Folha de S.Paulo
Jornalista: Daniel E. de Castro
12/01/20 - Entre a hipotermia que a fez abandonar a prova da maratona aquática na Olimpíada de Londres-2012 e a medalha de bronze que conquistou nos Jogos do Rio de Janeiro-2016, Poliana Okimoto conheceu e precisou lidar com a depressão.
“Ser retirada da água foi o pior momento da minha vida. Você se pauta pelo menos quatro anos pensando na Olimpíada, e eu não soube lidar com essa frustração. Olhava para trás e via tudo de que tinha abdicado para chegar até lá e acontecer isso. Quando voltei ao Brasil, parecia que minha vida tido sido rasgada”, ela afirma à Folha.
Por três meses, a nadadora não conseguiu cair na água. Tinha medo, vergonha de se expor e também raiva da situação em que se encontrava.
Chorou sozinha no quarto, inicialmente sem coragem de procurar um psicólogo e temerosa de preocupar seus pais, que moravam em outra cidade. Tampouco foi medicada. Ela conta que começou a se ver livre da doença quando se deu mais uma chance de voltar a nadar, mas admite que poderia ter sofrido menos caso tivesse gritado antes por ajuda.
“Acho que a grande dificuldade do atleta em dizer que está em depressão é se mostrar vulnerável para os seus competidores. Cada detalhe faz a diferença no esporte, você está lidando com uma rivalidade absurda. É difícil aceitar a nossa condição de ser humano com sentimentos e expor isso”, diz.
A conquista da medalha no Rio fez com que Poliana, 36, hoje treinadora e organizadora de uma travessia que leva seu nome, virasse exemplo de resiliência e superação.
Outras histórias, porém, principalmente aquelas que não acabam com o final feliz da redenção por meio de um pódio olímpico, passam despercebidas diariamente por atletas, treinadores e dirigentes esportivos.
A impressão de quem vive nesse meio é que o cenário está mudando. Há menos preconceito e mais gente disposta a ouvir e a falar sobre o tema.
Nos últimos anos, muitos atletas de excelência começaram a revelar questões ligadas à sua saúde mental. Depoimentos sobre depressão, ansiedade e pensamentos negativos tornaram-se constantes no noticiário esportivo.
Um marco foram os relatos do nadador Michael Phelps, maior medalhista olímpico da história, a respeito de uso de drogas e abuso de álcool durante a carreira. Em janeiro de 2018, ele revelou que cogitou suicídio após os Jogos de Londres, quando havia se aposentado pela primeira vez.
“Eu não queria mais estar no esporte, eu não queria mais estar vivo. Na verdade, após cada Olimpíada eu me sentia dentro de um grande estado de depressão”, disse.
Os relatos das estrelas da NBA DeMar DeRozan, também sobre depressão, e Kevin Love, que teve um ataque de pânico durante uma partida, fizeram com que a liga americana de basquete criasse um programa específico voltado a cuidar da saúde mental dos seus jogadores.
Com a participação do príncipe William e de estrelas do futebol inglês, a federação de futebol da Inglaterra lançou no ano passado uma campanha chamada "Heads Up" (“Cabeças Erguidas”), para estimular a discussão do assunto.
No Brasil, casos de jogadores de futebol renomados com depressão, por exemplo Nilmar, Pedrinho e Thiago Ribeiro, entre outros, também fizeram o tema ganhar visibilidade.
Na opinião de Thabata Castelo Branco Telles, integrante da diretoria da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte, ainda não é simples falar sobre o assunto, mas aos poucos ele tem deixado de ser um tabu.
“Quando as pessoas percebem que até casos mais graves, como de assédio, tiveram alguma resolutividade, notam que agora vale a pena falar. Se você não vê nada acontecendo, não vai adiantar. Quando vê ações mais concretas, isso empodera o atleta para abrir a boca e falar o que não está legal”, afirma.
Para Gabriela Gonçalves, psicóloga clínica e do esporte, o fato de que mais pessoas estejam dispostas a abordar o assunto não irá eliminar automaticamente o preconceito da sociedade relacionado às doenças psíquicas.
Na geralmente curta carreira de um atleta profissional, diminuir o ritmo de trabalho e colocar menos pressão sobre si mesmo são objetivos quase inalcançáveis.
“Existe uma tentativa de desmistificação do atleta, mas eu não sei se isso é possível. Trabalhamos muito com a ideia do mito do herói. O herói pode até perder uma batalha, mas não pode chegar ao final da guerra e perder. Eles estão tentando divulgar esse assunto para poder se recuperar e seguir em frente, dizer que são pessoas normais, mas a sociedade não vê dessa forma”, diz.
A psicóloga Sâmia Hallage já trabalhou na preparação de vários atletas por meio de uma parceria com o Comitê Olímpico do Brasil (COB). Acompanhou, por exemplo, a seleção feminina de vôlei medalhista de ouro em Pequim-2008, o jogador de vôlei de praia Alison em duas medalhas (2012 e 2016) e o ginasta Diego Hypolito na prata em 2016.
A principal fonte de sofrimento do atleta, na sua visão, é não saber lidar com as frustrações. “O erro, que deveria ser tratado de uma maneira natural, não é. E se a derrota é exposta, fica ainda mais grave, mais sofrido. Uma coisa é você errar na sua profissão e ninguém ficar sabendo, outra coisa é errar e o fracasso aparecer na primeira página do jornal”, afirma.
De acordo com Hallage, antes a psicologia do esporte se preocupava apenas com a performance, baseada em temas como motivação, concentração e trabalho de equipe. Quando muitos atletas passaram a procurar os consultórios por iniciativa própria, o atendimento se tornou bem mais complexo.
“Percebemos que não se trata apenas de colocar uma música antes do jogo, você precisa mexer com o comportamento da pessoa. Ser atleta é uma parte da vida, mas não a única”, diz.
No início de outubro de 2019, Eduardo Cillo, Carla Di Pierro e Fernanda Tartalha do Nascimento, três profissionais da área, lançaram o livro “Léo: uma Conquista Inspirada em Histórias Reais”, pela editora Novo Século. O romance sobre um nadador de alto rendimento pressionado pelo pai a jogar futebol foi escrito a partir de uma miscelânea de relatos sobre sacrifícios, angústias e vibrações colhidos por eles no meio.
Cillo explica que a depressão, conhecida por ser uma “doença silenciosa”, tem um complicador para o diagnóstico no meio esportivo: “Quando a pessoa percebe, já não tem motivação para cumprir as tarefas mais básicas. Para o atleta, que tem que se superar a todo momento e está sempre lidando com exaustão, é fácil confundir a falta de vontade com o cansaço, e o processo torna-se mais silencioso ainda”.
Com a experiência de quem já se sentiu “num quartinho escuro” e deseja nunca mais voltar a ele, Poliana aconselha: “Podem ter vários atletas nessa situação e que não procuram ajuda por medo. Nosso nível de frustração pode ser muito maior, mas temos que lidar com os altos e baixos. A grande chave é nunca sofrer sozinho”.
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