Valor Econômico
Jornalista: Beatriz Olivon
28/10/19 - Os transtornos mentais são os principais motivos para afastamentos no trabalho na área jurídica. Entidades que representam advogados e procuradores identificaram o problema e começam a estudar o assunto para colocar em prática medidas preventivas. Segundo os profissionais da área, ainda não há programas estruturados em escritórios de advocacia. Já os órgãos públicos estão nos primeiros passos.
“Tem muita gente doente na justiça brasileira”, diz Sandra Krieger, presidente da Comissão de Saúde da OAB. Transtornos mentais e comportamentais representaram 30% dos afastamentos de advogados entre 2012 e 2018. Foi o principal motivo para se ausentar do trabalho, segundo dados do sistema Smartlab, do Ministério Público do Trabalho. Entre os procuradores, esse também foi o principal motivo, em 60% das licenças médicas.
Entre magistrados e servidores, foi a terceira causa de afastamento por doenças em 2018, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A situação no Judiciário é um pouco diferente do dado geral no país, onde os principais motivos de afastamentos no período foram dorsalgia (21%), lesões no ombro (17%), seguidos por inflamações (9%).
Diante desse quadro, as entidades do setor estão estruturando planos de ação. A OAB começou uma pesquisa sobre a ocorrência de depressão, burnout e outras doenças similares entre advogados para ter um diagnóstico da saúde mental da advocacia brasileira, inspirada em levantamento realizado nos Estados Unidos pela American Bar Association.
“Nossa ação será em cima dos resultados, com a sugestão de tratamento psicológico e outras terapias, como ioga e meditação”, diz Sandra. Durante as entrevistas com advogados, Sandra observa profissionais bem-sucedidos que estão em tratamento ou já tiveram depressões profundas, síndrome do pânico ou transtorno de ansiedade. De acordo com a advogada, as ocorrências observadas têm relação com a profissão. “Lidamos com fracassos permanentemente.”
Percebendo o avanço do problema, o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) iniciou um grupo para debater a saúde mental na área jurídica, segundo seu presidente, Carlos José Santos da Silva. “Dentro do Cesa nós discutimos mais a qualidade de vida, o bem-estar, mas vamos fazer um trabalho de conscientização sobre a saúde mental”, diz.
No próximo ano, o Centro pretende confeccionar um guia sobre saúde mental. Por enquanto, observa que alguns escritórios trabalham com o assunto mas de forma indireta. “É uma discussão muito nova.”
O INSS não tem dados separados sobre os benefícios por categoria. Hoje paga de forma geral R$ 332 milhões a 190.789 segurados afastados por doenças ligadas a esse tipo de transtorno. Procuradores e juízes são regidos pelo regime próprio de previdência social e não entram na conta, mas observam os mesmos problemas.
“Nos últimos anos ocorreu uma percepção maior do impacto dos transtornos mentais na carreira”, afirma Patrícia Rossato, que atua na representação da carreira de procurador federal do Conselho Superior da Advocacia-Geral da União (AGU). Ainda assim, a procuradora acredita que há subnotificação. “São assuntos que foram muito negligenciados mas não podemos continuar ignorando.”
O pedido de levantamento dos dados feito pela carreira levou a AGU a acelerar alguns projetos nessa área, segundo Patrícia. Já são realizadas palestras sobre o tema nas unidades e há planos para fortalecer o atendimento no RH e dar o encaminhamento adequado aos problemas. “Quando acontece um problema psiquiátrico numa unidade, as pessoas não sabem lidar com a situação, não tem um respaldo do ente e ficam meio perdidas”, diz.
Segundo Patrícia, o volume de trabalho aumentou pela falta de concurso nos últimos anos e, consequentemente, há um o excesso de prazos. “Temos colegas que atuam em dois mil processos por mês. A forma de trabalhar na advocacia pública acaba sendo massificada”, afirma.
Nesse contexto, o programa “AGU Mais Vida” realiza palestras, capacitação de servidores do serviço médico e da diretoria de gestão de pessoas. Também desenvolveu uma cartilha de atenção à saúde mental.
A realização de seminários sobre o assunto também é o caminho que vem sendo adotado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O órgão criou em novembro de 2018 o Comitê Gestor Nacional de Atenção Integral à Saúde. Também são realizados cursos on-line sobre saúde mental, fatores que contribuem para o adoecimento e as ações para a promoção do autocuidado.
“A palestra é um instrumento inicial, informativo, mas não vai fazer necessariamente uma pessoa que pratica assédio mudar sua postura”, afirma Vitor Barros Rego, psicólogo da empresa Trabalho no Divã e professor universitário. De acordo com o psicólogo, é mais efetivo atuar sobre os gestores que levam subordinados ao adoecimento.
“Algumas empresas observam as denúncias no canal de ética e colocam os gestores para fazer treinamentos”, exemplifica Barros Rego. É uma forma que as empresas têm de contornar a situação sem perder talentos.
Em tribunais e escritórios, o psicólogo tem observado gestores despreparados para lidar com questões humanas. Entre os fatores que levam ao adoecimento no meio jurídico, Barros Rego cita ambientes de trabalho que prezam pela rigidez, criando uma relação de frieza entre os colegas, além da sobrecarga de trabalho.
A comunicação entre os empregados e o ambiente de trabalho também podem ser mais leves, segundo o psicólogo. “Há ambientes em que o tempo que o funcionário demora no banheiro é fiscalizado”, diz.
Caso o órgão público ou o escritório não tenham programas de saúde mental, Barros Rego recomenda a procura por médicos, psicólogos. Além dos particulares, existe a rede de saúde mental do SUS e as clínicas-escolas nos cursos de psicologia, que atendem a comunidade.
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