Folha de S.Paulo 
Jornalista: Ana Bottallo

A vacina contra Covid-19 da empresa de biotecnologia norte-americana Moderna, cuja eficácia de 94,1% e a segurança foram recentemente confirmadas em revista científica de prestígio, virou alvo de discussões e debates em grupos antivacina.

Isso porque a FDA, órgão que regulamenta drogas e alimentos nos Estados Unidos, publicou no dia 17 de dezembro, um dia antes de aprovar o fármaco para o uso emergencial no país, um relatório avaliando a segurança e eficácia do imunizante.

No relato de mais de 60 páginas, os pesquisadores da agência reportaram dois casos de inchaço facial no ensaio clínico de fase 3, em uma voluntária de 46 e em outra de 51 anos. Os dois casos foram julgados como associados ao preenchimento facial —as participantes tinham feito tratamentos estéticos seis e dois meses antes de tomar a vacina, respectivamente.

O efeito adverso, embora estatisticamente raro (menos de 0,01% do total de 30 mil voluntários envolvidos), é algo esperado e bem estabelecido em pessoas que fazem esses tratamentos estéticos.

Conhecido como edema tardio recorrente, esse tipo de reação é resultado de uma inflamação ao preenchedor aplicado. Ele ocorre apenas com preenchimento facial ou labial usando substâncias como ácido hialurônico e PMA (polimetacrilato) e não se aplica ao botox, por exemplo.

“Como uma vacina tem ou o agente causador [vírus] ou partes que simulam ele [antígeno, no caso a proteína S do Spike], ela desperta o sistema imune e ocorre o inchaço”, explica o dermatologista Thiago Cunha, que atende na Clínica Volpe, em São Paulo. “Pode ocorrer o mesmo com uma gripe ou sinusite.”

O médico explica ainda que, embora conhecida, a porcentagem de pessoas que sofrem desse efeito é bem baixa. “É algo que pode acometer uma parcela baixa, porém já conhecida, da população com preenchimento facial, independentemente de ser uma vacina, uma infecção ou qualquer outro contato com uma substância externa. A vacina é apenas uma causa possível dessa reação.”

Além disso, a reação não é novidade —o primeiro relato de edemas tardios com vacinas foi feito nos anos 2000. Um artigo publicado em uma das revistas da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia) em 2017, buscou investigar a ocorrência desses edemas em pessoas que fizeram preenchimento com ácido hialurônico.

No estudo, os autores reportaram que o ácido hialurônico, “quando injetado em indivíduos com predisposição, e na presença de gatilhos como infecções do trato respiratório, infecções bacterianas ou virais e vacinação, pode desencadear um processo inflamatório dada a característica imunogênica [de gerar resposta imune] do preenchedor”.

Nos Estados Unidos, o número de pessoas que disseram fazer algum tipo de tratamento estético não cirúrgico, como aplicação de botox ou preenchimento facial, subiu 64% em 2020. Embora não se saiba ainda em qual parcela dessas pessoas o edema tardio possa ocorrer, é importante que isso não seja usado como argumento contrário à vacinação.

Para Paulo Criado, dermatologista e coordenador do Departamento de Medicina Interna da SBD, a ocorrência em duas pessoas em um universo de 30 mil participantes não é estatisticamente significante, ainda mais nos EUA, país líder em procedimentos do tipo —o Brasil é o segundo país com maior incidência.

O dermatologista explica ainda que a resposta imune não só é desencadeada pela substância preenchedora —que não foi divulgada no estudo, mas provavelmente é o ácido hialurônico—, mas pode também ser reação aos adjuvantes da vacina.

“Quando você injeta uma vacina, o corpo recebe um estímulo imunológico. Ele reconhece o RNA mensageiro [que carrega a informação genética do Sars-CoV-2] e os outros compostos da vacina, e o organismo começa a gerar um processo inflamatório. Essas citocinas [proteínas que atuam no processo inflamatório] chegam até o local onde foi aplicado o preenchedor e geram uma inflamação local. É algo de se esperar”, explica.

Em geral, os inchaços faciais são tratados com esteroides (antialérgicos) e anti-inflamatórios. A possível ocorrência desse tipo de reação adversa também não deve ser um impeditivo para tomar a vacina. “O mais importante disso é como a mídia usa isso na onda de reações vacinais. Isso é muito grave e alimenta o discurso antivacina. Temos que ter uma comunicação correta e muito cautelosa das vacinas, porque esse será o grande desafio de 2021”, afirma Cunha.

Para Criado, a recomendação é que as pessoas sigam suas vidas normalmente, com preenchimento ou não, protejam-se do vírus e tomem a vacina. “O risco de complicação da Covid-19 é muito maior do que de uma complicação na área do preenchimento. Não tem que ter essa cautela, porque é uma fração diminuta das pessoas que têm uma reação exagerada. A vacina é só mais uma das coisas que pode levar à inflamação do local do preenchimento”, finaliza.

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