Setor privado quer abater doações

Valor Econômico 
Jornalista: Raphael Di Cunto e Fabio Graner


06/05/20 - Com a pandemia causada pela covid-19, empresas, em especial de grande porte, passaram a doar máscaras, álcool em gel e equipamentos para hospitais públicos, numa ação social que ajuda a criar uma imagem positiva para suas marcas entre os consumidores. Algumas entidades empresariais, porém, tentam descontar os gastos com as doações dos impostos que tem a pagar.

Três projetos de lei novos no Congresso tratam do tema. Todos estabelecem limites para os descontos. Segundo o Valor apurou, o Ministério da Economia também já recebeu ao menos três pedidos do setor privado para permitir que esses gastos sejam abatidos do imposto de renda. Dessas demandas, uma queria incentivo para doações a hospitais, outra para doações de alimentos e uma terceira era mais genérica. A chance de esses pleitos prosperarem na área econômica é baixa, diante da restrição fiscal.

Procurado pelo Valor, o ministério limitou-se a dizer que o assunto “está em análise”. A pressão pelo benefício também já é replicada nos Estados, com projetos para abatimento do ICMS apresentados nas assembleias legislativas.

Os favoráveis ao benefício tributário dizem que isso estimula doações e também compensa as empresas por desafogarem os serviços públicos. O senador Confúcio Moura (MDB-RO) é autor de um dos projetos e está numa posição estratégica para aprová-lo: a presidência da comissão do Congresso que fiscalizará os gastos do governo federal no enfrentamento à covid-19. Nessa função, ele terá reuniões periódicas com representantes do governo para tratar do assunto. “Pensei só nesse momento atípico, de fazer como atratividade. A gente entende que o governo não dará conta desse enfrentamento sozinho”, afirmou Moura, que se disse contra incentivos tributários desmedidos.

A proposta dele é abrangente e permite a dedução não apenas de doações em dinheiro, mas também de imóveis, material de consumo hospitalar ou clínico e até os gastos com conservação, manutenção ou reparos de imóveis ou equipamentos. Essas despesas poderiam ser descontadas do imposto de renda devido a cada trimestre ou ano, até o limite de 1%.

A advogada Fernanda Calazans conta que o projeto foi debatido recentemente no grupo tributário da Amcham Brasil (organização de relacionamento entre empresas do Brasil e dos Estados Unidos) e recebeu apoio amplo, com a ressalva de que o governo deve estabelecer quais as doações mais relevantes. “Entendemos a preocupação sobre a queda da arrecadação, mas estamos falando de empresas que estão, de certa forma, assumindo o papel do Estado”, afirmou.

Assim como Moura, o deputado Roberto Pessoa (PSDB-CE) também propõe abater o imposto devido, mas em até 50% do total e limitado a R$ 1 milhão para pessoa jurídica. Já o deputado Eduardo Costa (PTB-PA) prevê a possibilidade de as doações serem descontadas da base de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre lucro líquido, sobre a qual incidirão posteriormente os 34% de IRPJ/CSLL.

Para o diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Bernard Appy, não faz sentido permitir abater as doações do imposto devido. Seria como se o governo fizesse a doação e as empresas ficassem com a propaganda gratuita. “Nesse caso é melhor recolher o imposto para o governo e ele fazer o gasto. Não faz sentido transferir a decisão de alocação toda para o setor privado. O governo abre mão da receita e a empresa ainda faz marketing”, diz.

Mas Appy avalia que o modelo no qual se reduz a doação da base de cálculo, sobre a qual depois incidirá 34% de IRPJ e CSLL, faz algum sentido. Na prática, explica, seria como se o governo participasse com um terço da doação. “Assim o governo participa da doação, mas não faz tudo”, afirma. Ele pondera, porém, que tal desenho seria mais eficiente se o governo coordenasse o processo.

Diretor-executivo da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), João Paulo Vergueiro vê o momento como ideal para atualizar a legislação de incentivos fiscais, “que é muito burocrática” e representa apenas 5% das doações no país, mas vai numa linha parecida com Appy. “Defendemos que o incentivo fiscal não seja de 100%. A empresa abate uma parte e o resto tem que ser doação de recurso próprio.”

Uma das entidades que pediram, em ofício ao governo, mudança na legislação para permitir o abatimento é a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca). Ela reúne gigantes de diferentes setores que estão fazendo doações, com amplo destaque em jornais, programas de TV e “lives”, tudo registrado na página da entidade na internet.

Eduardo Lucano, presidente-executivo da Abrasca, diz que a entidade não propõe abatimento direto do imposto devido, mas desconto na base de cálculo.

Para o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), Mauro Silva, é preciso evitar movimentos voluntaristas nesse momento. “Benefícios fiscais são ruins porque depois não se consegue retirar”, disse. “É melhor que o Estado promova as ajudas e organize o processo”, completou.

Já Charles Alcântara, presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), se mostra simpático às iniciativas que estimulem doações. “São bem vindas, ajudam, mas o que se espera da sociedade como um todo é que isso ocorra independentemente de iniciativa tributária. O espirito que encarna a doação é solidariedade”, afirmou.

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