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Colunista: Dante Serra
02/11/19 - Quando o cirurgião inglês James Parkinson escreveu em 1817 o que chamou de "Um ensaio sobre a paralisia agitante", não imaginava que acabara de descrever o que seria a segunda doença neurodegenerativa mais comum, atrás apenas em frequência da doença de Alzheimer.
Todas a doenças degenerativas ganharam em importância pelo aumento da longevidade, e com a síndrome de Parkinson não foi diferente.
Estima-se que 1% da população mundial com idade superior a 65 anos tenha a doença e, portanto, atinge cerca de 6,3 milhões de pessoas em todo o mundo. Somente no Brasil, acredita-se que cerca de 250 mil pessoas sofram com o problema.
Com uma prevalência e incidência que aumentam com a idade (100 a 200 casos por 100 mil habitantes) e com a população envelhecendo no Brasil e no mundo pode-se imaginar o impacto social e econômico dessa enfermidade em um futuro não muito distante.
Pior que isso, talvez por tratar-se de uma doença degenerativa, em nossa sociedade o Parkinson é altamente estigmatizante. A ponto de ser chamado de Mal de Parkinson; a ponto da administração do Vaticano manter em segredo por 12 anos a doença do papa João Paulo 2º e somente confirmar a doença do pontífice em 2003, pouco antes de sua morte; a ponto de termos de assistir inúmeros comentários no mínimo preconceituosos sobre o aspecto físico e os tremores de Muhammad Ali, quando foi a personalidade escolhida para acender a pira olímpica nas Olimpíadas em 1996.
Durante os 32 anos que conviveu com a doença, Ali deu demonstrações de resistência e resiliência mais do que no ringue. Declarou certa vez: "Todo mundo recebe provas de Deus. Ele está me pondo a prova para ver se eu sigo rezando, mantendo minha fé".
Com esse futuro descrito como sombrio e que parece inevitável, conhecer mais sobre este mal a fim de reconhecer precocemente a sua instalação, é fundamental para percorremos outro caminho, ou pelo menos, atrasarmos muito sua evolução, visto que isso é possível.
Por que ocorre?
Ocorre pela falta ou diminuição de uma substância química cuja função é facilitar a transmissão de mensagens entre as células nervosas, chamada dopamina. Esta substância ajuda na realização dos movimentos voluntários do corpo de forma automática, ou seja, com ela não é preciso pensar para realizar os movimentos.
Nessa doença, as células nervosas do cérebro que produzem a dopamina são destruídas lenta e progressivamente.
Na sua falta, particularmente numa pequena região do cérebro chamada substância negra, o controle dos movimentos do indivíduo bem como a coordenação motora ficam perdidos.
Não se sabe ao certo, mas acredita-se que estejam envolvidos fatores genéticos e/ou ambientais (como exposição a determinadas toxinas como herbicidas e pesticidas).
Ainda existe o chamado parkinsonismo secundário, quadro similar a doença, que se dá pelo uso de certos medicamentos como os usados para quadros de labirintite, e para tratar algumas doenças psíquicas e que felizmente desaparecem com a descontinuidade da droga. Outras doenças neurodegenerativas como a esclerose múltipla podem confundir o diagnóstico.
Como se apresenta a doença?
Tem caráter progressivo, mais comum em homens, podendo aparecer em uma faixa etária muito variável, porém o pico de incidência da doença ocorre a partir dos 60 anos.
Mas a doença pode iniciar entre 10 e 15 anos antes dos sintomas se evidenciarem. Muitas vezes pacientes perdem o olfato e também o paladar, muitos anos antes da doença de Parkinson ser diagnosticada.
Os sintomas costumam ser sutis no início, intensificando-se se o tratamento é postergado.
No texto da descrição da doença em 1817, James Parkinson já dava conta de que os primeiros sinais seriam fraqueza leve e instabilidade nos membros.
