(foto: Valdo Virgo/CB/D.A Press )
Uma das principais dificuldades enfrentadas no tratamento de câncer é saber se os remédios quimioterápicos estão fazendo efeito, matando as células tumorais e preservando as saudáveis. Pesquisadores da Universidade de Rutgers, nos Estados Unidos, trabalham no desenvolvimento de um dispositivo que poderá ajudar médicos e pacientes nesse sentido. Baseada em inteligência artificial, a solução tecnológica foi apresentada recentemente na revista Microsystems & Nanoengineering.
O dispositivo portátil é capaz de fornecer resultados imediatos e ajudar em análises moleculares adicionais. Para os criadores, ele permitirá intervenções personalizadas, além de melhora no gerenciamento e na detecção de cânceres. “Nós vislumbramos usá-lo como uma ferramenta de diagnóstico de pronto atendimento para avaliar a resposta do paciente”, explica Mehdi Javanmard, um dos autores do estudo e professor-assistente no Departamento de Engenharia Elétrica e Computação na universidade norte-americana.
A equipe criou o dispositivo para auxiliar o colega Joseph Bertino, pesquisador residente do Instituto de Câncer e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Rutgers. Bertino dedica-se a uma terapia para maximizar a eficácia da quimioterapia e minimizar danos colaterais.
“Ele me perguntou se poderíamos desenvolver uma tecnologia que pudesse avaliar rapidamente se os pacientes responderiam positivamente a essa terapia”, conta Mehdi Javanmard. “Nossa tecnologia combina inteligência artificial e sofisticados biossensores que lidam com pequenas quantidades de fluidos para ver se as células cancerosas são sensíveis ou resistentes a medicamentos quimioterápicos”, resume.
Biossensor
A recomendação do grupo, que iniciou o trabalho em 2015, é que o dispositivo seja manuseado apenas por profissionais de saúde e após a confirmação da doença por meio de uma biópsia. Inicialmente, deve ser aplicado o quimioterápico cogitado para o tratamento no material coletado do paciente. Espera-se que as células sensíveis ao remédio morram, e as resistentes permaneçam vivas.
Depois, o dispositivo deve ser colocado na mesma amostra para que o biossensor meça as propriedades eletrônicas das células, ou seja, o tamanho e a permeabilidade da membrana delas. Usando inteligência artificial, a solução detecta as estruturas vivas e as mortas, conforme mudanças das propriedades eletrônicas. Com base na percentagem entre essas duas condições das células, o médico pode avaliar se o paciente vai responder positivamente à quimioterapia. Em testes com amostras de culturas de células cancerosas tratadas com diferentes concentrações de um medicamento quimioterápico, a precisão foi superior a 95%.
Para os criadores, com a nova abordagem, o padrão de atendimento será aperfeiçoado e haverá redução dos custos do tratamento. “O dispositivo é totalmente eletrônico, portátil e muito barato. A tecnologia também usa inteligência artificial, o que resulta em maior precisão”, destaca Mehdi Javanmard.
Luciano Santos, médico oncologista e coordenador médico do grupo Oncologia D’Or em Brasília, ressalta que cada paciente responde de uma forma à quimioterapia. Dessa forma, com os recursos atuais, é preciso expô-lo ao tratamento e às toxicidades para avaliar se haverá êxito. “Uma vez comprovada a aplicabilidade desse dispositivo em situações de mundo real, poderemos considerá-lo como uma grande inovação no tratamento oncológico, principalmente no quesito avaliação de resposta antes da exposição do paciente ao tratamento”, diz.
Coordenador médico do Hospital do Câncer Anchieta, Marcos França acredita que a criação de uma forma de avaliação de eficácia será fundamental nesta nova era da oncologia. Apesar disso, ele ressalta a importância de entender que os tumores não são todos iguais, o que pode interferir na eficiência da proposta de abordagem feita pelos norte-americanos. “Nem sempre uma mesma tecnologia pode ser capaz de mensurar a eficácia dessa infinitude de doenças que chamamos de câncer”, explica.
O médico também frisa que será preciso avaliar se a solução poderá ser usada em pacientes submetidos a outros tratamentos contra cânceres, como a imunoterapia, o uso de drogas alvo e de terapia hormonal. “A mensuração da eficácia dessa nova tecnologia não apenas com a quimioterapia deve ser testada, pois o tratamento quimioterápico, apesar de ainda ser muito utilizado, vem perdendo espaço para as novas terapias”, aponta.
A ideia dos criadores é começar a comercializar o dispositivo daqui a três ou cinco anos. Para isso, o próximo passo do projeto é realizar testes em amostras de tumores retiradas de pacientes, e não de material de laboratório. Professor de Oncologia Aplicada do Centro Universitário de João Pessoa (Unipê), Luiz Victor Maia considera que o dispositivo abre novas portas para o tratamento de precisão. “Tecnologias como essa são ansiosamente esperadas e podem impactar positivamente a vida de pacientes com câncer. A união da engenharia clínica, inteligência artificial e nanobiotecnologia pode otimizar os cuidados oferecidos e salvar vidas”, diz.
“Nossa tecnologia combina inteligência artificial e sofisticados biossensores que
lidam com pequenas quantidades de fluidos para ver se as células cancerosas são sensíveis ou resistentes a medicamentos quimioterápicos”
Mehdi Javanmard, pesquisador do Departamento de Engenharia Elétrica e Computação na Universidade de Rutgers
Palavra de especialista
Risco de expectativas frustradas
“A tecnologia não é indicada para todos os tipos de câncer e de tratamentos, o que reduz o grupo a ser beneficiado. Isso pode gerar expectativas frustradas em muitos pacientes, pois a maioria deles não faz parte do grupo de interesse do estudo. Outro ponto de vista importante são as respostas não favoráveis, ou seja, como se sentirá um paciente submetido à nova tecnologia com os biossensores quando ela registrar que a resposta terapêutica não foi a desejada, ou seja, que as células do seu câncer continuam vivas? Os estudos devem continuar, pois podem resultar em bons resultados, mas a atenção de saúde individualizada deve permanecer e ser cada vez mais ampla, olhando o paciente para além da doença. A pesquisa precisa ser concluída para melhor afirmarmos seus benefícios e custo/benefício”
Luciana Martins, especialista em enfermagem oncológica e professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina
Fonte: Correio Braziliense Online
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