Folha de S.Paulo
Jornalista: Fábio Pupo e Daniel Carvalho
12/11/19 - Relator da PEC (proposta de emenda à Constituição) do governo sobre o pacto federativo, o senador Marcio Bittar (MDB-AC) quer flexibilizar o piso para saúde e educação incluindo na conta os gastos com inativos e aposentados.
Além disso, planeja autorizar que parte dos recursos que deveria ir para as duas áreas seja redirecionado à segurança pública.
Dizendo-se "absolutamente liberal", ele pretende retomar a ideia inicial do ministro Paulo Guedes (Economia) de uma proposta contábil que, na prática, diminui a destinação de recursos para saúde e educação.
A proposta original de Guedes, retirada instantes depois de ser apresentada, era incluir todas as despesas com aposentadorias e pensões vinculadas a saúde e educação nos cálculos dos mínimos constitucionais (hoje, isso não é permitido). A proposta vale para União, estados e municípios.
Assim, esses gastos passariam a fazer parte do valor mínimo que os governantes são obrigados a destinar para as áreas, o que reduziria a necessidade de recursos para cumprir o piso.
O governo recuou dessa proposta diante da manifestação contrária dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), antes mesmo de o presidente Jair Bolsonaro (PSL) chegar ao Congresso, na terça-feira passada (5), para entregar as PECs do pacote Mais Brasil.
Enquanto as propostas eram detalhadas aos jornalistas, a PEC foi alterada e este trecho foi retirado, o que o relator considerou "um passo atrás" do ministro.
"Acho que a ideia original era melhor do que o que veio", disse Bittar nesta segunda-feira (11) em entrevista à Folha.
O senador, no entanto, disse que ainda vai ouvir prefeitos e governadores e que só levará suas ideias adiante se tiver apoio.
"Não vou fazer uma coisa sozinho. Se eu perceber que não tem apoio da Confederação Nacional de Municípios (CNM) e dos governadores, paciência", afirmou.
Esta não é a única alteração que, de partida, o relator planeja fazer na proposta. Ele também quer uma flexibilização maior do piso de saúde e educação para contemplar segurança pública. Por enquanto, ainda não há uma modelagem de como isso pode ser feito.
"O que acontece na prática é que você chega ao fim do ano e tem Secretaria de Educação que quer gastar e não sabe onde. E muitas vezes não é Saúde que precisa ser acudida, pode ser a Segurança Pública", disse o relator. "Carimbar [a destinação do] dinheiro deu certo? Não deu", afirmou.
"A ideia de tutelar e estabelecer que tem que gastar um tanto com saúde e educação, na prática, aprovou-se ineficiente. Se fosse assim seria quase mágica. Não, você gastou mais com educação nos últimos anos e ela não melhorou. Pelo contrário, ela piorou muito", afirmou.
Hoje, a Constituição determina que estados devem destinar 12% da receita à saúde e 25% à educação. Municípios devem alocar 15% e 25%, respectivamente. Guedes pensava inicialmente em retirar esses pisos, mas foi convencido por técnicos do governo a apresentar uma proposta que soma os percentuais de cada área. A medida vale para União, estados e municípios.
Outra proposta entregue pelo governo na PEC foi a extinção, a partir de 2025, de municípios com menos de 5.000 habitantes e arrecadação própria menor que 10% da receita total. A cidade teria que fundir sua estrutura administrativa (prefeitura e câmaras de vereadores) com a de uma vizinha.
Bittar se mostra simpático à ideia afirmando que é contrário à criação desenfreada de municípios. "Tem lugares que não têm dinheiro para nada, mas tem para vereador", disse. Mesmo assim, reforça a visão de que vai conversar com governadores e prefeitos sobre o tema para a construção de seu relatório.
Ele conta que, até o momento, a única emenda que chegou à sua mesa foi uma proposta do senador Otto Alencar (PSD-BA) propondo a realização de plebiscitos para tratar da possibilidade de extinção de municípios. Nesse caso, a junção de duas cidades demandaria aval das populações locais.
Sobre a proposta do governo de revisão de benefícios tributários a cada quatro anos e proibição de criação de novos depois que o patamar atingir 2% do PIB, o relator disse concordar. "Se você não faz uma reavaliação, ao invés de isso servir como incentivo à produção, virou incentivo à acomodação."
Outro ponto da proposta do governo é adicionar à Constituição um parágrafo determinando que os direitos do cidadão são condicionados à existência de espaço fiscal para não se comprometer os recursos de futuras gerações. O senador, a princípio, concorda com a visão. "Você vai ter implicações gravíssimas se deixar a dívida para os outros [próximas gerações]. Acho que está correto", disse.
O senador diz que, no debate com os demais senadores, vai propor o que for possível após um diálogo com colegas e demais interessados.
Bittar pretende fazer audiências públicas e fazer alterações que entenda que tem condições de aprovar. Com isso, diz achar difícil entregar seu parecer ainda em 2019. O governo quer ver as três PECs do pacote até julho do ano que vem, já que o segundo semestre será dominado pelas eleições municipais.
"Da minha parte, vou apresentar meu relatório o mais rápido possível. Mas tem que ter alguns cuidados. Há somas consideráveis, regras novas que envolvem municípios, estados e tudo mais. Não vou propor nenhuma mudança que eu perceba não ter a menor chance de andar", afirmou o senador.
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