por Marina Barbosa
Correio Braziliense
Com a maior parte dos estabelecimentos ainda fechados por conta da pandemia da covid-19, o varejo brasileiro já acredita que a crise causada pelo novo coronavírus só será superada no próximo ano. O setor explica que as perdas causadas por esse momento de distanciamento social já ultrapassam R$ 120 bilhões e não serão revertidas tão rápido. Afinal, a covid-19 vai deixar uma herança pesada na confiança e no bolso do brasileiro.
Analistas ouvidos pelo Correio avaliam que, ao contrário da expectativa geral, não basta reabrir as lojas para que o consumo volte. Isso porque o consumidor brasileiro sairá do período de isolamento social ainda com medo de frequentar locais fechados e, sobretudo, com receio de se endividar, já que o desemprego também virou uma ameaça cada vez mais real. Os especialistas calculam que o comércio pode levar um ou até dois anos para recuperar o fluxo de vendas anterior à pandemia de covid-19.
Economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fábio Bentes explica que a recuperação de uma crise nunca é rápida. No início deste ano, por exemplo, o Brasil ainda estava voltando ao nível pré-2014. O próprio varejo vivia entre altos e baixos, por conta da dificuldade de recuperação da economia, quando foi atingido pelo choque do coronavírus. Não bastasse isso, a crise da covid-19 pegou a economia brasileira de uma forma abrupta e forte demais. Segundo os analistas, o vírus causou, em pouco mais de um mês, um estrago que outras recessões levaram anos para fazer. A pandemia provocou uma crise que será lembrada por um bom tempo pelos consumidores e pelas empresas brasileiras.
“A retomada vai depender do fim dos decretos. Porém, o que mais preocupa é que, quando houver a reabertura, as vendas não vão reagir tão rápido. O consumidor ainda vai ter receio de ir às ruas e, quando passar o problema psicológico de sair de casa, ainda teremos o problema econômico. Afinal, o mercado de trabalho, que lubrifica as vendas do comércio, está sofrendo muito nessa crise. Vai haver uma alta do desemprego e, consequentemente, da inadimplência, e aí o banco também vai ter medo de emprestar. Ficará uma herança muito complicada para os próximos meses”, afirma Bentes. Ele admite que o próprio varejo deve contribuir com a alta do desemprego, pois o faturamento encolheu mais de 50% nas últimas semanas.
“Mesmo que tenhamos a liberação do comércio mais adiante, ainda haverá uma incerteza muito grande. Não podemos esquecer que temos quase 13 milhões de desempregados, e os mais pessimistas dizem que esse contingente pode chegar a 17 milhões. O desemprego, que é um fator extremamente importante para as compras do varejo, não vai reduzir rapidamente”, concorda o presidente do Instituto Brasileiro de Executivos do Varejo (Ibevar), Claudio Felisoni.
Ritmo lento
A Confederação Nacional da Indústria (CNI), diretamente impactada pelas vendas do varejo, ouviu mais de dois mil trabalhadores no início deste mês para entender o real impacto do coronavírus na economia brasileira. A pesquisa mostra que há fundamento para todos esses receios. Segundo o estudo, 40% dos brasileiros passaram a ganhar menos durante a pandemia, e 77% dos trabalhadores ainda têm medo de perder o emprego nessa crise.
Nesse cenário de risco, muita gente mudou totalmente os hábitos de consumo diante da covid-19. De acordo com a pesquisa da CNI, 74% dos brasileiros já reduziram gastos desde o início da quarentena e passaram a comprar basicamente produtos essenciais como alimentos e remédios, seja porque não sabem se terão renda daqui a alguns meses, seja porque estão ganhando menos. E 29% desses brasileiros já dizem que essa redução de gastos será permanente. Não bastasse isso, mais de 40% dos consumidores afirmam que vão passar a frequentar menos os shoppings e o comércio de rua depois que a circulação urbana voltar a ser permitida, por medo de que uma segunda onda de coronavírus chegue ao Brasil.
“Não sabemos como vai ser a flexibilização. E, mesmo quando houver, o consumo não vai voltar de maneira rápida, porque as pessoas estarão mais cautelosos, seja pelo risco da contaminação, seja pelo medo do desemprego. Por isso, vão segurar por um pouco mais de tempo os gastos não essenciais”, observa o economista da FGV/Ibre, Rodolpho Tobler. Ele afirma que os setores de bens semiduráveis e duráveis, cuja compra pode ser postergada, serão os mais atingidos nessa retomada. A pesquisa da CNI, mais uma vez, comprova isso: só 10% dos brasileiros ouvidos pelo estudo pretendem comprar itens como eletrodomésticos, eletroeletrônicos e móveis nos 90 dias pós-isolamento.
Por todas essas razões, nenhum dos especialistas vislumbra uma saída rápida para o comércio. Tobler, por exemplo, acredita que o pior período do ano para a economia brasileira será este segundo trimestre, que ainda está só na metade. E diz que os impactos dessa crise serão sentidos até o fim do ano. “É difícil ver o varejo encontrando uma saída para a queda nas vendas ainda no Dia dos Namorados, no Dia dos Pais, na Black Friday ou mesmo no Natal. Crescer as vendas em relação ao ano anterior, só no próximo ano”, afirma Bentes. O Ibevar tem uma expectativa ainda menos otimista. “Na crise de 2008, foram necessários 15 meses para as vendas voltarem a crescer. Então, acredito que dificilmente vamos recuperar no ano de 2021. Só em 2022”, acrescenta Claudio Felisoni.
O ritmo lento de retomada que se desenha para o consumo brasileiro não preocupa apenas os varejistas. É que o comércio representa cerca de 25% dos empregos formais do Brasil. E o setor terciário, que engloba o comércio e a prestação de serviços, igualmente impactada pelo coronavírus, representa 2/3 do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. Foi esse setor, por sinal, que sustentou a alta de 1,1% do PIB em 2019.
Não bastasse isso, a demanda do comércio influencia diretamente a produção da indústria brasileira. Por isso, esse baque do comércio deve influenciar a taxa de desemprego e de crescimento da economia brasileira também em 2021. “O PIB de 2020 já está comprometido com uma queda muito significativa. E em 2021 também vamos assistir a um crescimento muito lento”, admite o presidente do Ibevar.
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