Avanços tecnológicos, fintechs, insatisfação com instituições financeiras tradicionais e relacionamento com clientes não bancarizados explicam o movimento
Por Vitor França
*Com Ricardo Suda, consultor da R2S2 Consultoria
A prestação de serviços financeiros passa por um momento de profundas transformações, resultado, principalmente, dos avanços tecnológicos e da consequente mudança de hábito dos consumidores.
Segundo pesquisa do Google Consumer Barometer Brazil, mais de 70% dos brasileiros já utilizavam smartphones no ano passado. Eram apenas 14% em 2012.
De acordo com pesquisa divulgada na semana passada pela Febraban, em 2018, o mobile banking(acesso bancário via smartphone) superou pela primeira vez o internet banking nas transações com movimentação financeira, como pagamentos de contas e transferências.
Na esteira dessas transformações, notamos avanços de grandes redes varejistas na prestação de serviços financeiros.
Recentemente, a rede Lojas Pernambucanas lançou uma conta digital própria, através da qual será possível fazer pagamento de boletos e contas, saques e depósitos em terminais de autoatendimento, além de transferência via TED e DOC e entre contas digitais.
Carteira digitais também já são oferecidas ou estão nos planos de grandes redes como B2W, Carrefour, Pão de Açúcar e Magazine Luiza.
A Conductor, empresa de soluções tecnológicas, foi além e já está oferecendo uma carteira digital white label, passível de customizações pelos varejistas, dentro de um novo arranjo de pagamento, a Merci. A grande vantagem do produto é a interoperabilidade entre as carteiras digitais de seus clientes varejistas.
O que, porém, está por trás dessa corrida dos varejistas para o lançamento de contas digitais.
Como muitos deles já concedem crédito aos seus clientes via cartões private label, as carteiras digitais seriam um complemento natural de serviços digitais, gerando novas fontes de receita que aproveitem o relacionamento já estabelecido com os clientes, aumentando a fidelização e abrindo maior espaço para a oferta de outros serviços financeiros.
Favorece também essa movimentação dos varejistas a insatisfação dos consumidores com as instituições financeiras tradicionais, que apresentam um retrospecto de atendimento ruim, grandes filas, vendas forçadas, taxas e tarifas elevadas e baixa rentabilidade das aplicações para os investidores.
A regulamentação do Banco Central abriu espaço para a atuação de fintechs, o que vem aumentando a concorrência no mercado em serviços como conta digital, empréstimos e investimentos.
A implementação do Open Banking (compartilhamento de dados, produtos e serviços por meio de abertura e integração de plataformas e infraestruturas de sistemas de informação de forma segura, ágil e conveniente) tende a impulsionar esse processo.
Após a “guerra das maquininhas”, já se fala em uma “guerra de contas digitais” após a implementação da medida.
O relacionamento direto com o cliente, por sua vez, é um dos grandes diferenciais dos varejistas. A experiência do consumidor na compra no varejo, de maneira geral, costuma ser muito mais prazerosa do que a de uma ida ao banco.
O estabelecimento de parcerias com fintechs, nesse sentido, torna viável o aproveitamento desse relacionamento para a oferta de serviços financeiros.
Outra vantagem competitiva do varejo está na sua capacidade de chegar em clientes que não possuem conta em banco – número estimado em 60 milhões de pessoas.
Em um admirável mundo novo em que os dados se tornaram uma verdadeiro mina de ouro, a venda de produtos e serviços financeiros digitais ainda aumenta a proximidade com o cliente e abre espaço para a criação de programas de fidelidade e ofertas customizadas, por exemplo, além do aprimoramento da avaliação de risco de crédito e dos modelos antifraude.
Alguns requisitos, no entanto, parecem importantes para o sucesso de uma carteira digital. Entre eles, o fato de que ela deve nascer com uma base grande de clientes se for atuar nacionalmente ou uma base com densidade se for atuar regionalmente.
A conta de pagamento da carteira digital deve estar ancorada, de preferência, no recebimento de recursos por prestadores de serviços e vendedores (pagamento dos motoristas do Uber ou do Mercado Livre, por exemplo) ou na utilização dos recursos por consumidores (pagamento das corridas do Uber ou de passagens em transporte público, por exemplo). Nesse último caso, melhor se estiver vinculada ao segmento de gastos do dia-a-dia.
Um programa de fidelidade ou promocional pode turbinar a utilização da carteira, a qual deve ser de fácil utilização pelo usuário, considerando aspectos como rápida manipulação, ser executável no maior número possível de aparelhos, ter independência de sinal de telefonia celular e segurança na autenticação do usuário.
Por fim, algumas características da carteira são desejáveis, como ausência de tarifas abusivas, rede para saque de recursos, possibilidade de recarga de celular ou transporte, pagamento de boletos, rentabilização de recursos depositados em conta de pagamento, interoperabilidade com outros arranjos ou carteiras digitais do mercado e acesso a produtos de crédito.
Levando em conta esses fatores, fortes candidatos a ter sucesso na oferta de contas digitais são grandes redes de supermercados (Carrefour e Grupo Pão de Açúcar, por exemplo), aplicativos de transportes (Uber, 99, Grin-Yellow), aplicativos de delivery de comida (ifood), marketplaces (Mercado Livre), aplicativos de redes sociais (WhatsApp, Instragram, Facebook), empresas de telefonia celular (Claro, Vivo, Tim, Oi), empresas de marketing multinível (Hinodê, Herbalife, Mary Kay), drogarias, postos de combustíveis, pet shops e varejistas com cartão private label, de maneira geral.
Fonte: Diário do Comercio
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