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Folha de S. Paulo

Jornalista: Katia Rubio

 

 

12/01/20 -  O esporte é uma daquelas práticas universais cuja imagem foi construída em torno da educação e da saúde. Símbolo de distinção, era um privilégio daqueles que tinham tempo livre para se dedicar a treinar e competir.

Durante décadas, foi considerado uma atividade amadora, capaz de preparar a juventude para assumir funções de liderança em diferentes esferas.

A verdade é que a frase “mens sana in corpore sano” insinua uma aproximação entre corpo e mente que nunca chegou a ultrapassar os limites do texto do poeta romano Juvenal.

Antes, a exigência pelo resultado era de ordem muito mais intrínseca.

No momento em que o esporte passou a servir a fins ideológicos, essa perspectiva se transformou, recaindo sobre o atleta a responsabilidade da defesa dos ideais da pátria. Ganhar tornou-se a razão central do competir. Adeus, prazer.

 

Foi, porém, o advento da profissionalização, no fim dos anos 1980, que contribuiu para a transformação radical na relação esportiva entre discurso e ação.

O atleta passou a sofrer o mesmo nível de exigência que outros trabalhadores. Pressão por resultados associada à falta de vida privada justificam o surgimento de transtornos mentais comuns em outras profissões.

Some-se a isso a pouca idade de muitas crianças e jovens atletas, ainda em processo de desenvolvimento socioemocional.

O público que assiste ao espetáculo esportivo acredita que o atleta está pronto para lidar com demandas da vida comum de adultos.

Nem sempre, porém, a maturidade biológica acompanha o desenvolvimento psíquico de crianças e jovens, que fazem supor serem pessoas maduras. Nem mesmo os adultos experientes conseguem lidar com todas as exigências da carreira esportiva.

A manifestação de fragilidades emocionais sempre pareceu incompatível com a força e o vigor apresentados nos momentos públicos de competição.

 

Mulheres e homens fora do comum, movidos a busca de recordes e marcas, parecem ser perfeitos e indestrutíveis.

No mundo do esporte profissionalizado, o atleta é mais um operário que vende sua força de trabalho e produz mais-valia. Escravo pós-moderno é mercadoria negociada, comprada e vendida planeta afora.

Empresta sua imagem vencedora a marcas e produtos mundializados. Submete-se ainda a ter sua liberdade de ir e vir restringida, a depender do lugar em que trabalha. Some-se a isso a brevidade de uma carreira produtiva que não ultrapassa duas décadas.

Parte do que foi exposto aqui é invisibilizado, pois não atende às expectativas dos consumidores do espetáculo esportivo. O atleta vive uma vida solitária e muitas vezes esconde do público, e de si mesmo, suas dores, angústias e temores. Do prazer da competição ao sofrimento mental, é tempo de compreender que o herói atleta é antes de tudo essencialmente humano.

 

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