Farmácia no interior de São Paulo – Lucas Lacaz Ruiz/Folhapress
Em um período de três meses, duas multinacionais farmacêuticas, a americana Eli Lilly e a suíça Roche, anunciaram o fechamento de suas fábricas no Brasil, como parte da reorganização global de suas operações industriais e de portfólio. O encerramento das operações deve levar de dois a cinco anos.
A prioridade de ambas é migrar de produtos mais simples, baratos e de grande volume (genéricos) para os inovadores, mais caros, e produzidos em menor escala (medicamentos biológicos e oncológicos).
A tendência atual é que as farmacêuticas também concentrem suas produções em países que ofereçam melhores condições de incentivos fiscais, infraestrutura e mão de obra qualificada, como vem acontecendo em Espanha, Portugal e Costa Rica.
Essa mudança tem preocupado o setor no Brasil, que gera cerca de 90 mil empregos diretos, 500 mil indiretos e movimenta mais de R$ 62,3 bilhões em vendas por ano.
Para especialistas no segmento, ela sinaliza que o país está perdendo competitividade, especialmente na área de biotecnologia.
“Temos percebido isso com a alta tecnologia. Mostra que as condições estruturais do nosso país infelizmente não estão adequadas para uma indústria de ponta”, afirma o economista Otto Nogami, do Insper (Instituto de Pesquisas Econômicas).
Segundo Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma (sindicato da indústria de produtos farmacêuticos), com a saída das multinacionais, o país perde em tecnologia.
“Estamos nos tornando cada vez mais dependentes da produção de fora”, afirma.
Nogami também vê com preocupação esse movimento.
“Num cenário futuro, teremos por aqui apenas as produtoras de genéricos. As produtoras de alta complexidade tendem a se instalar em outras economias onde elas vão ter, além da ajuda do governo, mão de obra mais adequada e uma condição tributária mais favorável.”
Em países como a Espanha e a Costa Rica, há incentivos como redução de alíquotas e isenção temporária do recolhimento de impostos.
“No Brasil, com esse colapso das contas públicas, o governo não consegue subsidiar a indústria, reduzir alíquotas, oferecer linhas de financiamento”, diz Nogami.
Além da redução de custos, alguns mercados internacionais também podem se tornar mais atrativos pela questão regulatória, de acordo com Guilherme Barsaglini, diretor de desenvolvimento de negócios do laboratório Natulab.
“Quando você lança um produto na Espanha, tem uma plataforma regulatória e produtiva para atender todo o mercado europeu, que é bem maior do que o brasileiro. Essa é umas das grandes vantagens competitivas”, afirma ele.
Há também a questão da burocracia brasileira que envolve a liberação de ensaios clínicos necessários para o desenvolvimento de um novo medicamento no país.
“O nível de obrigação que a empresa que decide fazer testes clínicos com pacientes brasileiros tem que cumprir extrapola em muito a maioria dos outros países.”
A taxa tributária de 33% sobre preço dos remédios, uma das maiores do mundo, a grande concorrência entre as fabricantes nacionais de genéricos e o controle de preços sobre remédios estão entre os fatores que também afastariam as farmacêuticas do país, segundo Nelson Mussolini.
“Os produtos novos também não se beneficiam da redução do PIS e do Cofins [tributos previstos pela Constituição]. Isso tudo vira uma terra de maluco. Ninguém vai olhar o país como altamente atrativo para esse tipo de capital”, afirma Mussolini.
Além da mudança de portfólio, a perda de competitividade na venda em medicamentos básicos é um outro fator que tem motivado as multinacionais a deixar o país, diz Barsaglini, do Natulab.
“A estrutura alta de custos e o nível de regras maior que precisam seguir no país por serem multinacionais, fazem com que elas percam cada vez mais espaço para as empresas nacionais. Com isso, suas fábricas, que precisam de volume para se sustentarem, não fazem mais sentido.”
Por essa razão, explica, a opção delas tem sido fugir desse mercado de medicamentos básicos e investir em produtos mais complexos.
“Ele troca R$ 10 milhões baseados em 5 milhões de vendas de R$ 2 por R$ 10 milhões baseados em mil unidades vendidas por R$ 100 mil.”
Para o consumidor, segundo ele, não há problema porque a grande competitividade faz com que o preço desses produtos básicos caiam.
Para o país, no entanto, existe perda porque as empresas estão transferindo a fabricação de produtos de maior tecnologia para outros lugares do planeta.
“A presença de fábricas de grandes multinacionais no Brasil é um aporte de tecnologia, significa o país produzindo produtos com maior valor agregado.”
Para Mussolini, há risco de o país enfrentar o mesmo problema de anos atrás, quando 95% dos insumos farmacêuticos antigos passaram a ser fabricados em países como a Índia e a China.
“Agronegócio é importante, é um dos pilares da nossa economia. Mas um país que não consegue ter indústria forte, não consegue ser país desenvolvido.”
Embora a dependência do Brasil em relação aos princípios ativos importados seja grande, o que mais pesa na balança comercial é o medicamento pronto.
A compra externa de remédios chegou próximo dos US$ 7 bilhões (o equivalente a R$ 27,5 bilhões) no ano passado, alta de 9,7%, impulsionada pelos biológicos e outras drogas de alta complexidade, segundo dados do setor farmacêutico.
A balança comercial do segmento foi deficitária em cerca de US$ 6 bilhões (R$ 23,57 bilhões) em 2018.
Fonte: Folha de S. Paulo Online
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