Transplantes: Transplantados e ativistas

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Jornalista: Cláudia Dianni

08/12/19 - A última vez que morri. Foi o nome que o publicitário Alexandre Barroso, 60 anos, deu ao livro que publicou no ano passado para contar sua saga depois de passar por três transplantes. Com diagnóstico de hepatite C e três nódulos no fígado, após aguardar dois anos na fila, em 2010, ele recebeu um novo fígado, mas o resultado não foi o esperado e ele precisou de três cirurgias para colocação de stents para aumentar o fluxo entre o novo fígado e os rins. As complicações o levaram à hemodiálise e a trocar de rim duas vezes.

Há seis anos, Barroso se dedica a fazer palestras por todo o Brasil com o objetivo de incentivar a doação de órgãos e de humanizar os atendimentos nos hospitais: o projeto Jornadas do Bem, parceria com o Asas do Bem, da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) com as companhias aéreas para transportar órgãos gratuitamente. “Só este ano eu já fiz mais 70 palestras em mais de 21 estados”, conta o publicitário, que também participa dos jogos dos transplantados e já planeja um outro projeto para estimular a prática de esportes depois do 60 anos.

“Hoje eu falo com 26 mil pessoas entre transplantados, em fila e parentes. Temos que fazer algo pelo outro. Mais de 40 mil estão na fila. Eu tive um coma de três dias e fui dado como morto. Não faz mais sentido viver se não for para ajudar o outro. Eu entendi que tinha que falar de amor e virei inspiração para muita gente que faz o mesmo”, diz Barroso. Realmente, ele não é o único. Muitas pessoas que gravitam em torno do tema acabam se envolvendo em alguma atividade voluntária ou trabalho em rede.

Entusiasmada e comunicativa, depois do transplante de coração, há quatro anos, Patricia Fonseca parece viver infância, adolescência e juventude ao mesmo tempo. “Tive que sobreviver aos trancos e barrancos. Só entrei na fila aos 29 anos”, conta. Com hipertensão pulmonar, além da insuficiência cardíaca desde criança, a condição no pulmão a impedia de entrar na fila, até que foram desenvolvidos remédios adequados para o caso dela.

“Antes de chegar meu coração, eu não conseguia me enxergar viva na semana seguinte. É um alívio. Para mim, o transplante foi um novo parto. Eu não conheci a vida como é hoje. Me sinto o tempo todo na Disney. Eu corro, eu brinco. Eu fico cansada, eu durmo e acordo e estou descansada, É mágico, pois a vida inteira eu estive cansada, não importava o quanto eu dormisse. Isso me comove muito”, relata.

Foi por isso que ela decidiu criar o Projeto Sou doador. “Comecei a dar voz às pessoas que estão nesse processo, pois somos anônimos na fila. Eu fiquei com uma vontade muito grande de dar voz a quem está na fila de espera. Patrícia faz palestras e se envolve na discussão de políticas públicas. “Um dia, em uma palestra, uma mãe chorava muito. Eu conversei com ela depois e ela me disse: que alegria eu sentiria se soubesse que o coração de meu filho estaria em uma pessoa feliz como você”. Meu objetivo nunca foi gerar culpa nas pessoas que não doaram, mas essa experiência me mostrou que muita gente não doa por falta de informação.

“O ativismo é uma forma de gratidão pelo fato de ter recebido uma segunda chance de vida. A gente quer que outros, que estão em lista de espera, também tenham essa chance. É também uma forma de agradecer às famílias doadoras. Criamos uma rede e cada uma vai fazendo o seu trabalho nos estados. Eu sou uma dessas pessoas, graças a Deus”, diz a gaúcha Liège Gautério, que também faz palestras e lives nas redes sociais e mantém uma página com informações no Instagram.

Superação

Depois de passar por um transplante de rim aos 37 anos, a radialista brasiliense Gabriela de Souza Gonçalves, 42, criou, em 2016, o grupo Superação de corrida de rua. “No início, era para transplantados, mas acabou atraindo pessoas que fizeram cirurgia bariátrica, com depressão e hoje temos 77 participantes”, conta. Ela também criou um grupo de apoio no WhatsApp. “O apoio é importante principalmente quando falta remédio na farmácia de alto custo, onde todo transplantado precisa retirar o imunosupressor e o corticóide. São remédios que não podemos deixar de tomar por mais de 24 horas. Quando falta na farmárcia, quem tem passa para o outro até chegar. Eu mesma já precisei recorrer ao grupo”, diz.

“A rede é muito importante, como apoio. O Brasil tem uma comunidade de 70 mil transplantados. É uma cidade de pequeno porte”, diz o coordenador de transplante de rim da Santa Casa de Porto Alegre e diretor da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos”, Valter Garcia.


Gargalo

Para o médico intensivista e coordenador da Central Estadual de Transplantes de Santa Catarina, Joel de Andrade, o Brasil pode enfrentar gargalos, caso as doações aumentem antes da expansão das estruturas dos hospitais e das equipes. “É melhor investir em treinamento do que em campanhas”, opinia. É possível aumentar a oferta de órgãos, Brasil é muito heterogêneo. Alguns estados estão preparados para aproveitar e outros não, principalmente no Norte e no Nordeste. Os estados do Amapá, Roraima e Tocantins não realizam transplantes, assim como Amazonas, Mato Grosso e Sergipe. O Brasil possui 624 centros transplantadores e 1.299 equipes.

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