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Correio Braziliense

Jornalista: Paula Pacheco

26/10/19 - Logo pela manhã, Marcelo Melchior reforça as energias com algumas doses de café. O combustível extraordinário é fundamental para aguentar a pressão de agradar a uma grande família, como diz o executivo, ao se referir aos 42 milhões de consumidores fiéis aos produtos da marca Nestlé. “É uma responsabilidade, mas não é um peso”, diz. Melchior trabalha há cerca de três décadas na companhia suíça. Em abril do ano passado, se tornou CEO da subsidiária brasileira, uma das mais relevantes dentro da corporação.

 

A promoção ocorreu num momento turbulento para a economia brasileira. O Índice Nacional de Expectativa do Consumidor (Inec), medido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), subiu apenas 0,3% naquele mês e ficou em 102,2 pontos, bem abaixo da média histórica da pesquisa. O dado mostrava que, naquele momento, a população tinha pouca disposição para fazer compras, o que provoca reflexos diretos na economia.O cenário mudou. Neste mês, o ICC foi de 114,3 pontos, mas ainda há enormes desafios pela frente. Para Marcelo Melchior, a expectativa que se tinha para o Brasil em 2019 estava descolada da realidade. “Não havia motivo para acreditar, como se anunciava no início do ano, que o PIB (Produto Interno Bruto, o conjunto da produção de bens e serviços do país) cresceria 2,6%.”Apesar da previsão de crescimento mais contido do PIB, a companhia anunciou há cerca de dois meses que fará nos próximos três anos investimentos da ordem de R$ 1 bilhão no estado de São Paulo. No pacote, estão incluídas a instalação de novas linhas nas fábricas de Araçatuba e Caçapava, além da aquisição de novas tecnologias e aportes em startups.

 

O volume bilionário está sendo usado, por exemplo, para ampliar a linha de produtos com apelo saudável, funcional ou que substituem a origem animal pela vegetal. Foi o caso do leite ninho orgânico, lançado há cerca de dois meses, que deverá ser também apresentado na versão plant-based do Leite Moça. Sim, o leite condensado mais tradicional do país deverá chegar às prateleiras na opção feita a partir de vegetais.

 

O senhor chegou à presidência da Nestlé numa época de baixa atividade econômica. Como isso influenciou a tomada de decisões na companhia?

Marcelo Melchior: Seria inocente da minha parte pensar que a evolução da economia não afeta a tomada de decisão. Diferentemente disso, dá um maior sentido de urgência, e isso faz com que essa tomada de decisão tenha de ser ainda mais veloz. Em época de bonança, dá para esperar, deixar para depois. Por outro lado, com uma equipe muito capaz, é preciso acreditar que o que está sendo feito é a coisa certa. E a equipe tem de acreditar que você acredita. Passo muito tempo me comunicando com todo mundo.

 

Como essa comunicação funciona na prática?

Marcelo Melchior: Temos lugares de trabalho totalmente abertos na empresa. Também incentivo a comunicação de mão dupla, não é o chefe falando. É um aprendizado para todos sobre como escutar as mensagens que estão sendo passadas em vez de descartá-las. Uma vez por semana fazemos um café da manhã com os funcionários de diferentes áreas. Eles se apresentam, fazem críticas, relatam experiências. Dali é possível extrair sugestões para corrigir problemas, mas o mais importante é dar um feedback. Quando se faz isso de forma presencial, é mais limitante. Não há a possibilidade de falar com milhares de pessoas ao mesmo tempo. Mas temos redes sociais internas que permitem a comunicação com todo mundo. O nosso work place tem as mesmas ferramentas e o mesmo leiaute do Facebook, funciona há cerca de um ano e meio e as pessoas usam como instrumento de trabalho. As pessoas interagem e resolvem os seus problemas, usando a comunicação de mão dupla.

 

Essa comunicação próxima, de mão dupla, vale também para a relação com o consumidor?

Marcelo Melchior: Não funciona mais aquela comunicação de antigamente, dentro e fora da empresa, em que se colocava um comercial no ar e se torcia para que o consumidor assistisse e pronto. Hoje em dia, o consumidor dá um feedback imediato. Agora, qualquer consumidor pode ser uma espécie de jornalista, no sentido de ter milhões de seguidores nas redes sociais e poder opinar na internet.

 

A companhia anunciou investimentos de R$ 1 bilhão para os próximos três anos. Uma das apostas são lojas exclusivas por marcas. Isso mostra que mesmo as companhias gigantescas têm agilidade para superar a crise?

Marcelo Melchior: Sem dúvida. Toda crise pode ser uma oportunidade de mudar, de rever processos, mas não acredito que o país estivesse em crise. O Brasil passou por uma crise há uns três anos e enfrentou a pior recessão da história, mas a Nestlé esteve nesse período manejando as coisas de uma forma mais austera. Não existiu a possibilidade de dizer “vamos fechar as fábricas e sair do país”. Fomos no sentido de trabalhar de forma mais tranquila e esperar que as coisas melhorassem. Desde o ano passado, voltamos a fazer investimentos bem pesados, o que nós nunca tínhamos parado de fazer. No entanto, aceleramos de novo e fizemos coisas totalmente fora da caixa. Tínhamos, por exemplo, um robô no Shopping Morumbi (Zona Sul de São Paulo), agora, temos uma loja de KitKat, a Chocolatory. Em Vitória, temos quiosques que vendem chocolates da Garoto nos shopping centers. No Shopping Santa Cruz (Zona Sul de São Paulo), instalamos uma doceria Moça, com todas as receitas feitas com Leite Moça.

