir desse estudo, podemos estudar mais a fundo esses fatores de risco e entender como eles atuam no surgimento da hipertensão, trazendo maior compreensão de como podemos combater a doença e, principalmente, evitá-la. Ele vai servir como base para uma série de novas pesquisas que vão melhor avaliar os fatores relacionados a aumentos pressóricos. Já existem vários trabalhos demonstrando os cuidados que as mães devem ter durante a gestação, e esse estudo veio incorporar a atenção a alguns outros fatores a serem observados, a fim de evitar o desenvolvimento da hipertensão e as futuras consequências aos filhos”, diz Thomas Edison Cintra Osterne, cardiologista do Instituto do Coração de Taguatinga e especialista em cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia.

 

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