Valor Econômico
Jornalista: Leila Abboud
17/03/20 - A Sanofi alertou para a falta de capacidade de produção de vacinas na Europa para lidar com pandemias como a do coronavírus e defendeu a criação de uma agência governamental específica para planejar a reação a crises.
O executivo-chefe do laboratório farmacêutico francês, Paul Hudson, disse ao “Financial Times” que a epidemia colocou a questão da soberania nacional dos sistemas de saúde “intensamente” no centro das atenções.
Desde o início da epidemia, governos têm imposto restrições às exportações de provisões médicas, incluindo máscaras e respiradores artificiais. No domingo, autoridades alemãs tentavam impedir uma empresa de biotecnologia que trabalha em uma vacina no país de transferir pesquisas para os Estados Unidos, por receio de que Washington possa querer um monopólio sobre qualquer descoberta inovadora no combate à doença.
Em discussões recentes com autoridades europeias da área de saúde, Hudson e David Loew, chefe da unidade de vacinas da Sanofi, fizeram um apelo para que os políticos criem um órgão equivalente à Agência de Desenvolvimento e Pesquisa Avançada Biomédica (Barda, na sigla em inglês), do governo dos EUA. O órgão trabalha em conjunto com empresas privadas para adquirir e desenvolver tratamentos contra pandemias do vírus influenza e doenças infecciosas emergentes.
“Você tem que decidir como pretende que o custo, qualidade e continuidade do fornecimento sejam no longo prazo”, disse Hudson. “Não precisa ser absurdamente diferente do que é hoje, mas você precisa começar a pensar em soberania.” Antes da epidemia do coronavírus, a Sanofi, quarto maior fabricante de vacinas do mundo, em receita, começou a ampliar a capacidade de produção nos EUA, após um pedido do governo.
“Eles querem certificar de que possuem estoque para seus cidadãos”, disse Hudson, referindo-se à Barda. “Precisamos ser um pouco mais assim na Europa.” A pandemia levou alguns executivos do setor farmacêutico e de provisões médicas a refletir se a produção fora dos territórios nacionais como forma de economizar custos não teria ido longe demais.
Cerca de 60% a 80% dos princípios ativos farmacêuticos do mundo são produzidos na Índia e na China, segundo associações setoriais, sendo que alguns tiveram a exportação proibida durante a epidemia. A Sanofi tenta remediar isso se desmembrando de sua unidade europeia de princípios ativos em 2022, para facilitar sua expansão.
“Em uma situação de crise como a que podemos ver agora, você não consegue nem máscaras”, disse Loew. “Eu encorajaria a Comissão Europeia a começar a pensar como vamos distribuir, no médio prazo, a capacidade [produtiva] que queremos ter. Hoje, não temos capacidade instalada suficiente em solo europeu.” A Sanofi tem três fábricas de vacinas na França e três nos EUA. Nenhuma de suas instalações, na Europa, contudo, é capaz produzir vacinas usando a nova tecnologia de DNA recombinante, que agora vem sendo testada para criar vacinas de coronavírus.
A Barda entrou rapidamente em ação para enfrentar o coronavírus. Aliou-se a laboratórios farmacêuticos, como a Sanofi, para testar diagnósticos e pesquisar uma vacina.
Parcerias público-privadas são necessárias para combater novos vírus com potencial pandêmico porque as empresas muitas vezes precisam começar a trabalhar sem saber como será o mercado. A Barda frequentemente se compromete a comprar as vacinas mesmo se as pandemias se extinguirem, como foi no caso do zika e do ebola.
Com mais de dez empresas correndo para criar uma vacina contra o coronavírus, especialistas alertam que vai levar pelo menos 18 meses para que uma esteja pronta, em vista do tempo necessário para os testes clínicos.
Loew disse que a Sanofi almeja ter uma versão experimental da vacina disponível em seis meses, iniciar os testes em um ano e ganhar aprovação dos órgãos reguladores em dois a três anos. Uma equipe de 60 cientistas está encarregada da tarefa.
Loew ressaltou, porém, que a Sanofi precisa de mais tempo para determinar se aloca mais recursos para desenvolver a vacina.
“O coronavírus poderia ser algo sazonal, como uma gripe. Poderia sumir em um par de meses. Simplesmente, não sabemos; e a epidemiologia também não está completamente clara”, disse.
Loew disse ser demasiado cedo para discutir preços, mas rejeitou a ideia de que vacinas desenvolvidas, em parte, com dinheiro público deveriam ser grátis ou baratas.
“Ninguém, enquanto grande empresa, vai embarcar [nessa ideia] se não houver certo retorno a receber pelo seu investimento e os riscos que está assumindo.”
O professor Jimmy Whitworth, da London School of Hygiene & Tropical Medicine, apoia a ideia de uma Barda europeia. “Estamos cada vez mais vulneráveis a um número cada vez menor de fabricantes [...] quanto mais pessoas sejam capazes de produzir novas terapias, novas vacinas e assim por diante, mais bem preparados vamos estar.”
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