 

Por que a empresa está fazendo esse movimento?

Marcelo Melchior: Queremos ter pontos de contato diferentes com o nosso consumidor. Isso veio para ficar. Esse negócio não representa nada nas vendas. Pode ser marketing, mas é a forma de estabelecer esse contato e assim, cada vez mais, testar formas de trabalhar junto aos consumidores. Os resultados de venda são muito positivos, mas são pequenos ainda. As pessoas estão comprando, o negócio está bombando. É espetacular o que está ocorrendo no Shopping Morumbi e nos outros centros de compras. Temos, hoje em dia, uma base de 42 milhões de consumidores fiéis à Nestlé, como uma grande família.

 

Como a empresa chegou a esse número?

Marcelo Melchior: Chegamos a esse número por meio de várias ferramentas digitais. Quero ter uma relação íntima com esse consumidor, saber se tem pet, onde mora e quais são seus problemas. Por quê? Amanhã, eles podem me dizer que inovações eles gostariam de ver ou eu posso enviar as novidades e perguntar “e aí, você gostou?”. Temos muita experiência nesses clubes de fidelidade, por exemplo, o da Nespresso, em que a relação com a marca vai muito além do café. É um estilo de vida. Há coisas interessantes que podemos fazer com a tecnologia, mas essa tecnologia não é o objetivo, apenas uma facilitadora. Queremos criar cada vez mais vínculos com o consumidor.

 

O caminho para o crescimento pode estar no desenvolvimento de mais produtos funcionais, que atendam a determinados segmentos, como aqueles sem lactose, e com fibras?

Marcelo Melchior: O consumidor vai e volta, vai e volta. Sabemos o que é bom, mas de vez em quando cometemos um pequeno pecado, mas tendências como a dos produtos orgânicos ou à base de plantas vieram para ficar. O consumidor quer saber cada vez mais de onde vem a sua comida. Não somente se é plant-based, mas de onde vêm o leite, o café. Isso é cada vez mais importante. São tendências visíveis, mas não tão grandes em termos de vendas. Nada nasce grande, mas nós temos de estar aí. Lançamos o Leite Ninho orgânico, a versão vegetal, vitaminados à base de proteína. Somos líderes nesses produtos das linhas de nutrição, saúde e bem-estar. Precisamos estar cada vez mais sintonizados nessa ou em outras tendências. Algumas podem morrer, podem ser maiores que as outras. Minha equipe sabe que precisa estar atenta. Quando você lança o Leite Ninho orgânico, há um efeito sobre a marca como um todo. Vamos ter o Leite Moça vegetal. O nosso consumidor não é sensível só ao preço. O sabor continua sendo fundamental. Se não gostar, não vai comprar.

 

Saber da origem é algo cada vez mais relevante na vida das pessoas. Que tipo de desafio essa pauta traz para a Nestlé?

Marcelo Melchior: As matérias-primas, muitas vezes, são compradas de cadeias de fornecedores muito longas. Procuramos todas as certificações, como a Rainforest, Fairtrade. Porém, você tem que checar. Temos um plano para o Nescafé em que se o produtor cumpre requisitos de boas práticas, pagamos extra pelo produto. Estamos sempre fazendo auditoria na cadeia de fornecedores para ter tranquilidade de que tudo está funcionando bem. Temos nosso processo de qualidade. Antes de as matérias-primas entrarem nas fábricas, fazemos todos os testes de qualidade, por mais que seja um fornecedor conhecido.

 

Como aquela que foi chamada no meio dos anos 2000 de nova classe média vem se comportando com a perda de poder aquisitivo?

Marcelo Melchior: O consumidor que perdeu poder aquisitivo, seja pelo desemprego, seja pela crise, é muito mais austero na hora de comprar. A primeira decisão é comprar formatos menores, depois mudar de marca e, por último, abandonar totalmente as categorias. Temos uma oferta de produtos, de formatos e marcas que atende a todas as classes sociais do Brasil. Além disso, estamos presentes em todos os canais de venda. Tentamos oferecer os produtos aos quais ele estava acostumado de uma forma que caiba no bolso. Numa segunda etapa, oferecemos alternativas mais em conta e também temos as propostas de ativação, como produtos grátis para tentar ajudar para que continuem a consumir.

 

Chegou a ser algo alarmante para a companhia?

Marcelo Melchior: Não, mas tivemos que nos adaptar com produtos mais básicos, menores, mas não foi um Deus nos acuda.

 

Como está a performance da Nestlé em 2019?

Marcelo Melchior: Estamos indo bastante bem. Tomamos medidas que estão funcionando bem, como inovações, promoções, produtos novos, café. É um ritmo frenético.

 

Qual é a expectativa para 2019?

Marcelo Melchior: Começamos 2019, como todo mundo, pensando que o Brasil cresceria 2,6%. Parecia jogo de futebol. Nem tínhamos feito as reformas e achávamos que tudo iria nessa direção. Aí, a expectativa foi aterrizando, aterrizando e estamos falando agora de 0,9% a 1% de crescimento do PIB. Não tinha nenhum motivo para acreditar que o PIB cresceria 2,6%, nem se conseguíssemos aprovar as reformas em março.

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