Embora o tremor seja o sintoma mais notório, o quadro não se restringe a ele. A rigidez muscular levando a dificuldade de movimentos está sempre presente. Isto produz uma inclinação do tronco e da cabeça para frente, comprometendo o equilíbrio e o ato de caminhar torna-se um desafio, já que os braços rígidos não acompanham o movimento e as quedas se tornam frequentes.
Alterações do sono, e intestino mais preguiçoso também costumam ser queixas frequentes.
A perda de expressão no rosto, dificuldade para deglutir com engasgos frequentes e a depressão também fazem parte do quadro.
Exames ajudam no diagnóstico?
O diagnóstico da doença de Parkinson é essencialmente clínico, ou seja, um neurologista experiente através de sua anamnese (história clínica) e exame físico está apto para fazê-lo. Não existem exames laboratoriais que possam ajudar na detecção da doença.
Hoje, entretanto, dois exames sofisticados, que são o doppler transcraniano (ultrassom) e a cintilografia cerebral (com Trodat), podem auxiliar nesta tarefa e diagnosticá-lo precocemente. O Trodat é um radiofármaco injetado por via intravenosa que se liga ao transportador de dopamina. A cintilografia pode então identificar a quantidade baixa de dopamina em regiões específicas do cérebro. O ultrassom, por sua vez, identifica alterações de coloração de uma parte do cérebro que ocorrem na doença.
Ambos, porém, são exames de custo elevado e pouco disponíveis na maioria das cidades brasileiras. Por sorte, como disse, são dispensáveis para o diagnóstico por um bom neurologista.
O tratamento
A descrição dos sintomas acima tem a única finalidade de ajudar a identificar a doença precocemente e assim, mais cedo começar o tratamento, mantendo a autonomia e a qualidade de vida.
Existem inúmeras medicações para o tratamento da doença de Parkinson (com ações semelhantes a dopamina) e são usadas isoladamente ou em composição. Costumam ser eficazes por muitos anos produzindo regressão dos sintomas e estagnação da doença. Mas com o passar dos anos ajustes de drogas e associações com outros medicamentos são na maioria das vezes necessários.
Tratamentos adjuvantes com fisioterapia e fonoaudiologia são muito recomendados, reduzindo o prejuízo funcional decorrente da doença. A fisioterapia melhora força, equilíbrio e flexibilidade muscular, abrandando em muito a rigidez característica da doença, além de reduzir e prevenir a incidência de queda. A fono, fundamental nos casos de engasgo, previne as pneumonias por aspiração.
Para os casos em que a medicação já não tem a mesma resposta, a cirurgia pode ser considerada. Ela consiste no implante de eletrodos cerebrais e é hoje considerada segura e efetiva.
Estes eletrodos se parecem com um marca-passo cardíaco. Eles atuam enviando estimulação elétrica a determinadas áreas do cérebro que controlam os movimentos, interrompendo os sinais nervosos responsáveis pelos sintomas do Parkinson.
Ao contrário do que se apregoou, a cirurgia não é a cura da doença, mas ela tem conseguido retroceder alguns anos nos sintomas e na resposta a medicação.
Algumas novidades como uma "vacina" que estaria em desenvolvimento para frear a evolução do Parkinson por pesquisadores do hospital Johns Hopkins Medicine, em Baltimore, e a dopamina em forma inalatória vêm sendo testadas.
Há ainda estudos em nível experimental sobre o tratamento com células tronco.
Com tudo isso, controlar a doença tem sido uma tarefa muito mais bem-sucedida do que há 15 anos. Continuando neste ritmo, logo poderemos discordar do ator Paulo José quando descreve a doença de Parkinson dizendo: "É uma doença degenerativa, progressiva e irreversível. Mas a vida não é diferente".
(*) Dante Serra é Doutor em Emergências Clinicas pela FMUSP (Faculdade de Medicina da USP) e médico especialista em cardiologia, clínica médica e terapia intensiva. Também é autor do livro Terapia Intensiva Fundamentos e Prática, ganhador do Prêmio Jabuti.
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