Correio Braziliense
02/10/19 - Diretora executiva da Federação Nacional de Saúde Complementar (FenaSaúde), Vera Valente defende maior integração entre os sistemas públicos e privados de saúde para maior eficiência de ambos. “A saúde complementar, que perdeu três milhões de beneficiários desde 2015, se preocupa com o Sistema Único de Saúde (SUS), que fechou 19 mil leitos nos últimos anos. Isso é ruim para todos, pois aqueles que perderam os planos vão para o sistema público, que está sobrecarregado”, diz.
Se, por um lado, o setor privado perdeu beneficiários nos últimos anos, por outro, segundo Vera, houve aumento das despesas assistenciais devido à incorporação de novas tecnologias, ao envelhecimento da população e a um maior acesso aos serviços oferecidos. Segundo ela, 80% dos contratos são coletivos e, atualmente, as operadoras não vendem planos individuais por inviabilidade econômica. Entre 2008 e 2018, os reajustes autorizados pela ANS para os planos individuais somaram 155%. “Quando uma operadora quebra, impacta milhões de vidas”, afirma, referindo-se tanto aos usuários desassistidos, quanto aos atendidos pelo SUS, que terão que dividir recursos, já escassos com uma população ainda maior.
Para Vera, o desafio do momento na saúde complementar, não apenas no Brasil, mas no mundo, é a sustentabilidade. Isso ocorre devido à quantidade de novas tecnologia e de procedimentos disponíveis, de um lado, e cada vez menos recursos, do outro, para incorporar as novidades na oferta dos serviços, além das mudanças no perfil dos usuários, por causa do envelhecimento da população.
Inflação
De acordo com dados apresentados por Vera, entre 2014 e 2018, houve redução de 6% no número de usuários, mas o aumento nominal das despesas foi de 52% e o real (descontada a inflação), de 21%. “A quantidade de procedimentos efetuados cresceu 17% e a despesa assistencial, per capita, 28% (já descontada a inflação). “Esse não é um problema brasileiro, mas mundial”, alerta. Entre 2001 e 2018, o reajuste dos planos individuais somou 155%, mas o índice das variações hospitalares subiu 289% no mesmo período, aponta Vera. “O custo é 3,4 vezes maior do que os índices gerais de preços”, frisa.
Ela explica que a fórmula para calcular a inflação na área da saúde é diferente da formação dos índices usados para calcular a alta dos preços, em geral, já que os valores dos serviços, procedimentos e materiais de saúde são afetados por várias questões, como demografia, tecnologia, acesso aos serviços, aumento da expectativa de vida, entre outros aspectos. Para Vera, o setor enfrenta vários desafios estruturais. Um deles é a questão demográfica. “A pirâmide está invertida. Dobrou a população com mais de 60 anos nos últimos anos, uma população que vai precisar de mais cuidados médicos”, assinala.
Outra mudança é com relação à expectativa de vida, que aumentou. “Isso é bom, mas é óbvio que impacta o sistema de saúde, pois é preciso controlar doenças crônicas e o acesso aos planos será feito com mais frequência. Nos últimos 20 anos, a expectativa de vida saltou, em média, seis anos. Houve alteração também no perfil de tratamentos. De acordo com diretora da FenaSaúde, houve redução no tratamento de doenças infectocontagiosas e aumento no de doenças crônicas, que requerem tecnologias. “Embora as novas tecnologia sejam uma ótima notícia”, na avaliação de Vera, elas custam cada vez mais. “Nenhum sistema está conseguindo absorver esses custos, e esta é uma preocupação global”, diz.
Acesso
Uma das soluções para o setor, acredita a executiva, é focar mais na atenção primária, como em médicos de família, e em prevenção. “É preciso mudar o foco da doença para a manutenção de saúde”. Para ela, essa mudança pode reduzir em até 80% o uso dos planos. Vera propõe ainda uma maior segmentação das coberturas oferecidas pelas operadoras, além de mais liberdade para a pessoa modular os convênios, em termos de acesso aos serviços, de acordo com suas necessidades. “Temos de olhar para novos modelos. Hoje, o sistema incentiva o uso, e não a qualidade assistencial. A preocupação tem que ser mais no resultado”, diz, referindo-se aos mecanismos adotados com relação à oferta de serviços pelas operadoras.
Outra forma para reduzir os custos, na avaliação de Vera, é combater fraudes e desperdícios. “Esse é um desafio global. Não temos os números no Brasil, mas, nos Estados Unidos, os desperdícios correspondem a algo entre 20% e 40%. Se estivermos próximos ao número mínimo dos americanos, estamos falando em R$ 30 bilhões anuais”. Segundo ela, só em ressonância magnética, os países da OCDE fazem 82 exames por mil beneficiários ao ano, enquanto, no Brasil, são 162. “Chama a atenção”, afirma.
“Todos têm que fazer sua parte para promover uma mudança cultural na assistência à saúde. O consumidor tem que melhorar o autocuidado, a prevenção e o uso racional do sistema; as operadoras precisam investir em novos modelos, na qualidade, no combate a desperdícios e em novos modelos de remuneração e em assistência básica; a regulação precisa ser modernizada e o governo tem que fortalecer o SUS para uma coexistência harmônica e cooperativa entre os dois sistemas”, recomenda.
Pesquisas mostram que planos de saúdes são o terceiro item de desejo dos brasileiros, depois da casa própria e de educação, e 80% das pessoas que têm planos se dizem satisfeitas. Com relação às reclamações, dos 20 serviços com maior ocorrência, os planos de saúde figuram em 17º lugar, segundo informações do Ministério da Justiça. Segundo Vera, a FenaSaúde possui os 15 maiores grupos de operadoras de planos de saúde como associados, que atendem 26 milhões de pessoas e representam 40% do mercado.
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